Antro Particular

30 novembro 2008

Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade - ÚLTIMOS DIAS

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Complexo Sistema no Veja São Paulo

Cia. de Teatro Antro Exposto

Sábado de boas notícias de ontem e de amanhã...
E a perspectiva de algo maior por aí.

29 novembro 2008

Cultura: o retrato óbvio do que fingimos não ver

Algumas coisas não se explicam. Ou por não haver interesse em discussões e soluções, ou por não existir qualquer metáfora, fazendo com que o fato seja inerente ao seu contexto. A questão é o desaprendizado constante. Deixamos de ir além do corriqueiro e traduzimos, quando muito, pela simplicidade do olhar mais superficial deixando de perceber com exatidão o mais profundo.

Nas últimas semanas, dois fatos se somaram. O primeiro, o encontro com o Ministro da Cultura Juca Ferreira, no TUCA, para discutir os caminhos desenhados a se seguir nos próximos anos. O segundo, nomeado pelo jornal Folha de S. Paulo como Lavagem Legalizada, em seu editorial.

Vamos ao primeiro, então. Segundo o atual Ministro, a cultura caminha para uma definição de sua atuação dentro do determinado como política governamental visando atender uma ausência histórica de políticas públicas na área. Diversas foram as alternativas restituidoras da esperança de que, em algum momento e estágio, teremos melhor compreensão dos mecanismos necessários para trazer à matéria devida importância. A partir do diagnóstico da atual situação (disponível em apresentação – a mesma utilizada pelo ministro nos encontros – no endereço reforma da Lei Rouanet ), soluções foram trazidas para avaliação dos artistas presentes. Encontros semelhantes têm ocorrido por todo o país, valorizando o debate, o referencial democrático compreendedor da amplitude de perspectivas dentre as mais variadas expressões e localizações.

Tudo ia bem, até a menção de dois fatores cruciais: a negociação para a não apresentação da Lei Rouanet, pelos Senadores, por ser este “um momento difícil politicamente”; e a opção regulamentária sobre a participação empresarial na utilização da lei. Ou seja, a Cultura como moeda de troca e favorecimento político-partidário, e o controle do mercado por mecanismos estatais.

A submissão da Cultura aos favores terceirizados é prática original desde a criação da pasta. Triste é perceber que, apesar de todo o discurso proferido pelo ministro, nada mudara quando pensada por uma esfera maior, única possibilidade de concretização das proposições sugeridas. Nada será diferente enquanto a Cultura não assumir um papel de relevância. E não se faz política com idéias e boas-vontades. A Cultura morre nas cadeiras parlamentares pelo pouco apreço de nossos governantes em lhe atribuir outra função que não a mera maquiagem populista para o embelezamento do ‘correto’ e do ‘responsável’. Hoje, ainda, percebemos a Cultura como um simplório mecanismo de escambo, notando sua falência travestida por discursos eficientes.

Quanto à regulamentação, ora, necessária esta o é, contudo, submetê-la a uma perspectiva governamental e não provida pela própria sociedade, reflete perigoso dirigismo, ainda que pela melhor das intenções. Regular como o mercado deve participar culturalmente é direcionar a função maior de como a sociedade opta por existir. Junte a isso a igual regulamentação e limitação do acesso estudantil, discutida em Congresso (40%) e teremos um panorama preocupante: os controles de como devemos agir junto ao de como podemos oferecer separados de uma natural dinâmica do mercado e das vontades dos consumidores.

Que as propostas apresentadas pelo Ministério são interessantes, não há dúvida, mas há no discurso um tom esquisito e indecifrável de utopia misturado ao silencio das entrelinhas.

Sobre o segundo fator, a Lavagem Legalizada, nada poderia ser mais impróprio e imoral, e distante da importância dada à Cultura que Juca Ferrera tanto se esforçara por defender como diferencial do atual Governo Federal.

O projeto de lei apresentado pelo deputado petista Delcídio Amaral busca solucionar o montante ilegal enviado ao exterior. A já tão comum e nada disfarçada lavagem de dinheiro. Os bilhões calculados pelo governo podem ser ‘recuperados’ dialogando com seus eventuais proprietários através do simples mecanismo do perdão. Sim, somos um país católico, então, por que não?

Como? Oferecendo aos ingênuos contraventores o singelo abatimento de 8% em seus respectivos impostos.

O que isso tem a ver com a cultura, você deve estar se perguntando. Respondo: a porcentagem! Para o patrocínio via mecenato na Lei Rouanet, com abatimento de 100% ao valor destinado, oferece-se à pessoa física doadora (prática não comum de investimento no Brasil) 6% sobre seu imposto de renda. Já à jurídica, 4% sobre o imposto de renda (tendo como base a alíquota de 15% sobre o lucro bruto), ou seja, 0,6% sobre o lucro bruto da empresa. Com o detalhe de tais porcentagens dividirem as possibilidades de foco entre Cultura e Esporte – outra generosa contribuição dos nossos parlamentares para o enterro definitivo da cultura no país.

Para permanecermos em números... Tomemos por referência a quantia de R$ 100.000,00, para todos os casos – física, jurídica e lavagem de dinheiro –, os abatimentos desenhar-se-ão: 600, 6 mil e 8 mil, respectivamente.

