Antro Particular

27 agosto 2007

CLOSER

A estréia do espetáculo Closer, no Teatro Augusta, pode ser descrita como uma reunião de vertentes da nossa classe teatral. De muitos lugares e tribos, representantes circulavam pela calçada e saguão aos cumprimentos e cruzando olhares.

O texto original de Patrick Marber ficou mais conhecido com a versão cinematográfica, estrelada por Natalie Portman. Na mais recente montagem brasileira, o papel coube a Rachel Ripani, também tradutora e produtora.

A peça, logo de início, mostra uma das suas maiores qualidades, a excelente relação entre a luz de Wagner Freire e a direção de Florência Gil, inteligente ao solucionar as questões de tempo e espaço da narrativa, determinando consistência ao ritmo e levando a platéia conhecedora apenas da filmagem a descobrir nuances novas.

Contudo, é necessário melhor afinar a interpretação. Falas que se perdem na imprecisão das intenções, dicções confusas. E, ainda que o nervosismo da estréia surgira uma hora e outra, a peça segue bem até o final.

Críticas sobre o texto saíram às dezenas acompanhando a estréia do filme. Portanto, volto meu olhar para uma questão pouco debatida no circuito cultural.

Segundo Ripani, a produção levou três anos para ser efetivada. Dificuldades comuns como patrocínio e manutenção dos direitos de montagem atravessaram o percurso desde sempre. A força na crença de ser este o texto certo e a vontade de realizá-lo dentro de padrões profissionais são atributos esquecidos não só entre os artistas iniciantes. Reflexos de um mercado consagrado por fórmulas condicionadas pelas empresas, instituições e casas de espetáculos.

Dizer, hoje, por qual teatro o público se interessa, não passa de mecanismo manipulador a serviço das vontades de quem escolhe. Mas de alguma maneira estamos submetidos às escolhas, seja pelos editais, prêmios-estímulo, interesses corporativos, escritórios de marketing etc.

Closer aparece sobre o palco três anos depois de ser desejado. E lá está. Exemplo claro da importância de se manter fiel aos ideais originais e de ser possível, sim, fazer teatro sem estar alicerçado e carimbado por esta ou aquela chancela. Fugir da venda submissa, da reformulação conceitual como moeda de troca pelo galgar reconhecimento é possível desde que a arte seja de fato sua maior coerência de discurso.

A maneira como o espetáculo se revela ao público, a consistência de uma direção precisa, a intimidade entre os atores, revela Closer como um exemplo a ser seguido. Enfrentemos os leões diários, então. Os absurdos e exigências que descaracterizam quase sempre a arte e o artista. Pois, enquanto ficarmos aprisionados em condições que nada têm com o trabalho em si, ou instrumentais comerciais de divulgação, na tentativa de solucionar o desinteresse explícito das pessoas pelo Teatro, estaremos verdadeiramente deixando de trazer à tona o mais importante de qualquer trabalho: a sinceridade de usar a arte na construção de diálogos.

Hoje Closer sobe ao palco e grita: ainda há artistas com quem conversar.

21 agosto 2007

Workshop Gerald Thomas: reflexão 1

Por volta de 200 inscrições chegaram para a participação do workshop ministrado por Gerald Thomas, em São Paulo, no SESC Consolação, semanas atrás. A impossibilidade de agregar a todos me fez pensar sobre a importância e profundidade das discussões surgidas dia-a-dia. Portanto, a partir de hoje, blogo um pequeno resumo dos temas abordados por Gerald (em laranja), seguido por uma reflexão minha (em preto). Espero assim, de alguma maneira, levar a todos os que não puderam estar presentes ao menos as inquietações surgidas e tão necessárias.
RUY FILHO
DIA 1
SOBRE A FORMAÇÃO DO ARTISTA

