O AGRESTE: Entre o sertão e o vazio
Postado na hospedagem anterior do blog na sexta-feira, 21 de janeiro de 2005
04:27:09
Antes de mais nada é preciso comentar a opção pelo tema e a abordagem. Seria mais uma peça onde as personagens são representações do nosso interior nordestino, com suas costumeiras falas e expressões, manifestações populares e abordagens de costumes. Nada do que já não fora tão exaustivamente explorado desde os grandes dramaturgos brasileiros até os mais inexperientes dos iniciantes, sem contar as infindáveis deturpações produzidas pelas - também nossas - novelas. Sei disso. Cresci parte no nordeste e aos poucos tenho retornado. Vejo isso. Está na minha casa todos os dias às 20:30h recitado em um sotaque caricato e sem região, desprovido de valores e suportados pela mera representação simplista do que é. Agreste poderia ter sido mais uma, não fosse o tema: a relação homossexual entre duas mulheres, o casamento sem o conhecimento do que é a sexualidade, o reconhecimento da própria identidade sexual. Não haveria de ser de outra forma, a peça termina com uma das personagens declarando não conhecer o amor... O grande tema do teatro...
Crítica dos jornais, artistas em suas indicações momentâneas... Agreste tomou o ano de 2004 e avança para 2005 como um dos grandes espetáculos deste novo período dramatúrgico que o país vivencia. Suposto período, em um suposto país. Nem todos os teatros estão ocupados por peças de novos escritores, e não é de todo o Brasil que temos conhecimento do que está escrito. São Paulo vem com a força da metrópole cultural que o é há tantas décadas. Do nordeste alguns poucos nomes trazem para o sul a visão da atualidade sob o prisma de suas culturas, mas ainda de maneira novelesca, historicamente direcionada e desprovida de novo olhar sobre sua identidade. Como o nordeste de representações passadas, o que assistimos ainda é o mesmo, apenas mais urbanizado e lutando explicitamente para ser aceito como igual ao sul.
O que me leva a escrever sobre O Agreste não é, contudo, a maneira como vem discutir o universo no qual se apóia. Sem qualquer dúvida a peça é um trabalho de Márcio Aurélio, espaço de criação do encenador. O diretor trabalha com seu grupo constituído por alunos formados na Unicamp, e deixa claro logo no início suas opções estéticas e performáticas quando durante bons minutos, os melhores aliás, revela por dois tênues focos de luz branca dois atores-vozes-personagens imóveis atrás de microfones por onde iniciam usando da poesia da escrita e língua a narração da história. A cena é insólita, inesperada, longa e fascinante. Mas passa e logo os atores estarão novamente interpretando com a habitual e cansativa maneira dos artistas televisivos. Novamente os trejeitos, os sotaques, os exercícios das salas-de-aula: a velha, o delegado, o padre etc etc etc.
Este é o ponto então.
Por que Márcio Aurélio e a compania desistem tão facilmente do primeiro momento? Mercado? Crítica? Medo? A beleza de um cenário mínimo, bem composto pela iluminação precisa, some. A ousadia do não-movimento, da voz microfonada sem rosto, sem nome, sem identidade, desaparece. A surpresa se esvai e sobra ao espectador assistir a história que ganha em interesse - a dramaturgia é bem escrita, a técnica está ótima -, mas perde em capacidade, em movimento, em contribuição. Os corpos dos atores buscam uma precisão que alcança o "quase", mas como sempre é "sempre o quase". E não se tornam suficientes também. Gestos óbvios pra uma representação que se propõe investigativa. O que deveria alcançar metáforas não representativas torna-se vazio e desinteressante. O espetáculo vaga entre um lado e outro e pouco se consuma e acrescenta ao fim. O Agreste deve ser assistido por todos, mas deve servir de bandeira para indagarmos sobre o nosso teatro. Afinal, pra que tanto barulho quando o que assistimos nas cadeiras ainda é a mesmisse de sempre encoberta por pequenos e passageiros detalhes de lucidez?