Discursos à parte, ideologias à deriva (mesmo porquê, só o existir da proposta, através de um representante escolhido pelo voto, ofende a alma de qualquer cidadão), se o nobre deputado efetivar sua proposta, teremos um panorama mais propício ao caixa dois do que ao investimento cultural. Para que enfrentar a burocrática máquina do mecenato se é mais lucrável e orgânico enviar os recursos para o exterior e, desculpando-se às lágrimas, conseguir maior abatimento?

Que me perdoe a boa vontade daqueles que as possuem, mas tudo isso revela algo menos poético. A tal cultura brasileira não está mais nas esquinas, espaços culturais, centros estudantis. Migrou para o planalto, por enquanto de terno e gravata (já que vetaram a decisão de abolir a vestimenta no parlamento!), e se manifesta na capacidade criativa que possuímos em deturpar nossos valores. Talvez nisso devamos verdadeiramente investir e ser agraciados com descontos. Onde realmente somos, de fato, muito bons. E assim, o país do futuro assiste a destruição de qualquer possibilidade, ainda que mínima, de chegar a algum lugar.

São seis da manhã. Vou dormir e torcer para isso tudo ser somente um pesadelo patético.

28 novembro 2008

Cité des Arts e um pouco de muito de nós


Em 2000, ainda estudante de artes plásticas, tive a primeira oportunidade de visitar um outro país. Sai de São Paulo para encontrar a Patrícia que, através de uma residência artística oferecida pela Faap, a quatro meses residia na França. O condomínio não podia estar em melhor lugar. Citè des Arts. Entre a Notre Dame e Pont Neuf, à beira do Senna.
Entre Paris e Londres, avançamos sedentos sobre museus, artistas contemporâneos, clássicos, recitais em igrejas centenárias, passeios durante as madrugadas invadindo vielas e ruas.
Entre o turismo e o estudo, redescobrimos a nós mesmos, e muito do que somos hoje se deve ao fato de termos ido.
Paris ficou por lá e em nossas lembranças. Essas que agora, numa fração do possível, estão expostas pela Faap, nessa comemoração de dez anos de residência.
Estejam todos convidados a recuperar e participar um pouco dessa história.

21 novembro 2008

sonhos também ocorrem acordado

A apresentação de Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade, ontem, foi no mínimo especial. Patrick retrabalhou as músicas do espetáculo, e o que parecia impossível de ser melhorado, deu-nos um susto. A trilha está algo inacreditávelmente boa.
Em pleno feriado, o teatro lotado, pessoas sentadas no chão em improvisados colchonetes. Amigos, alunos, desconhecidos e figuras mais do que especiais.
A visita de Samir Yazbek, Lucio Agra, Ivam Cabral, Vanessa Bumagny, Valmir Santos, Heleninha. Conversas boas, críticas, profundas, divertidas, provacativas. Das que valem a pena passar uma noite acordado recordando.
Ao fim da noite, mais outra surpresa. Pepe resolve dar uma canja ao piano.
Silêncio.
Não há como definir a perfeição. Sobretudo quando tímida, humilde e com sabor de genialidade.
Obrigado a Rio Verde por permitir a nossa arte encontrar tantas outras.
O ano de 2009 promete ir mais longe! Estamos impossíveis...

19 novembro 2008

Complexo Sistema por LUIZA NOVAES

Tratado da consciência do possível...

Protótipo da epopéia de retificação da estrutura do papel... Do Aluno, sem luz...
Crítica da peça Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade.


Comecemos assim: Primeiro tópico, o trabalho da sociedade humana frente às novas gerações e todo embate provocado. Acreditamos que os mestres de nossa vida, são aqueles que nos ensinam o que sabem, será... O conhecimento só pode ser construído na diferença, cada ser um mundo novo, acredito. A nova geração vem para matar o velho, sem exceção, quando isso não ocorre devemos nos preocupar, afinal ninguém quer torna-se salsicha prensada...

Lembro-me de uma palestra do Abumjamra, comentando a incapacidade que a nova geração tem frente ao passado geracional. Estudo de caso: sempre lembrado de forma idílica da década de 70, onde valores e morais estavam sendo debatidos, para se construir o novo, e nós os jovens da arte, com nossa incapacidade de construir o pós (qualquer coisa). Ás vezes me questiono se realmente não sou bem mais moralista e tradicional do que meus pais e me reconheço assim na permanência de valores repetidos anteriormente pelos meus avós...

Porém em consonância com a peça Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade reconheço a incapacidade do torturador em tocar o instrumento que era utilizado como símbolo de fragilidade e sentimento do novo. Para fazer arte é necessário estar impregnado de alguma forma do espírito da época, ao menos se a intenção real seja a de reprodução pura e simplesmente.

No estranhamento que construímos o eu, bem como o outro. Valores diferentes na relação social, indivíduo se constrói frente ao outro. Conceito básico importado da Antropologia, a natureza humana como fim em si já era pressuposto metodológico para Marx, de construção do que a sociedade poderia fazer com os seus em estágio de evolução, tanto material quanto cultural.

