Antro Particular

29 abril 2009

sugestão da semana: Entre-Temps

Absalon, Benoït Broisat, Julien Discrit, Dominique Gonzalez-Foerster, Douglas Gordon, Pierre Huyghe, Nicolas Moulin, Petra Mrzyk & Jean-Françoi Moriceau, Philippe Parreno. Um seleção dos vídeo-artistas franceses mais interessantes disponível no MIS. Imperdível pra quem gosta da coisa.

28 abril 2009

tragédia da vida privada, um pouco do que rola por aqui

Fernando Antônio de Lima, juiz da vara da Infância e Juventude da cidade de Ilha Solteira, caminha pelas ruas da cidade e observa atônito jovens se drogando, entregues em pleno vício aos passantes, absorvidos por toda sorte de violência e agressão em um horrendo espetáculo de degradação humana, onde a ingenuidade infantil é cerceada completando a depreciação de seus valores morais. De dentro de seu carro público, protegido pelas janelas fechadas e o ar-condicionado que mantém o interior do veículo na temperatura adequada para que seu corpo não transpire antes de chegar ao trabalho, entre uma ordem e outra ao motorista, um velho já sem perspectiva e trinta e tantos anos de profissão, bêbados e viciados em nicotina, agrupados como estão nas sargetas, atiram-se uns aos outros. Alguns se empurram numa estranha vontade de agredir o companheiro, ainda que acreditem ser o gesto a coreografia de uma inabalável amizade composta para dar forma à altíssima música de qualidade pra lá de duvidosa. Outros, em carícias indevidas se entregam ao descontrole do desejo e frutificam a perda de suas consciências em inoportunas cenas de sensualidade explícita. Tudo culpa das drogas, da educação errada absorvida pelas vielas tortas em madrugadas. Essa violência maior que atinge a todos descaradamente. Lima chega ao gabinete atordoado. Poderiam ser seus filhos e netos, genros, filhos de seus amigos. Uma decisão deve ser tomada. Alguém precisa agir primeiro, combater a desgraça inevitável que atordoa e desconfigura nossos jovens e crianças. O toque do telefone o assusta. Ele retorna a realidade. Um amigo da cidade vizinha. Conversam. E o juiz analisa os fatos trazidos do outro lado e define seu julgamento. Na manhã seguinte, a mais fácil difícil decisão de sua vida. Pelo bem de todos, determina na cidade de Ilha Solteira e Itapura, o toque de recolher. Jovens, em casa, protegidos, então. Seguros como deveria estar sempre. O juiz pode agora se dedicar novamente ao seu trabalho diário e monótono, ao combate do crime e das impunidades. Em sua sala vazia de qualquer outro alguém, rascunha as próximas idéias, toma novas decisões. Sempre interrompido pela imagem de ver num futuro próximo uma estátua de bronze ser erguida em sua homenagem.

***

Numa rádio de sampa, os ouvintes conconrdam. A porcentagem de 3/4 assusta e tira o prazer de dormir tranquilo.

17 abril 2009

Reencontro com o Brasil 1: uma tarde ao som dos ditirambos

O Teatro Oficina lança, enfim, a caixa com as gravações para dvd de quatro de seus espetáculos: Bacantes, Ham-let, Boca-de-Ouro e Cacilda. Aos poucos, escreverei aqui sobre cada um. Inicio esse mergulho por Bacantes. Diversos são os motivos a me guiarem nessa escolha. Fora a apresentação do espetáculo, realizada na cidade de Ribeirão Preto, que me levara a desistir do curso de medicina e me conduziu definitivamente ao teatro. No dia seguinte ao espetáculo, tal decisão se formalizou frente ao caderno de provas da Fuvest com o preenchimento do gabarito oficial de maneira aleatória e a opção de esquecer definitivamente a sonhada neurocirurgia. Fora Bacantes, também, que me levara de volta ao Teatro Oficina e Zé Celso, anos depois, já para a gravação em dvd, no convite para dividir, ao lado de Fernando Coimbra, a criação dos vídeos e projeções que permeariam a cena. Portanto, não haveria de ser outra a porta de entrada que não Bacantes.

