Antro Particular

20 julho 2006

MARCOLA: exemplo pra quem?

Para o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, Liberdade e Segurança são estados incompatíveis em suas plenitudes. Ao tempo em que a segurança impõe ao indivíduo restrições e controles de sua liberdade, gerando, em certo aspecto, opressões dos valores individuais em nome de assegurar o convívio social; a Liberdade exige maior desprendimento dos mecanismos de controle.

Nada mais preciso para identificar o estado de sítio instaurado em São Paulo. A população cerceada de sua liberdade mínima, ir e vir, frente à insegurança explícita, descobre por espelhamento a necessidade de intensificar ainda mais o controle como única saída para “voltar a ser livre”.

A situação atual serve também, em muitos aspectos, como reflexo do país. Enquanto o G8 e convidados discutem em São Petersburgo a tal nova ordem mundial e outros parâmetros comerciais que sustentem o capitalismo neoliberal, a desordem se estabelece por aqui em paradoxos trágicos para nossa história: um país dividido em dois poderes cujas capacidades e coerências são metáforas de suas lideranças.

De um lado um tráfico-terrorista orgulhoso de sua capacidade; do outro, um presidente que tem a leitura como mal-necessário tanto quanto o exercitar físico. Um bandido capaz de ameaçar com um simples gesto de silêncio; e um chefe-de-estado incapaz de explicações plausíveis - seja na área social, política ou econômica – preferindo comentar as decisões metaforizando sobre jogos de futebol.

Ora, um amigo me escreveu achar muito exibicionismo de Marcola. Concordo plenamente... Mas este é o marketing escolhido pelo traficante: certa “erudição”. E não deixa de ser curioso que seja este o instrumental para a construção de seu espetáculo. Como muito bem coloca Eugênio Bucci, a espetacularização do indivíduo é hoje condição determinante para sua existência política. Marcola se mostra preparado para o gerar e administrar o poder, faz-se figura pública horrível e respeitável, exercendo uma capacidade em conduzir politicamente os fatos digna dos mais preparados comandantes.

Os políticos brasileiros perdem pela ignorância ideológica. Não a desprovida de erudição, mas na própria capacidade em enxergar nossas condições e idiossincrasias. E a incapacidade de experimentarem outras possibilidades, permanecendo aprisionados em estruturas e ações arcaicas de pouca ou nenhuma valia.

Por que não permitir a Luiz Eduardo Soares desenvolver suas propostas de segurança pública, ao invés da atual política da negociação póstuma e paliativa com as lideranças criminais? Ou o Renda Básica de Cidadania, de Eduardo Suplicy, no lugar do paternalismo improdutivo do Fome Zero?

Por que Antônio Cândido, petista das origens, não é nosso Ministro da Cultura, já que este foi durante décadas o mentor de sua política cultural? Por que o projeto pedagógico-educacional de Paulo Freire nunca foi efetivamente colocado em prática pelo Governo Federal?

Para qual Brasil se administra os brasis, afinal?

Onde estão Sérgio Buarque de Hollanda, Câmara Cascudo, Darcy Ribeiro, Mário de Andrade, Gilberto Freire, Herbert de Sousa, Mário Pedrosa, Milton Santos?

Mortos! E mesmo os vivos, igualmente aprisionados nas estantes das livrarias e em mochilas de universitários... Mas nossos políticos acham os livros desnecessários, os intelectuais e estudiosos chatos, enfadonhos. E preferem agir de acordo com suas enormes capacidades perceptivas geradas em discursos escritos por redatores para os palanques esporádicos patrocinados sabe-se lá por quem.

Talvez Marcola tenha lido nossos autores. Isso explicaria a facilidade com a qual entende, manipula e reconfigura nossa sociedade de acordo com seus interesses. Resta-nos conviver com isso. Cada história gera seus próprios representantes. Se não sabemos escolher os nossos, eles se formam por si só.

O Brasil de hoje entra pela porta de emergência de uma UTI devidamente equipada com as melhores máquinas estrangeiras, sinalizando a todos, desesperado, a proximidade da falência múltipla de seus órgãos, enquanto desafiamos sua morte com intervenções de Ivo Pitanguy.

Contagem regressiva. Vem aí mais uma eleição!

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Eu havia acrescido aqui o texto, suposta entrevista com Marcola, (o qual repassei ingenuamente, como tantos devem ter feito). Mas não costumo ter outros autores blogados sem permissão ou comunicação. Sendo assim, retirei-o. Nos comentários há o link onde a crônica de Arnaldo Jabor pode ser encontrada. E mantenho o meu, pois minhas idéias continuam as mesmas... Com ou sem entrevista. Obrigado Paula pela correção!