O verdadeiro protocolo da reificação de um mundo no qual somente as coisas agem, onde o tempo humano desapareceu e onde o próprio homem tornou-se um simples espectador reduzido ao estado mais abstrato: um olho que registra
. (Lucien Goldmann, Recherches dialectiques).

O herói descontrolado, problemático, romanesco tem como prerrogativa uma palavra que tomo emprestada do vocabulário americano, uma definição primordial para discutir esse tipo ideal, o FUCKED UP... Aquele que é incapaz de fugir da sua fortuna pela contradição que se estabelece no cerne de sua existência determinado pelo valor de uso e pelo valor de troca, o herói não se conforma com a sociedade tal como ela é dada e não aceita o valor de troca. Um inadaptado que caminha pelo mundo como dinossauro cujos sentimentos excedem a capacidade de compreensão das pessoas rotineiras e grita o Ai de mim... Da alma.

Dessa forma, pensa e age pelo simples prazer de acreditar em um valor primário que aparece hoje em dia dissolvido em um monte de palavras que perderam sua função real. Seu valor de uso é do sentimento, de solidariedade entre pessoas, do afeto, do carinho, do tempo da disponibilidade do amor, por conseqüência a dor nasce da incapacidade de agir de acordo com qualquer outro uso social de suas ações que não perpassem esse tipo de Moral.

Nunca mais... (Edgar Allan Poe - O corvo)

O idílico volta mais uma vez se, pensarmos que há uma vontade de reminiscência de uma solidariedade mecânica que está impregnada de passado de uma busca incondicional ao fracasso, e que a sociedade moderna tende a crer que dessa forma há uma dissolução no outro que é inevitável, uma solidariedade orgânica de Durkheim que contamina e dissolve o novo adaptando-o a crua realidade do sistema quase orgânico no sentido do corpo humano.

A morte é dos nossos, sem enterro, não há espaço para Antígonas, abandonamos Ulisses e suas peripécias. Em sua viagem, Ulisses volta ao passado, à era de ouro, à história da Grécia... A distância torna-se radical e construímos seres impossibilitados de agir frente essa força social bruta, como os heróis kafkianos que acordam insetos, ou a espera eterna por um personagem que não chega Godot, ou o Ulisses de Joyce que faz a barba e pensa no que irá realizar no seu dia, tempo moderno pautado no acordar e dormir.

Morrer, dormir não mais, morrer, dormir, talvez sonhar... (Shakespeare - Hamlet)

A dúvida mortal de toda essa jornada é imaginar se o herói moderno é o torturado ou o torturador, até que ponto eles se assemelham ou se afastam e se o anseio é à volta ou a ida...

Agora, a certeza é que eles definitivamente estouraram o balão. Não há mais volta, as coisas estão organizadas, o cenário está colocado, e as cadeiras continuam enferrujadas e são ainda assim, poucos que podem sentar-se nelas.

Mother do you think they will drop the bomb... (Pink Floyd, The Wall)

Garanto que ao assistir a peça não me restava dúvida de que deixaria escapar as referências possíveis mesmo dentro do meu espectro de mundo. A minha retificação também estava em questionamento.

O romance já foi tratado de tantas formas por tantos autores, e penso que ele acaba de ser introduzido ao teatro, pela CIA Antro Exposto. Benjamin fala da morte do narrador, outros da História compartilhada, ainda assim fico com Bakhtin...

O romance é o único gênero não acabado, em devir, que desconhece qualquer cânon. Ele formou-se em oposição à epopéia, no "processo de destruição da distância épica, no processo de familiarização cômica do mundo e do homem, no abaixamento do objeto da representação artística ao nível de uma realidade atual, inacabada e fluida"
. (Mikhail Bakhtin, Questões de literatura e estética).

18 novembro 2008

Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade - Vídeo

Aqui o link no youtube para o vídeo-trailler da peça.
Obrigado, Patrick.

Complexo - trailer

14 novembro 2008

Complexo Sistema por PAULINHO FARIA

COMPLEXO

Sobrevivo deste troço que conhecemos por teatro e sei o quanto é foda. A vida ensinou que se não quer ajudar, então não atrapalha. Ou seja não meto o pau publicamente no trampo dos outros. Até por que, quem sou eu? Produzir no nosso país é uma merda. Não temos apoio e nem incentivo nenhum e se não nos ajudarmos... fodeu. Então se não gosto fico calado. Agora se gosto faço questão de escrever sobre, divulgar, comentar etc. Queridos leitores deste blog, encaro a escrita, mais como um exercício para o meu ralentado cérebro do que qualquer outra coisa. Não tenho pretensão nenhuma com isso a não ser dialogar comigo mesmo e na medida do possível divulgar boas coisas aqui. Enquanto digito... rio, choro, xingo, agradeço, falo alto, tudo isto sozinho. Não entendo bulhufas de nada, mas mesmo assim me arrisco entre as linhas deste texto.

