Antro Particular

26 junho 2009

festlip

workshop na CAL - Rio de Janeiro

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SESSENTA MINUTOS PARA O FIM: minutos preciosos

Muitas vezes somos condicionados a uma enfadonha rotina e a permanência excessiva dentro de sua estrutura acaba por nos distanciar ou impedir daquilo que realmente vale à pena. Escrevo isso, pois demorei muito tempo, mais do que realmente gostaria, para assistir a peça Sessenta Minutos para o Fim, do grupo Garagem 21, dirigido por César Ribeiro. E hoje percebo o quanto deveria ter me esforçado mais para sentar em sua platéia.

César me chama a atenção desde sempre. Ao menos, desde que comecei a ler sua críticas e blog. Há uma intensa sinergia entre nossos devaneios e conclusões. A maturidade violenta com que costumeiramente aborda as questões traduzia-o como um curioso inquieto devorador de música, cinema, política e teatro. Levado ao desejo antigo de compreender sua arte mais profundamente, chego ao teatro dois minutos atrasados, mas desta vez consegui entrar e permanecer.

Sessenta Minutos para o Fim reune Arrabal e Beckett fortalecendo a base de uma dramaturgia consistente e provocadora como pouco se vê na atualidade. A história de dois sujeitos sequestrados por um coelho e obrigados a representarem para um público inexistente, dá o tom preciso do universo dos dois dramaturgos. César, porém, vai além e codifica as exigências desse absurdo em fugas do naturalismo através da construção de corpos mais próxima à caricatura dos quadrinhos. E funciona. E bem. Recortadas, as cenas-imagens são bem definidas, estruturadas de maneira simples a partir do jogo teatral. Cabe aos atores sustentar a precisão perigosa entre o não naturalismo e o expressionismo. Ainda que a construção de Ulisses Sakurai seja mais eficiente do que a realizada por Paulo Campos, o espetáculo se sustenta tranquilamente na criatividade da história e na inteligência dos monólogos, sobretudo, e a deliciosa e divertida presença do Coelho em cena, vivido por Priscilla Maia.

O que César Ribeiro oferece ao seu espectador é mais do que uma narrativa maluca, exarcebada por referências e signos. Ao contrário. Na exatidão da palavra, na importância da música que ronda toda a atmosfera, o diretor-autor questiona a todos nós como podemos narrar o contemporâneo. Traz pelo humor e o tom non-sense a empatia do ridículo e recodifica o exagero em forma de teatralidade. Tudo alí é teatro. Tudo alí é visceralmente teatralizado. E, ao fim, parece nos arrastar à culpa de igualmente nos divertirmos com tantos absurdos.

Muitos outros autores e diretores têm se utilizado do confronto com a moral burguesa travestindo as ações em culpa. César diferencia-se pela perspicácia intelectual que faz com que a culpa seja estraçalhada em centenas de sentimentos, levando-nos a um labirinto perigoso da aceitação desprovida de parâmetros críticos. Assistimos e rimos. Entendemos os absurdos e continuamos a rir. Rimos das nossas próprias gargalhadas. E não notamos a obviedade de sermos nós os sequestrados pelo coelho, de estarmos acostumados a ausência do público, a solidão da idéia.

A platéia de César Ribeiro é específica. É preciso disposição intelectual para ir além da diversão burguesa de se estar no teatro e entender verticalmente o universo discursivo. E isso caracteriza e explicita a vocação de ser o Garagem 21 mais do que outro grupo de teatro. Há uma verdade maior nas intenções de Sessenta Minutos para o Fim: olhar nos nosso olhos e nos cobrar por sermos tão enfadonhos e patéticos. César exala a essência típica dos artistas inquietos e inconformados, dos criadores obsessivos. Isso por si só já deveria causar filas na porta do Satyros 2. E quem consegue imaginar qual deveria ser o tamanho da fila, então, quando se junta a essa figura um espetáculo curioso e arrasador?

Se sair de casa para ser mais inteligente incomoda tanto o público, então que este saia para se divertir com sua própria estupidez. Com um lugar a menos na platéia, aviso. Pois uma cadeira já é minha...

DESFIGURA: alguns gritos precisam ser sentidos e não ouvidos

DesFigura, espetáculo em cartaz no espaço dos Parlapatões, propõe trazer o universo conturbado de Francis Bacon, um dos pintores mais interessantes e inquietantes da modernidade aos dias atuais. Em cena, Edi Botelho elabora, diametralmente, contraposições entre corpo e fala, narrando pensamentos e sensações, valorizando as minúcias e particularidades que fizeram do artista irlandês personagem único de seu tempo (1902-1992).