Traduzir a formação de um artista por técnicas acadêmicas e compreendê-la como suficiente é comum principalmente entre os mais jovens. É preciso dialogar com o mundo em que se vive. Por que o Oriente Médio é hoje o epicentro do mundo? Quais são as causas de guerras como Coréia, Vietnã, Kosovo, Afeganistão, Iraque...? Quem eram os principais nomes da Guerra Fria? Como se posicionou a ONU nas últimas décadas? O que ocorre com a Esquerda que chegara ao poder na América Latina? O artista é aquele que dialoga com a história e com o agora, e nesse encontro se firma como pensador político, como filósofo reflexivamente inquieto e incrédulo das verdades absolutas.
(a partir de reflexões de GT)


Freqüentemente palestro e discuto sobre a Política como algo maior há ser entendido, principalmente pelos artistas. Foi assim para uma platéia curiosa na UFSCAR, ano passado, formada por estudantes de matemática, física, química, direito e, perdidos lá no meio, um ou outro de humanas e artes.

Sem me alongar em devaneios, é preciso compreender a Política em seus aspectos Biopolíticos, quando a economia, o social, a política e a cultura não se distinguem ou fragmentam em ciências estanques.

Segundo Michel Foucault, todas as tomadas de decisão são sempre circunstanciais, exigindo, assim, a compreensão dos fatos por seus aspectos biopolíticos e não meramente unidirecionados por um ou outro contexto. E é nessa relação de sobrevivência, quando a circunstância se define frente às situações extremas, que a Política surge em toda sua potencialidade.

Para Slavo Zizek, o posicionamento político determina exceções e precedentes de conduta. No entanto, o resíduo constante transparece a impossibilidade de sistematização de um comportamento e faz com que o reconhecível seja, no fim, o próprio sujeito, ou para usar as palavras de Giorgio Agamben, “a vida nua”.

Não é à toa o nomear de 'Obra Engajada' quando se busca definir uma ação artística cujo conceito parta de preceitos ideológicos. A problemática situa-se exatamente no próprio engajamento, pois a definição de uma doutrina política determina ao trabalho discursos voltados ao preenchimento de uma proposta fechada em si mesma, sem permissão ao público de descobertas próprias, apenas a concordância ou não com os valores defendidos.

Entender biopoliticamente a função do artista é abstrair-lhe os discursos ideológicos. Gerar no âmbito criativo mecanismos que flertem com a substância residual. Do contrário estaremos mais voltados a criações partidárias do que políticas em si.

É preciso ir além. E a maneira mais livremente dialética de discursar ao público se dá na permissão circunstancial da leitura de um trabalho.

A estética de uma obra contém em si mesma o discurso qual se quer tratar. Não é preciso figurá-lo. O não reconhecimento de um desenho, a dúvida sobre uma determinada cor, a fuga de padrões de composição, são exemplos de como uma obra pode abordar a cognição do receptor e obrigá-lo a estabelecer confrontos e escolhas com suas próprias imagens. E entendendo que o não-reconhecimento discursivo, advindo da escolha confrontada, leva a paradigmas de leituras e auto-avaliações, conduzindo o sujeito a situações extremas de como se localizar sobre os aspectos apresentados, a estética surge como eficaz instrumento biopolítico sobre o homem.

A história, os fatos, o passado e o presente são fundamentais para a formação do artista, sim, pois equalizam o tempo com a responsabilidade sobre a compreensão e previsão do futuro. Mas é preciso entender que não basta o representar dos fatos em suas características históricas para que seja constituído um mecanismo de ativação dos valores políticos em si. É preciso oferecer ao espectador a capacidade de criação de seus próprios argumentos. De outro modo estaremos apenas contando estórias ou fabricando modelos de padronização de pensamentos. Ainda que na melhor da intenções.

19 agosto 2007

A CULTURA ESQUECIDA

Quando os bancos e companhias de ônibus entram em greve, todos os noticiários correm para produzir matérias, estatísticas e entrevistas. Ou os professores, empresas responsáveis pela limpeza pública, funcionários do judiciário e tantos outros. Uma questão, porém: você sabia que este ano o Ministério da Cultura esteve em greve e que esta acabara apenas agora?