Talvez neste momento enquanto as informações ainda digerem na minha cabeça, esta palavra (complexo) seja a melhor, por enquanto, pra definir o novo espetáculo da cia. Antro Exposto, dirigida e coordenada por Ruy Filho. Sei muito pouco sobre ele, ou quase nada, dane-se, porque o que cara anda aprontando com a cia é o que interessa. O trabalho por si só diz pra que e por que ele veio. Confesso que peças com características semelhantes não são as que mais me agradam. Geralmente me soam como pretensiosas. Em poucas palavras tento me explicar: Tenho a impressão que a maioria das cias. ficam sempre preocupadas em querer inovar e chocar de alguma forma. E cada vez mais, talvez pela urgência, começam nos apresentar trabalhos esteticamente belos, porém sem pé e nem cabeça, ou seja, apenas estéticos e que nada dizem, sem nenhuma base e profundidade. Não que eu ache que tudo deva ser profundo, talvez seja só uma questão de ponto de vista. Mas acabam pecando por uns amontoados de informações que me suscitam após, vontade apenas de ir pra um lugar qualquer e esvaziar a cabeça. Não me instigam a pensar. Na peça que assisti, o processo é inverso. A primeira preocupação (nítida) estava em dizer algo e é a partir daí que as coisas começam se encaixar. Não se vê nada sobrando. A única vontade que tive e tenho até agora é a de ficar pensando sobre, e pensando também quando conseguirei voltar pra re-assistir e tentar absolver mais alguma coisa. Quem sabe assim paro de ficar me revirando na cama durante madrugadas. A grande ousadia da peça está na profundidade que sem vacilo nenhum atingiram. Ai sim vejo inovação e linguagem própria. O grupo consegue deixar sua impressão digital. Minha alegria foi tanta ao sair daquele teatro que precisei sair correndo de lá praticamente. Num outro momento explico porque. Fiquei fascinado com o trabalho do Ruy. Foi de uma coragem, precisão e sabedoria muito peculiar. Coragem primeiro por ter conseguido e ocupado um espaço desconhecido, junto com um monte de malucos que acreditaram na proposta e que agora estão lá fazendo acontecer. Se apresentam numa sala com pouca infra-estrutura para a realização de qualquer tipo de evento, mas souberam aproveitar e transformá-la criativamente a seus favores. Precisão, porque diante de tão complexa obra, por milímetros não escorregou e caiu na mesmice da maioria dos grupos. Só mesmo sob a regência de um grande maestro isto é possível. Sabedoria peculiar, "a frase anterior justifica" e também por levar adiante a idéia e conduzir com habilidade e muita qualidade todos aqueles atores que estavam simplesmente magníficos em cena. Estou até hoje com tudo aquilo na cabeça, tentando digerir cada coisa, mas confesso que é foda e não é toa que tem o nome que tem. COMPLEXO SISTEMA DE ENFRAQUECIMENTO DA SENSIBILIDADE. Torço para que a nova cia. ganhe definitivamente seu espaço no cenário teatral paulistano que vêm garimpando há algum tempo, sem pretensão e arrogância nenhuma. Tudo fruto de muito suor e trabalho. A não ser que a nossa ignorante mídia mais uma vez deixe passar batido tão precioso trabalho, como tem feito com muitas outras grandes obras perdidas pela imensa cidade de São Paulo. O que é muito comum. Se tem uma palavra que não gosto, (sempre quis escrever isso e não sei se é o momento mais oportuno, enfim...) porque até hoje não entendo o real significado dela... é parabéns. O mais comum é dizê-la a alguém que faz aniversário, mas pra mim é nada mais do que uma desculpa de espertinhos que chegam na sua festa sem presente algum. Por isso não a pronuncio de jeito nenhum. E gosto quando não me dizem também. Prefiro dizer muito obrigado ao grupo por ter nos presenteado com esse magnífico trabalho. E avisar aos desavisados que eles ficarão em cartaz somente até o dia 11 de dezembro, todas as quintas às 21h no Centro Cultural Rio Verde que fica na Vila Madalena na rua Belmiro Braga, 119. Mais abaixo em outro post tem o serviço.

11 novembro 2008

Complexo Sistema por VEJA SP

LINHA DE PASSE e ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: cinema brasileiro ou cinema do Brasil?

Recuperando temas que gostaria de ter ampliado e discutido por aqui, nessas semanas de abandono e dedicação absoluta à montagem do novo espetáculo, está a maneira como a arte tem dialogado com os artistas brasileiros. Especificamente o cinema. E não qualquer cinema. Dois foram os filmes em cartaz, recentemente, condutores de nossos interesses diretos: “Ensaio sobre a Cegueira” e “Linha de Passe”.

Dois influentes diretores brasileiros nesta década, Fernando Meirelles e Walter Salles, respectivamente, trouxeram às telonas recentes trabalhos. E muito surgiu daí em mesas de bares e resenhas alternativas nesses últimos meses.

Como já foi dito absurdos e exaltações para ambos, limitar-me-ei a entender os aspectos que circundam os falatórios mais genéricos, predizendo um breve comentário a cada. Enquanto “Linha de Passe” alcançou generosa aprovação do meio cinematográfico jovem, “Ensaio sobre a Cegueira” recebera impiedosas considerações desde os caminhos estéticos escolhidos até o roteiro comparado ao livro.