A montagem de Bacantes idealizada por Zé Celso encena mais do que a tragédia elaborada por Eurípedes. Traveste a arte (tanto quanto Dionísos à Penteu) em um precioso e perigoso jogo de recomposição da ordem. As atualizações permanecem como manifestos ao tempo e à sobrevivência do humano. A maneira como o espetáculo é recriado, num saboroso jogo de transcrições e apropriações antropofágicas, determina atualidade décadas depois de sua criação. Se Dionísio, interpretado de maneira leve e pertinente por Marcelo Drumonnd, resgata a perspectiva da celebração, está na existência do espetáculo (em seu sentido mais amplo) a conquista maior da montagem, ao propor que o espectador pertença e seja o culto e não simplifique sua existência ao mero assistir passivo.

Bacantes ratifica a importância do diálogo entre os pólos (cena e exterior), como se o além do palco _ escondido pela encenação sob o transparente véu que separa a platéia _ justificasse a importância do fazer teatral. Ou seja, o teatro não está mais e apenas no centro do picadeiro, mas na condição de celebrante exigida ao espectador, em sua capacidade maior de testemunhar a fábula. Um artista existe na manifestação de sua arte, e em Bacantes a arte reside na potência do observador, a quem é ofertada a possibilidade de readquirir os arquétipos que o faz humano e o conduz ao coletivo.

Por um lado a música dá representação ao imaginário, por outro a melodia se expressa na exuberância estética quando o nu explícito subjuga a moral ao instinto ordinário em sua persistência pelo desejo. Está no outro o reencontro consigo, o reconhecimento da similaridade, cuja simplicidade exposta de maneira lasciva e natural vai além de bocetas e paus. É preciso se desvencilhar das vestes morais, conceituais e literais para que possamos escutar os ditirambos e, assim, evoluir sobre o sujeito individualizado do contemporâneo para restituir a participatividade no que lhe atribui mais representatividade como espécie: o corpo. Homens, mulheres, jovens, velhos, negros, brancos. Nada é mais capaz de categorizar o homem que o reconhecimento de ser o outro o seu espelho. E para isso, a amplitude da musicalidade _ em voz, corpo e movimento _ traduz a percepção de estarmos todos envolvidos na mesma redescoberta, dentro e fora de cena.

Máscaras são abandonadas e reencontradas durante a apresentação em suas obviedades e metáforas, portanto. Diversos são os momentos construídos para recompor no espectador a compreensão da persona ficcional. Seja como touro, seja como coadjuvante inserido à cena e, quase sempre, ironicamente abandonado, esquecido porém incorporado, então existente e indissociável. Como se, uma vez participantes, fosse impossível a descontaminação do palco da presença terceira. É através desses desmascaramentos do público que o sujeito revela-se força coletiva, existência social igualada na ação litúrgica-teatral, no pertencer a mesma estória. Quem, ao fim, atua para quem? Quem, de fato, banqueteia a caça? E quem, verdadeiramente, é a caça? Penteu representa o cartesianismo pragmático do poder que, exposto ao incivilizado, fascina-se na redescoberta do labiríntico sobrepor de personas que forma nossas máscaras. Penteu reencontra maquiado sua face primeira, instintiva, animalesca, no espelho daquela última a ser temida, sua mãe, Agave, agora figura em devaneio e sobrevivência ébria.

Há aí a inversão conduzida do próprio fazer teatral. Enquanto a dramaturgia avança sobre o contar a origem própria do teatro, serve o espetáculo à condução do público à ritualização orgiástica da qual os atores são protagonistas em seu culto pessoal. Além, ainda, a dogmatização do público cuja permanência em sua função ritualiza o espetáculo como exaltação maior do próprio rito. E, em uma quarta camada, a soma dos três vértices (dramaturgia, atuação e participação do observador) leva à real teatralização do próprio culto. Não é possível mais separar, portanto, da cena quem a observa sem compreendê-lo fundamento igualmente narrativo.