Não vou discutir as exigências e motivos em questão. Abordo o assunto por outro interesse.

É óbvio que muitos dos exemplos citados à cima agem diretamente sobre nossas vidas. São serviços necessários para a manutenção da ordem e do cotidiano.

A Cultura, por sua vez, é tratada como supérfluo, não-essencial. Ir ao cinema, teatro, exposições, shows, comprar livros são decisões momentâneas quase sempre surgidas como distrações eventuais.

Entender a Cultura como mero passatempo é abstrair seu valor formador e transformador e retirar sua importância sobre o rascunho de uma sociedade. Através da Cultura, e sobretudo em sua manifestação pela Arte, alguns preceitos podem ser questionados e compreendidos por outras lentes. A moral, a ciência e o pensamento cartesiano passam a se confrontarem, por exemplo, com a ética, a filosofia e o pensamento complexo.

Em um encontro recente, André Martinez demonstrara quão importante é a produção simbólica, pela qual, na construção do repertório pessoal situamo-nos simultaneamente por distinção e pertencimento ao social.

Limitarmos nossa convivência com a Cultura ao espaço de lazer é esfacelarmos a capacidade de abrangermos nosso repertório simbólico, diminuindo assim a percepção sobre nossa individualidade e a comunidade na qual estamos inseridos. Entre o indivíduo e a sociedade, situam-se aspectos mais específicos tais como a cidadania, quando aprendemos a lidar com os limites que contribuirão para maior autonomia e capacidade de discernimento. Para Martinez, a realidade e o poder situam-se na transposição dos valores entre o discernimento autônomo e a constituição dos valores organizacionais sociais.

Mas de alguma maneira a Cultura continua estanque das nossas opções de formação, a ponto de não notarmos sua paralisia durante meses.

Muitos são os projetos que não mais acontecerão por perdas de prazos e verbas. Muitos os artistas que deixarão de atuar na construção de novas narrativas simbólicas.

Quem perde com a greve no MinC somos nós. Deixamos de abranger nosso repertório simbólico, por muito submetido aos mesmos códigos, uma vez que os projetos capacitados para suportar uma crise quase sempre se favorecem de seus apelos comerciais. E não há na criação comercial a busca pelo desdizer, pelo antagonizar pensamentos, pelo desconstruir padrões.

Políticas culturais são mais amplas do que organizações de eventos ou distribuições de mecanismos fomentadores. Há nesses tópicos certa importância, sim. Mas é preciso ir além da percepção comum que o acesso ao bem cultural soluciona a falta de Cultura.

É preciso disponibilizar mecanismos de acesso a bens simbólicos e a criação de novos repertórios. Determinar valores democráticos à dialética entre opostos. Maximixar a capacidade de formar discursos e percepções.

Contudo, como sempre me diz Gerald Thomas, falta Cultura nessa falta de cultura!

06 agosto 2007

RETRATAÇÃO PÚBLICA

Soube hoje que trocas de emails com um grupo de músicos semioticistas da PUC, sobre o espetáculo Luartrovado, apresentado no SESC Pinheiros, este ano, correram a internet e geraram alguns maus entendidos.

Antes de qualquer coisa, não fora a minha intenção desfavorecer o trabalho de ninguém, muito menos do produtor e do SESC.

Em nenhum outro espaço de São Paulo o risco de construir um espetáculo performático a partir de uma obra tão complexa, Pierrô Lunaire, de Schoenberg, seria aceito. O SESC, celeiro de uma geração de toda uma geração de artistas experimentais, como sempre enxergou a propriedade e importância da experimentação e juntou artistas como Gerald Thomas, Lívio Tragtenberg, Elke Maravilha e Deise Tigrona. Onde mais isso poderia acontecer, senão no SESC?