“Linha de Passe” perambula o universo tangencial da sociedade, a partir do ponto de vista burguês classe-média que toma a si como centro, enquanto compreende o entorno, a partir do distanciamento seguro, por uma percepção fraternal e nada vivencial. Ou seja, o filme, como também ocorrera em trabalhos anteriores de Salles, busca aprofundar-se na rotina dos indivíduos à margem com certo ar de piedade e comoção àqueles que não terão outra alternativa que não a permanência de suas misérias. A ladainha piegas de ser o pobre, o favelado, o desprovido inevitavelmente incapaz de fugir da marginalização. O garoto que necessita subornar o sistema para ser aceito num clube de futebol; o motoboy que sucumbe ao crime para dar conta da existência de um filho adoentado fruto de uma relação adolescente descuidada; a criança negra, de mãe branca abandonada, em busca do pai desconhecido; o jovem pastor correto entregue aos vícios mundanos. Walter Salles continua sua trajetória de filmar o brasileiro e fazer do cinema nossa imagem.

Já “Ensaio sobre a Cegueira” busca traduzir em imagens a amplitude da capacidade literária de José Saramago. Impossível processo de transcender e dar presença aos imaginários e expectativas de cada leitor desse clássico da literatura contemporânea em língua portuguesa. Críticas e frustrações inevitáveis. Através do contágio inexplicável, uma sociedade inteira permanece cega, restando apenas uma mulher inatingida, Os primeiros a apresentarem a cegueira branca são trancafiados, criando assim a representação laboratorial da degradação generalizada da sociedade e do humano. A perspectiva do animalesco em busca de sobrevivência imediatista, física e moral, confronta-se com a submissão a sistemas de desvalorização do indivíduo. Dentro do prédio-quarentena, os internos constituem uma outra organização social e política, revelada similar ao caos das ruas, no momento em que a liberdade dos internos ocorre. Ao fim, quando a doença igualmente desaparece sem explicação, resta-nos o rosto da protagonista encarando o horizonte e descobrindo que, agora que a normalidade da visão retornara, ela, solitariamente, descobre-se “cega” outra vez em multidão. Fernando Meirelles faz, assim, do cinema a expressão de um artista brasileiro, sem a preocupação de ser local.

Entre percepções e gostos, o discurso, entretanto, a ser debatido é quanto ao posicionamento dos próprios artistas quanto aos filmes. Muitos foram, e em maioria, que questionaram as escolhas estéticas de Meirelles argumentando que “entendiam diferente”, sempre a partir de suas próprias idealizações sobre a literatura. O mais importante nesse aspecto é não ignorarmos o fato nada simplista do próprio escritor reconhecer-se na película e positivamente se surpreender. Questionarmos as opções de Meirelles passa a ser um modo narcisista, ponderando pela correspondência aos nossos próprios anseios criativos. Como se houvesse maneiras certas de entender e representar a história, e tivesse Fernando errado por não tê-la feita à maneira imaginada.

Por outro lado, a exaltação a Salles traduz o conforto de nos depararmos com o imaginado, com o reconhecível, ainda que isso traduza, em certo sentido, a criação óbvia. Para os que tanto criticaram Fernando Meirelles e se incomodaram com sua visão particular, Salles se apresenta perfeito ao não enfrentamento conceitual estético, condicionado pela bela fotografia de “Linha de Passe” e a pouca capacidade em ir além do esperado.

A questão, portanto, é o quanto incômoda uma assinatura é para outros artistas. É mais fácil aceitar o comum, o previsível. Nossos artistas se perderam em vazios solitários e mediocrizados pela distância do outro. Fernando Meirelles criou um elaborado discurso estético apropriando-se das capacidades técnicas para conduzi-las ao conceito. Salles fez do correto a vontade de ser reconhecido. E entre a ousadia e a perfeição, fico com a primeira, pois me estimula, provoca, instiga, enquanto a segunda, apenas revela que com a equipe certa se faz o certo.

Cegos estão aqueles que de tanto olharem para dentro são incapazes de reconhecer uma proposição artística verdadeira, ainda que com problemas, defeitos, ou seja lá como quiserem adjetivar para diminuir sua importância, não importa, mas sempre a pessoalidade apenas existente nos mais inquietos artistas.

10 novembro 2008

Complexo Sistema no jornal AGORA

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UM ESPETÁCULO NÃO SE RESUME AO PALCO

Foi-se a época em que colecionar programas de espetáculos traduziria as diversas correntes de pesquisa estética e conceitual. Abrir gavetas, baús, caixas empoeiradas, agendas possibilitava viajar por entre lembranças e idéias. Não mais.

Hoje, os programas de teatro (acompanhando o que há mais de uma década ocorrera com as artes visuais) banalizaram-se pela objetividade de informações, sem muito a acrescentar ao discurso artístico.

Diversos são os fatores. O mais óbvio explicita a falta de recursos como responsável pela simplificação do material. Menos verba, maior limitação. Menos espaço, maior objetividade. Também o design, a foto, as imagens passaram a dominar o discurso e, quase sempre, a preocupação em torná-lo "belo", ainda que tal avaliação seja extremamente particular, faz-se ponto central. É preciso ser diferente, chamar atenção, estar na moda. Será?