Dois são os princípios explorados: a construção de uma atmosfera que represente o interior do personagem e o discurso de uma fala que vai além da retórica para se aproximar da persona do artista. E se dois são os valores constituintes da cena, elege-se, simultaneamente, duas outras inquietações: como dar conta de representar a pintada desfiguração do corpo humano e o universo sensorial de Bacon?

Tarefa difícil, o trabalho esbarra na condição da limitação dos corpos em ir além de suas capacidades físicas. Não é possível desfigurar um rosto além da realização simplista de uma careta, ou torcer um tronco além do curvar e expandir tais como conhecemos. Bacon problematizara a identidade do homem moderno através da deformação dos rostos, membros, posturas, em violenta ação pictórica, na qual as cores servem aos berros e desejos de destruição, assistindo-o gerar e sobreviver a duas guerras mundiais. São personagens de uma história híbrida entre a realidade servil em um mundo desprovido de valores e a consciência psicanalítica levada ao desespero e solidão. Em DesFigura, não poderia ser outro o caminho que a aproximação entre a dança e o corpo mídia (como nos ensinam Helena Katz e Christine Greiner). Contudo, volto a insistir, limitado a suas possibilidades reais torna-se ingênuo quando comparado aos trabalhos de Bacon, esses violentamente mais poéticos e cheios de caminhos subjetivos.

É comum e inerente ao objeto escolhido (o corpo) que tal limitação incomode. Frustra-nos à sensação de déjà vu dos movimentos, das palavras corporificadas, das repetições gestuais, dos códigos já tão banalizados por tantos e tantos usos. Frustra-nos a percepção de não poder ser outra coisa, a incapacidade em atingir a cópia plena. E terminamos por assumir o assistido como resultado possível meramente.

Há aí o afastamento perigoso nessa aceitação conformista ao destituirmos da crítica aprimoramento de seu olhar. A partitura corporal elaborada para representar a desconfiguração do humano proposta por Bacon, quase sempre se apresenta como mera torção física. Bacon não discursava simplesmente pelo destroçar das formas, e sim destas como representações do interior do Homem do século XX. Na maneira como as partituras de DesFigura surgem, limitamo-nos a assistir a deformidade do corpo e não do humano em si. Entender o humano é ir além da matéria, é desfacelar a casca para chafurdar ao íntimo daquilo que nos torna comuns em nossas diferenças. A obviedade da dança calculada, da coreografia duplicada e seguida, da imprecisão do preciso, faz com que a narrativa corporal, a transformação baconiana limite-se ao desenho da forma, da superfície. E estar na superfície é, via de regra, determinar-se superficial.

A segunda questão, o universo de Bacon, envolve outras tantas particularidades técnicas. Muitos são os espetáculos em cartaz e textos recentes debruçados sobre uma personalidade – histórica ou recente – como estratégia de discutir o Homem e a contemporaneidade. Todavia, há de se diferenciar a amplificação de uma persona para a linguagem teatral e a transformação do sujeito em personagem dramático.

Em DesFigura, assim como boa parte dos espetáculos em cartaz que se utilizam de tal premissa, não se vai além do próprio mostrar ou apresentar o homem-artista-personalidade Francis Bacon. Junta-se uma pitada de sua estética (ineficiente e reducionista), a pensamentos soltos em tom reflexivo, coleções de frases e leves intromissões da biografia íntima. Tudo certo, não fosse esse tratamento uma abordagem simplista da personagem. Não se encontra Bacon no contar a vida de Bacon. Ao contrário, desta maneira limita-o a leitura de um (no caso o dramaturgo) sem conduzir qualquer encontro mais profundo e sensivelmente particular com seu universo que o interprete diferentemente.

Faze-lo personagem não significa processar o seu encontro com o espectador. Bacon não se limita a pensamentos e estética, mas a soma de ambos decodificada sob a perspectiva da percepção do observador. Apresentar Bacon seria torná-lo signo sensível, no sentido mais íntimo e pessoal do público. Faze-nos sentir as emoções, sensações, inquietações do artista sem, necessariamente, figurar o próprio ou seus quadros para manipular nossa compreensão. Do jeito que DesFigura, e tantos outros propõem, sobra ao espectador o ouvir uma história e assistir a um personagem sem qualquer possibilidade concreta de vivenciar aquilo tudo apresentado. É literatura dramática, dramaturgia pura. O teatro, no então, pode e deve ir muito além disso...