04:27:09
Antes de mais nada é preciso comentar a opção pelo tema e a abordagem. Seria mais uma peça onde as personagens são representações do nosso interior nordestino, com suas costumeiras falas e expressões, manifestações populares e abordagens de costumes. Nada do que já não fora tão exaustivamente explorado desde os grandes dramaturgos brasileiros até os mais inexperientes dos iniciantes, sem contar as infindáveis deturpações produzidas pelas - também nossas - novelas. Sei disso. Cresci parte no nordeste e aos poucos tenho retornado. Vejo isso. Está na minha casa todos os dias às 20:30h recitado em um sotaque caricato e sem região, desprovido de valores e suportados pela mera representação simplista do que é. Agreste poderia ter sido mais uma, não fosse o tema: a relação homossexual entre duas mulheres, o casamento sem o conhecimento do que é a sexualidade, o reconhecimento da própria identidade sexual. Não haveria de ser de outra forma, a peça termina com uma das personagens declarando não conhecer o amor... O grande tema do teatro...
Crítica dos jornais, artistas em suas indicações momentâneas... Agreste tomou o ano de 2004 e avança para 2005 como um dos grandes espetáculos deste novo período dramatúrgico que o país vivencia. Suposto período, em um suposto país. Nem todos os teatros estão ocupados por peças de novos escritores, e não é de todo o Brasil que temos conhecimento do que está escrito. São Paulo vem com a força da metrópole cultural que o é há tantas décadas. Do nordeste alguns poucos nomes trazem para o sul a visão da atualidade sob o prisma de suas culturas, mas ainda de maneira novelesca, historicamente direcionada e desprovida de novo olhar sobre sua identidade. Como o nordeste de representações passadas, o que assistimos ainda é o mesmo, apenas mais urbanizado e lutando explicitamente para ser aceito como igual ao sul.
O que me leva a escrever sobre O Agreste não é, contudo, a maneira como vem discutir o universo no qual se apóia. Sem qualquer dúvida a peça é um trabalho de Márcio Aurélio, espaço de criação do encenador. O diretor trabalha com seu grupo constituído por alunos formados na Unicamp, e deixa claro logo no início suas opções estéticas e performáticas quando durante bons minutos, os melhores aliás, revela por dois tênues focos de luz branca dois atores-vozes-personagens imóveis atrás de microfones por onde iniciam usando da poesia da escrita e língua a narração da história. A cena é insólita, inesperada, longa e fascinante. Mas passa e logo os atores estarão novamente interpretando com a habitual e cansativa maneira dos artistas televisivos. Novamente os trejeitos, os sotaques, os exercícios das salas-de-aula: a velha, o delegado, o padre etc etc etc.
Este é o ponto então.
Por que Márcio Aurélio e a compania desistem tão facilmente do primeiro momento? Mercado? Crítica? Medo? A beleza de um cenário mínimo, bem composto pela iluminação precisa, some. A ousadia do não-movimento, da voz microfonada sem rosto, sem nome, sem identidade, desaparece. A surpresa se esvai e sobra ao espectador assistir a história que ganha em interesse - a dramaturgia é bem escrita, a técnica está ótima -, mas perde em capacidade, em movimento, em contribuição. Os corpos dos atores buscam uma precisão que alcança o "quase", mas como sempre é "sempre o quase". E não se tornam suficientes também. Gestos óbvios pra uma representação que se propõe investigativa. O que deveria alcançar metáforas não representativas torna-se vazio e desinteressante. O espetáculo vaga entre um lado e outro e pouco se consuma e acrescenta ao fim. O Agreste deve ser assistido por todos, mas deve servir de bandeira para indagarmos sobre o nosso teatro. Afinal, pra que tanto barulho quando o que assistimos nas cadeiras ainda é a mesmisse de sempre encoberta por pequenos e passageiros detalhes de lucidez?
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