A falta de recursos não impede em nenhum estágio criativo que sejam elaboradas alternativas simples e eficazes para exposição de idéias. Tampouco a perspectiva de ser um bom material aquele com uma foto ´xis´ ou a fonte do momento. Tudo pode participar desde que traga aspectos do discurso permeados no trabalho.

O que lemos e vemos nos programas distribuídos na imensa maioria dos espetáculos em cartaz é inacreditavelmente fútil e desnecessário, e quase sempre explicativo e redundante. E, de alguma maneira, os programas espelham os valores dos artistas que os produzem. Conheço poucas pessoas que, ao serem indagadas sobre seu espetáculo, vão além do narrar a história. Infelizmente. "Sobre o que se trata?", talvez seja a pergunta mais temida dos bastidores, enquanto convivemos com respostas padronizadas, tais como "é a história de um cara...", "bom, o meu personagem é um cara", "fala de dois personagens que precisam de...". Há um imenso abismo entre falar sobre os conceitos e contar a história. Evidentemente, os programas refletem a superficialidade de tais percepções.

Explicações da importância de nomes clássicos, explicações da encenação, trajetória da pesquisa, sinopse e resumo dos personagens, e tantos outros mecanismos de contar o processo e as particularidades do trabalho, ocupam excessivamente espaços que deveriam ser voltados ao aprofundamento de idéias. A redundância em oferecer ao público uma prévia do que será apresentado torna o programa desnecessário, e não é a toa que muitos podem ser reencontrados nas poltronas após a saída do público. Para que levar para casa algo que já entendi no palco e que nada mais me acrescenta?

É preciso pensar o programa como um outro braço do discurso. Ir além da obviedade dos fatos ordinários e do próprio espetáculo, para torná-lo instrumento de expansão. Explorar e aprofundar detalhes que não couberam nas cenas, que só podem existir na retórica, no embate teórico, na reflexão solitária. Seja em um livro experimental, seja em uma simples página. Cabe ao programa dialogar com a montagem e não explicá-la. Fazer-se necessário para inquietar o público a ver o espetáculo, ao mesmo tempo em que se revela igualmente importante após a apresentação como instrumento de aprofundamento do que se viu.

Tudo se inicia antes, portanto. O programa não pode ser meramente o produto, a cara midiática do artista. Pelo contrário. Sua origem é clara. Está naquele momento em que o artista, o grupo, os amigos se olham e se perguntam sobre o que desejam falar.

O problema, certamente, consiste no fato do desaparecimento de que tal questionamento. Monta-se mais hoje em homenagem, em comemoração, no intuito de um prêmio ou incentivo qualquer, e menos por inquietações verdadeiras que, se não expostas, sufocariam o artista ao desespero. Fala-se o mais fácil, o recompensador.

Saudades dos discursos de outrora. Enquanto nada muda, volto às minhas gavetas e recupero dela aqueles que não me deixam dormir.

Complexo Sistema por FELIPE FERNANDES

São poucos os blogs que sigo, por diversos motivos. Por não haver conteúdo que dialogue com meus pensamentos, por não haver profundidade, por preguiça. Um pouco de qualquer motivo. Mas As Canções de F., de Felipe Fernandes, é passagem obrigatória. Felipe é desses que deveria logo ser encontrado...
Obrigado pela generosidade em dialogar com a Cia. Antro Exposto. Poucos são os verdadeiros críticos que não se limitam a julgar, mas a entender.


Não é fácil
Novembro 7, 2008, 10:33 am

Nem mesmo bonito o texto que Ruy Filho escreveu para falar do Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade, em cartaz todas as quintas até 11 de dezembro, às 21h, no Centro Cultural Rio Verde. Aliás, é estranho, doloroso e incômodo.

Cada uma das palavras agride e fere, sem piedade alguma, o corpo relaxado e confortável do espectador que, sentado numa arquibancada de madeira, sob as folhas de zinco do teto do galpão onde é encenado, sente penetrar as narinas, a traquéia, o esôfago, com textura e volume, o acre da ferrugem que sobe da chapa de ferro enferrujado sob os pés dos atores.

Quando se ouve a pergunta: “Será que você não entende que não é preciso sofrer tanto?”

A violência é ainda maior com proximidade física dos personagens, dos gestos e, especialmente, do tom e das cores das vozes de Guilherme Gorski e Diego Torraca, dos estalos dos golpes no rosto, do barulho dos objetos atirados ao chão, da água espirrada em meus pés, da música de Patrick Grant repleta de informações que levam ao entendimento de que a autotortura psicológica é sim um meio lícito para a recusa da prostração.

A autotortura na peça da Cia. de Teatro Antro Exposto recupera a noção de que a dor provocada a si mesmo funciona, em analogia ao que diz o pensador Michel Foucault em seu livro Vigiar e Punir, como “estranha economia em que o ritual que produz a verdade caminha a par com o ritual que impõe a punição” (pág. 42).

Isto porque, na sociedade conformista em que vivemos, o autosuplício psicológico - no sentido de se inquietar, tornar-se perplexo - deve ser compreendido também como um ritual político, porque faz parte, mesmo num modo menor, das formas pelas quais se manifesta o poder, e porque também permite que o “crime da conformidade” seja reproduzido e voltado contra o corpo visível do criminoso, fazendo com que ele, no mesmo horror, se manifeste e se anule.