DesFigura pertence, enfim, a gama dos espetáculos que se apropriam de complexas estruturas de pensamento, estética e comportamento, para recria-las em personagens dramáticos, sob o prisma acadêmicos, construídos numa ingênua tentativa de dar conta de todas as camadas que envolvem tais personalidades. Edi Botelho vai bem nesse encalço. Mas não chega a assustar. Assistimo-no sem deslumbramento ou fascinação, sem susto ou entorpecimento. Nada que nos leve a uma transformação incômoda, a uma desconfiguração de nossas certezas, à destruição de nossos íntimos, a trazer para nós um pouco do Bacon tão insistentemente personificado em cena. Em DesFigura , portanto, ficamos mais uma vez frente a frente a atores e seus esforços, mas muito longe de seremos invadidos por Bacon e seus berros definitivos.

10 junho 2009

Cada vez mais expostos

Como criar um blog para cia.? A crise toda começava por aí. Fácil... Entregar a estética às mãos de Patrícia e deixar que sua precisão encontre os caminhos. E tudo bem. Mais um blog na vastidão do mundo virtual.

E como nos apresentarmos? Bem mais complicado. Decidimos por sermos revelados por aqueles que nos rodearam nesse último ano. Amigos, mais que tudo. E uma pitada de humor não custa nada a ninguém.

Obrigado Gerald, Guzik, Mário, Lúcio, Donasci, Paulinho, Patrick, Gero e Pedro. Sempre!

Agora, e cada vez mais, a Cia. de Teatro Antro Exposto ganha sua própria voz, enquanto preparamos o novo trabalho. Novo? Não gosto dessa promessa. Prefiro próximo. O próximo trabalho: EMVÃO. Isso, tudo junto mesmo.

Em meio a correria para o Rio de Janeiro e o FESTLIP. Na saudade de amigos que não encontramos por nos encondermos na sala da Rio Verde. Sempre...

Trago, ainda, os belos textos de Guzik e Mário na íntegra.

No blog há muito mais.


fui professor do gui na escola de atores wolf maya. desde o começo do curso o guri me impressionou pela seriedade e pelo talento. foi um dos pouquíssimos alunos pros quais eu dei um redondo 10. mereceu a nota ao me deixar arrepiado com sua interpretação de um dos monólogos de 'hamlet'. nunca esqueci daquela aula, nem de como aquele quase moleque encarou o "ó gigantescas legiões do céu". lá com meus botões previ que o guilherme teria uma bela carreira no teatro. mas daí ele foi parar numa novela. pensei: ferrou! (na verdade pensei outra coisa que não vou escrever aqui.) achei que o cara ia entrar naquele esquema de 'caras', 'quem', e tudo que isso implica. pois não é que estava enganado? que bom que a gente se engana às vezes. terminada a novela, em vez de gui ficar pelo rio, caçando um lugarzinho na próxima, voltou pra são paulo e se enfiou num prédio infecto da praça roosevelt pra ensaiar o primeiro trabalho que fez com ruy filho, atuando ao lado de diego torraca, na companhia antro exposto. foi o início de uma série. estão chegando agora ao quarto trabalho juntos (me corrijam se eu estiver enganado, mas acho que é isso). e gui mostra que é um ator de palco, que acredita em teatro de grupo e está disposto a lutar por seus sonhos. e aposta nesse grupo de nome esquisito, curte fazer espetáculos experimentais. se eu fosse dono de uma agência de talentos, cataria o gui e enfiaria numa clínica para disturbados mentais, pra descobrir o que um cara bonitão e talentoso como ele tem contra o esquema telenovela carioca+fama+caras. como eu sou um bicho de teatro, fico é muito feliz de ver que gente como ele e o diego, que poderiam estar circulando pelo jardim botânico, lá no rio, preferem as vielas da vila madalena e o teatro experimental. vivam eles, viva o antro exposto!
Alberto Guzik

Priscila ou Lady Nicolielo é uma garota que eu gosto muito de encontrar. Talvez porque ela sempre me transmita uma sensação inexplicavelmente boa, o que pra um sujeito como eu, é um alívio incomensurável. E ela me parece incapaz de nos desapontar.E na profissão que ela escolheu isso talvez não seja justificadamente algo muito aconselhável. Nós andamos por aí com nossas mãos exageradamente sujas por mexer demais no lixo dos sentimentos alheios. Mas eu também acho que a Priscila esconde mais do que ela nos deixa perceber. Então fica por aí, Garota. Vou ficar de olho nas suas unhas quando estiver segurando o copo de cerveja. Tenho certeza que elas não vão ficar impecáveis por muito tempo.
Mário Bortolotto