O patrocínio do SESC para a arte de vanguarda é o que o diferencia de qualquer outra instituição. Muito se deve ao SESC pelos nomes que hoje, consagrados, acompanhamos e somos influenciados.

Se por algum momento deixei transparecer que a produção precisava ser re-entendida, não o fiz com o intuito de minimizá-la. Ao contrário. O risco, a ousadia, a experimentação exigem descobertas também nos utensílios de produção. Estamos todos a procura de novos caminhos, e pouco são os que escolhem por se arriscar.

RUY FILHO

ESTRÉIA
RAINHA MENTIRA

NOVA TEMPORADA DE
TERRA EM TRÂNSITO

de Gerald Thomas


NO SESC ANCHIETA
[ Rua Dr. Vila Nova, 245 Vila Buarque São Paulo ]
7 de Agosto
Terça-feira


REAPRESENTAÇÕES
Todas as terças e quartas do mês de agosto
SEMPRE às 21H00

(com quinze minutos de intervalo entre as peças)

GOB SQUAD: É possível ir além das convenções teatrais

Não falo apenas sobre estruturas aparentemente rígidas como personagem, enredo, conflito, diálogo; tampouco de mecanismos como iluminação, cenografia e sonoplastia. O teatro se faz com isso tudo, sim, mas também na armadilha da manipulação desses elementos, na escolha pela ausência de um e outro, no desconstruir parâmetros clássicos.

O coletivo britânico-alemão Gob Squad, traz de volta a São Paulo, no Sesc Paulista, a performance teatral Super Night Shot, onde quatro atores, com objetivos individuais e uma meta em comum, saem às ruas com filmadoras, pelas quais registram a si mesmos durante uma hora.

Super Night Shot arrisca manter o tradicionalismo da linguagem teatral adequando-a a uma forma performática, e estabelece, através da presença de personagens, o paradigma de onde então se situa o teatro.

A opção próxima a da performance em manter o próprio indivíduo como base arquetípica contrapõe-se pelo jogo narrativo sugerido pela direção, quando quebra o realismo e parte ao espaço público, urbano sobretudo, para intervenções explicitamente irreais.

Sabemos ser o herói apenas um ator, não mais pelo estar sobre um palco, mas pelo não-reconhecimento dos aspectos pelos quais lemos um herói. Entendemos a fraude do falso personagem e aceitamos como uma convenção teatral. Dessa maneira, a desconstrução original serve a reconstrução clássica, quando o ator passa a ser instrumento de uma personagem para que dele traga à tona um conflito, a narrativa decorrente e um objetivo moral.

No fim, trata-se de questões morais. A relação com o meio, a manifestação dessa relação em contextos sociais e culturais, a padronização de comportamentos. Super Night Shot invade todas essas questões para acrescentar ruído à maneira como as percebemos. Escancara pela inadequação um espelhamento do que temos por correto moralmente. E enquanto nos percebemos divertindo-se com essa oposição, não nos damos conta da quebra de tradições e alto teor provocativo sobre nossas certezas.

Gob Squad apresenta a possibilidade concreta de irmos além das convenções sem necessitar entretanto de um rompimento com a base clássica. Eficaz teatro aonde a performance, música, vídeo e interpretação vão além da obviedade permeando a improvisação por regras objetivas e um sistema formal de soluções práticas.

Competir com o teatro das salas de espetáculo requer competência e criatividade. O que não parece ser uma dificuldade para o coletivo.

Porém, um processo que se estende conceitualmente desde meados dos anos 90, mostra-se paralelamente esgotado em si mesmo, quando necessita a superação do estágio atual por outras fórmulas de sustentação. A surpresa irônica perde força em uma segunda olhada para permanecer apenas como uma boa idéia. Única? Talvez.

Será preciso buscar na própria estrutura original do pensamento dos artistas outras motivações capazes de aprofundar o ir às ruas, o trazer o público como coadjuvante. Do contrário, como já se vê por aí, outros surpreenderão como novos dizeres, nem sempre melhores ou tão bons.