O que me leva a correlacionar o Complexo Sistema ao outro trabalho do Ruy,
Entulho, com textos de Priscila Nicolielo. Nos dois trabalhos, é recorrente a idéia que o desconforto e o sofrimento, quando conscientes, propostos como uma forma de abandonar os preceitos de resignação, fazem parte de um maniqueísmo necessário para não permanecer na angústia duradoura do próprio desconforto e sofrimento quando ignorados em sua existência.

A mensagem mais objetiva da peça é que enfraquecer a sensibilidade não quer dizer, entretanto, que se deve criar resistência a ela. É bem possível que não entendamos que não é preciso sofrer tanto. O texto do Complexo além de me indagar tal entendimento, diz que, todavia, por mais que desconheçamos a intensidade, é sim preciso identificar a dor. O que está em escolha é o modo de enfrentá-la. Mesmo porque conhecer é futricar em vespeiros, mexer em feridas e deixa marcas.

Ruy não se considera dramaturgo. Bobagem, é claro. Além da formação estética perfeitamente reconhecível – os elásticos do início, as bexigas laranja, as taças de gelo em derretimento, as máscaras, as luzes frias e inquietas das laterais, o violoncelo, a ferrugem, a frieza da união de tudo isso – o texto tem uma força que prescinde, por outro lado, do volume de informações apresentado.

Diferentemente de Entulho, desta vez, é o texto que precisa de imagens. O que me leva diretamente à minha crítica em relação a essa montagem e sobre a qual falávamos, em grupinho seleto ao redor de um pebolim, cerveja na mão, sob o céu nublado da noite de ontem: existe sim muita informação nesta peça para ser digerida ao mesmo tempo.

Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade tem texto, estética da cenografia, movimentos precisos, corpos e almas. Além disso, existem ainda as sinapses que os ligam e que, por sua vez, devem estar concomitantemente conectadas à música de Grant para que, na soma de todos os fatores, tirando noves fora, o possível resultado da inequação se forme na cabeça de quem o assiste.

Esse é o ponto mais delicado da peça. Lá na roça costumam dizer que “quem tudo quer, nada tem”. Muitas vezes, durante a encenação, fiquei com a sensação de que, por mais esforço que fizesse, eu jamais seria capaz de apreender todas as mensagens que ali estavam sendo passadas, enquanto em outras, constatei que eu não fui capaz de dar sequência a um pensamento que desenvolvia e que, por conta disso, acabou ficando incompleto e arquivado no meu fantástico mundo de Bob.

O que, ainda durante o brainstorm na pós-apresentação, quando Mme. Nicolielo tentava arrancar de mim uma opinião mais lapidada, me levou, pseudo-intelectualóide, a recobrar as categorias de pensamento postuladas por Hegel para a reflexão entre o tudo e o nada presentes na montagem de Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade.

O filósofo diz:
tão correta quanto a unidade de ser e nada é porém também que são absolutamente distintos — que um não é o que o outro é. Apenas, uma vez que a diferença aqui ainda não se determinou, pois justamente ser e nada são ainda o imediato, ela é, como se encontra neles, o indizível, a mera opinião. [HEGEL, G. Enciclopédia I, § 88, p.188]

Essa diferença, em Complexo, não se torna jamais precisa, porque ela não é capaz de superar o status de ilusão que nos dá o teatro, o palco. Isto é, os meus pensamentos incompletos, frutos da má digestão de um esfomeado diante de uma mesa farta, são indicativos de que o “tornar-se” não pode ser nunca a identidade do ser absoluto e do nada absoluto justamente porque é diferente tanto de um quanto de outro, que são idênticos.

O que, para resumir a ópera, torna-se também, no final das contas, paradoxalmente, um dos pontos mais fortes da montagem escrita e dirigida pelo Ruy: o “tornar-se” recorrente no texto do Complexo contém em si o ser e o nada, de tal maneira que esses dois se transformam um no outro e se superam mutuamente. É nesse momento que, com rato ou não percorrendo o chão do galpão onde a peça foi apresentada, aquele que está disposto atinge um grau de superação que lhe tira do lugar-comum.

É por causa disso que, mesmo incapaz de entender tudo, não se pode dizer que ali, com Gorski violentamente seduzindo a platéia no mais elevado nível da síndrome de Estocolmo, não existe apenas o nada. Existe o limite, o máximo que se pode ir e onde, por vias muito dolorosas, chega-se arfando: o “tornar-se” mostra-se inquieto, mas incapaz de se manter nessa inquietação abstrata, somatizando o sofrimento em pensamentos, em confusões, em autotortura.

“Será que você não entende que não é preciso sofrer tanto?”

O resultado desse processo não é apenas o nada vazio, mas a consciência de que sua posição diante da realidade em que se vive e da intensidade com que a transformamos em afirmação do sofrimento faz, como resultado de tudo, a negação da dor valer o necessário para a compreensão daquilo que alguém repete por aí: a dor é inevitável, o sofrimento é opcional.

É nessa horinha, nesse intervalo entre uma piscada e uma expiração, que o “tornar-se” passa a ser chamado de “estar aí”.

Espero que aproveitem. É do caralho.