O Oficina recria o culto dionisíaco estabelecendo novos paradigmas de como devemos proceder à busca do divino. Mais do que o figurativo mítico, fala da perspectiva de teatralização espetacular dominante em nossas vidas, da fé forjada em preceitos de manipulação. Sagrados somos todos no cerne de nossas emoções, ainda que dominados pelo correto comportamento de uma moral limitante. Bacantes diverte-se em desconstruir tais princípios oferecendo, por exemplo, o cu a Nossa Senhora enquanto exalta Semele como mãe maior. O ator prostrado expõe sua intimidade como oferenda irônico e simbólico. O ridículo assume a face do sagrado e transpõem a barreira do riso inevitável ao valor maior de estar no próprio homem os aspectos que o tornam sagrado. O homem é parte da naturalidade da evolução, e os deuses, elementos criados como intimidação do outro e do futuro. A fé na face libertária de Dioniso recria o divino maior imposto. Semele sacraliza o homem como senhor do destino, ainda que o futuro deseje a morte, ou nesse caso, a recombinação entre o universo e a história. Assim, o espetáculo nos previne do quanto abandonamos nossos instintos e origens submersos que estamos a valores não naturais, construídos em interesses, culpas e vergonhas.

O desconstruir paradigmas e dessacralizar dogmas fazem com que Tirésias assuma o papel maior na condução da travessia. Na versão de Zé Celso, o adivinho cegado por Hera por ver demais, é interpretado pelo próprio diretor, vivenciado-o na condição de se tratar o espetáculo um enorme movimento para conduzir o público à liberdade dionisíaca, naquilo que o mito mais possuía de libertador: a expansão das percepções físicas e emocionais de seus iniciados. Para isso o vinho e a embriaguez, a música e o canto, os corpos e os encontros, para que pudéssemos nos livrar das amarras sociais e culturais que nos transformaram naquilo que é entendido por civilizado. Dioniso não quer isso, tampouco Zé Celso. E o diretor-corifeu se faz maestro de satiros e bacantes durante o processo de nossa libertação. Nada é mais simbólico, já que Zé Celso traduz, sim, a gota de ressurgimento de um discurso nacionalista, após décadas de identidade forjada por ditadores, destituído dos vícios rançosos de discursos acadêmicos falidos. Zé costura o viver livremente o teatro com a teatralização da vida, e nos oferece um espectro diferente em como podemos romper os paradigmas que tanto nos aprisionam em certezas que nos conduzem à estagnação e submissão à ordem.

Entre a idealização de Bacantes, as primeiras leituras, as primeiras temporadas, a chegada do público e o lançamento do DVD, o universo dionisíaco do Oficina venceu fronteiras, atravessou preconceitos e esbarrou em outros muros. Só que, ao fim, Tirésias venceu. Fez-se, como anuncia Zeus (na figura de Peréio), o vedor de nossa história. E Dioniso contaminou uma geração que recuperou o ritualístico no teatro e nele um dos mais valiosos criadores e instigadores da nossa cultura. A caixa com os dvds é material obrigatório, não apenas aos apaixonados pelo palco, mas, sobretudo, àqueles apaixonados e delirantes pela reconquista de nossa identidade. Estão ali, sem dúvida, os novos manifestos do que significa ser verdadeiramente brasileiro, pela amplitude de um olhar crítico, irônico, político e faceiro.

Guardo uma emoção silenciosa por ter participado de tudo isso. Parabéns Zé. Parabéns a todos...

01 abril 2009

se vc tiver um tempinho pra viajar a ny...

Boa viagem, Zé. Ouro. Evoé...
E obrigado Patrick pelas notícias da América.



April 2, 2009 beginning at 5 PM
(3 hrs 35 min w/ intermission)
with English Subtitles
FREE Admission

followed by a Q&A with Brazilian theater legend
Ze Celso (José Celso Martinez Corrêa)
in his first US appearance

Hosted by playwright & director Gerald Thomas

Reservations Recommended - 212-929-2545

últimas notícias de curitiba

Peças de Minas e São Paulo se destacam

Caderno G, jornal Gazeta do Povo.


Duas boas montagens de outros estados se fizeram notar em meio à baixa qualidade que prevalece no Fringe. Representante da produção mineira, que sobressaiu no Festival de Curitiba no ano passado, mas compareceu em menor número desta vez, o espetáculo Fala Comigo como a Chuva, dirigido por Cynthia Paulino, fez sua última apresentação ontem, no Teatro Cleon Jacques.

Samira Ávila (atriz proveniente do Espanca!) é a mulher, que aguarda aflita, em silêncio, no quarto. Luiz Arthur interpreta o homem, de volta após um sumiço, bêbado e parcialmente desmemoriado. À sua chegada, ela reage externando a frustração acumulada na espera, a frustração de uma vida inteira a dois.

A encenação do texto de Tennessee Williams constrói uma atmosfera lírica antirrealista para dar intensidade ao sentimento. Ao fundo, de uma reprodução da pintura Árvore da Vida, de Gustav Klimt, escorre água, a encharcar o chão e as roupas do casal. São lágrimas, mas também o alívio buscado por ela, que ameaça partir sozinha para um lugar onde chova e um dia seja possível olhar-se no espelho e perceber, só então, que se passaram 25 ou 50 anos.

Os atores se envolvem em uma coreografia em que mãos e corpos se entrelaçam em afeto e pequenas agressões, sintetizando a relação ambígua entre eles. É um amor que fere e acolhe, por isso mesmo, difícil de abandonar. As camadas de roupa que ela veste vão sendo tiradas à medida que consegue desprender-se, quase a ponto de ir embora, mas são vestidas novamente quando a intimidade a retém. A canção francesa ao fundo, a poça que cresce sob os pés deles e molha suas vestes, o chuveiro que abranda a angústia são símbolos em profusão entre os quais ganha força a imagem purificadora da água, a renová-los e afastar o fim.

Provocador
A tensão entre a ordem e a liberdade ganhou uma leitura provocadora na peça Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade, de Ruy Filho, encenador que trabalhou como assistente de direção de Gerald Thomas, de quem é discípulo confesso. Suas imagens fortes e a música onipresente, especialmente composta por Patrick Grant, do The Living Theater, impactaram a plateia da Casa Vermelha.

A imagem inicial fixa-se nas retinas: um homem cujo rosto está coberto por um capuz fino, que lhe esconde as feições e atrapalha a respiração, e o corpo, amarrado a largas tiras de tecido branco, que se esticam e o prendem às vigas.

A liberdade tolhida prosseguirá no violento jogo cênico de confronto entre torturador e torturado, aos tapas, socos e berros dados para enfraquecer a sensibilidade do jovem libertário e submetê-lo à ordem (ou sistema). Não conseguirá, embora arranque da vítima atitudes semelhantes às suas. Tampouco o preso será capaz de virar o jogo e cooptar o homem que o agride, apesar de nele plantar uma semente de questionamento contra as “estúpida” perfeição do estabelecido.

A dicotomia se perpetua, insolúvel, como se um lado dependesse do outro para existir. Mas as frases que ganham eco são as ditas pelo libertário, a exemplo de “deve ser desesperador só enxergar o que te mostram”. “Só é possível existir pela originalidade” é sua frase-síntese.

complexo sistema por MÁRIO BORTOLOTTO

Ontem fui assistir a peça "Complexo sistema de enfraquecimento da sensibilidade". Não entendo quase porra nenhuma de teatro físico e o Ruy Filho (diretor) mergulha com vontade nessa vibe. Então não há como comentar muito sobre isso. Existem algumas imagens bem bacanas e o elenco todo mergulha com verdade na proposta. Coisa de gente jovem e dedicada. Não há muito disso por aí entre a rapaziada da minha geração, infelizmente. Tá todo mundo a fim de ganhar uma grana logo, comprar apartamento, casar e ser feliz (?). Mas isso é assunto pra outro post. Deixa pra lá. Mas o que me pegou mesmo na peça foi o ótimo embate verbal entre os dois personagens principais. O texto é muito bom. E os atores fazem bem pra caralho. Ruy sabe dirigir atores com muita eficácia e sem nunca cair no prevísivel. É o tipo de jogo cênico que gosto de ver em teatro. Fiquei muito contente de conhecer o trabalho da Cia Antro Exposto. Ontem foi o último dia da temporada no Satyros 2. Não sei porque demorei tanto pra assistir. Quero ver se consigo ver a próxima peça logo na estréia.