08 novembro 2008

BOA VIAGEM, PATRICK !

O homem sorridente ao meu lado era o diretor musical do The Living Theatre. O mesmo que tem criado músicas para performances e trabalhos de Robert Wilson, dentre tantos outros trabalhos realizados nos últimos anos. Apenas isso. Enquanto a luz era improvisada, seguindo um padrão narrativo pré-determinado em sua elaboração, Patrick Grant conduzia a trilha inicialmente criada nos Estados Unidos e finalizada aqui, durante os ensaios que precederam a estréia.

É isso mesmo... Aqui, em São Paulo. Nos primeiros dias, na ótima sala do Centro Cultural Rio Verde, onde a Cia. de Teatro Antro Exposto surgira com a performance Entulho. Depois, no galpão onde as apresentações da temporada ocorrerão, no mesmo Rio Verde, nossa casa e jardim.

Patrick volta à urbanidade novaiorquina neste sábado. Infelizmente, pois seria mágico tê-lo conosco todo o tempo. Sem qualquer financiamento ou patrocínio que o permita permanecer, a situação tornara-se insustentável. A Cia. está segura de ter ofertado o impossível e nosso melhor. E Patrick, merecedor de tantos esforços, soube muito bem agradecer com generosidade, lucidez, humor e, sobretudo, criatividade imprescindível para que Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade chegasse ao nível que chegou.

Patrick deixa a chuvosa paulicéia sem conhecer qualquer outro diretor de teatro, crítico, pesquisar, historiador. Leva, portanto, na bagagem, a Cia. de Teatro Antro Exposto, amigos próximos a nós – em encontros furtivos durante o Satyrianas –, outros do Centro Cultural Rio Verde, e interrogações impossíveis de serem respondidas.

Este lamento não tem por intuito trazer culpas ou apontar responsabilidades. Longe disso. Cada um sabe de si, e como são tantos os ‘sis’ nesse país estranho, tamanho distanciamento e silêncio não é nada fora do esperado. Os convites foram enviados. Fizemos nossa parte. E a energia não estava verdadeiramente voltada a convencer pessoas, mas ao processo, à criação, ao término da peça, e à vontade de propiciar diálogos.

No último mês, jornais e revistas com tendências variadas – da mais popular a mais especializada –, cobriram a visita de Judith Malina ao Rio de Janeiro. A consagrada diretora e última remanescente do grupo idealizador do The Living Theatre, obteve máxima atenção da mídia brasileira. Era de se esperar que uma semana após sua estada, com a chegada de Patrick, igual interesse ocorresse, afinal, ambos se complementam.

Ledo engano. Patrick passara em branco pelas terras brasileiras. E por que? Talvez porque de fato a imprensa não tenha qualquer interesse genuíno em Judith e LT. Talvez porque as entrevistas e reportagens motivaram-se não pela importância histórica, estética e comportamental que representam ainda hoje, após 60 anos de existência, mas pela apropriação de tudo isso para suprir a falta de conteúdo específico pelo tom de colunismo social que dominara nossos meios de comunicação.

O desinteresse amplo por Patrick traduz a apropriação do LT e Judith como personagens volúveis, semelhantes as excêntricas personalidades instantâneas do universo pop internacional, cuja presença se revela desnecessária minutos após sua despedida. E só. Do contrário, se o interesse fosse se aproximar do artista e não do rótulo, por que ignorar Patrick?

A Cia. de Teatro Antro Exposto não tem como responder. Patrick sai do Brasil como parceiro, amigo, acesso à história que nossa geração acompanhou em livros e discursos, mas que até ontem não tinha como dialogar senão pela idealização. Somos gratos à paciência e compreensão deste a quem seremos sempre companheiros. Ao Gerald Thomas, responsável por possibilitar o encontro. Ao Rio Verde por entender a importância e amplitude de tê-lo aqui.

Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade inicia agora sua trajetória. Não esperamos nada além do comum processo de reconhecimento. Somos e sempre seremos um dentre 800 espetáculos anuais da cidade de São Paulo, quando vistos na escala macroscópica da cultura. E tudo bem. A indignação não se trata de fulanos e cicranos não estarem em nossa platéia. Isso virá com o tempo, como normalmente tem de ser.

E, em resumo, esse texto não é sobre a peça ou a falta de espaço para nosso trabalho, mas sobre uma pessoa que deveria ter sido aproveitada de maneira muito maior do que simplesmente ‘o compositor da trilha’.

Quanto aos artistas que não vieram, aos críticos que o ignoraram, aos meios de comunicação que preferiram ensurdecer e cegar sobre Patrick, boa sorte! A chatice da vida cotidiana continua para vocês. Nós, contudo, deixamos de ser um pouco menos provincianos, enquanto descobrirmos que a relação com um artista não se limita a fotos e um encontro para jantar.

2008 é apenas o primeiro ano da Cia. de Teatro Antro Exposto, e de cara já aprendemos que ouvir, encontrar e trocar só podem trazer crescimentos. Outros nomes virão em breve, e mesmo Patrick retornará, tenham certeza, mas para quê convites se as pessoas são tão auto-suficientes?

Esse país é realmente impossível de se compreender, tanto quanto as próprias pessoas que o representam...