Antro Particular

22 janeiro 2007

FUNARTE: Celso Frateschi e uma nova oportunidade

Tudo começa com uma certeza: a previsibilidade das ações políticas no Brasil é, antes de qualquer coisa, exercício de futurologia. Quando já se mostrava fato a reeleição de Lula à Presidência, era certo que os ministérios passariam por renovações. Não vieram tantas quanto se esperava. E dentre as cadeiras previstas para novos rostos estava a da Cultura. Parecia óbvio o afastamento de Gilberto Gil, em uma gestão cercada por problemas e críticas (algumas corretas, outras nem tanto). Videntes das mais diversas facções apontavam suas apostas. Ouviu-se falar na troca do ministro artista por outro, e a influência e aproximação de José Wilker com a prefeitura carioca, tornava-o uma possibilidade. Mas o ator não fora escolhido. Mais próximo da idéia de continuísmo, Antonio Grassi, presidente da Funarte durante o primeiro mandato, parecia então ser o mais correto. Nomes estranhos também vieram ao vento, e em algum momento até mesmo Roseana Sarney surgiu como possível afago de Lula pelo apoio eleitoral ofertado pela senadora, contrariando os desejos do partido. Nem um nem outra. Gil decide ficar.

A dança das cadeiras girou entre todas as instâncias durante o período de suspense. E na possibilidade da saída de Grassi da Funarte, a entrada de José Miguel Winisk chegou a ser dada como certa pelos noticiários. Nada disso. Surpreendido no último segundo por não ser igualmente mantido, Grassi passa o posto a Celso Frateschi, irmão de Paulo Frateschi, presidente do Diretório Estadual do PT paulista. Perdem os adivinhos, ganha a politicagem partidária.

Celso fora, entre outras coisas, Secretário da Cultura nas gestões Celso Daniel (Santo André) e Marta Suplicy (São Paulo, substituindo Marco Aurélio Garcia, convocado por Lula para ser assessor especial para Política Externa da Presidência). Não conheço seu trabalho em Santo André. Trabalhei com ele na gestão de São Paulo. Então é a ela que me limito.

É fato que aprendi muito nesse período sobre um assunto para mim então desconhecido por completo: política e as entranhas da politicagem com suas barganhas e instrumentais.

Nos dois anos em que Celso permaneceu na Secretaria de Cultura de SP, além de atuações definitivas para a efetivação da Lei de Fomento ao Teatro, por exemplo, três foram os projetos de sustentação de sua proposta de gestão: Galeria Olido, Museu Afro e Museu da Cidade. E esse pensamento administrativo qual presenciei (e participei, não me ausento disso) é, como artista, que me tira o sono ao vê-lo ocupar a Funarte.

Explico. Nos três exemplos há o planejamento típico dos estadistas afoitos em gerar marcas históricas.

No entanto, a criação da Galeria Olido no edifício sede da Secretaria de Cultura, por exemplo, como novo espaço para as manifestações culturais e artísticas contemporâneas da cidade, surge conflituosa à existência do Centro Cultura São Paulo (CCSP), cuja estrutura física, até então, com mais de 20 anos, permanecia inacabada (da construção à eletricidade e especificidades de segurança), e onde a programação cultural, uma das mais dinâmicas e relevantes da cidade, sobrevivia ao desejo de seus funcionários e diretores que se viam novamente abandonados de verbas e soluções. O CCSP lutou para se tornar uma autarquia, e assim aumentar seu poder de diálogo com a distribuição de recursos, porém não era esse o interesse político naquele momento.

Frateschi opta acertadamente também por criar o que seria o mais importante museu brasileiro destinado a representação da história, cultura e arte negras, Museu Afro-Brasil, no antigo edifício da Prodam, Parque do Ibirapuera. Digo “seria” pois na realidade é ele a virtualização de um museu, já que o acervo que o justifica e constitui é de cunho particular, adquirido em forma de empréstimo da coleção de Emanoel Araújo (por vezes ameaçado de ser recolhido pelo proprietário), e as exposições temporárias, condicionadas a capacitação de patrocínios privados, ocasionalmente precisaram ser canceladas por falta de recursos.

Quanto ao projeto de mapeamento da formação histórica de São Paulo até os dias atuais, pelas óticas antropológica, cultural, social, religiosa etc, o que se tem é... Não se tem. O Museu da Cidade não ocupa efetivamente o Palácio das Indústrias (edifício projetado por Ramos de Azevedo, no centro da cidade, antiga sede da Prefeitura), apesar de sua elaboração e produção ter custado uma boa quantia aos cofres públicos.

Não vou aqui julgar caráter ou coisa do gênero, tampouco moralizar as escolhas. Menos ainda confundir Celso político com ator, este de magnitude e talento ímpares. Revelo nas ações a base de uma política cultural que obteve como conseqüências imediatas atrasos de salários dos servidores e agentes culturais contratados para ministrar aulas e cursos nos CEUS (escolas municipais), cancelamento da Lei Mendonça (lei de incentivo fiscal municipal para investimento privado em atividades culturais), adiamento das reformas necessárias no Teatro Municipal e Biblioteca Mário de Andrade, endividamento da máquina pública.

Celso agora tem nas mãos decisões que atingem não um município e sim o país. A Funarte é sem dúvida um dos braços ágeis do Ministério da Cultura para o desenvolvimento de políticas culturais, seja pelo financiar artistas e pesquisas, seja no reconhecimento e premiação de propostas quase sempre concretizadas por essa parceria, dentro e fora do país.

Manter, portanto, a compreensão administrativa de priorização pelo novo apresentada em São Paulo, é certamente conduzir a Funarte ao esvaziamento de sua potencialidade. É preciso que Celso entenda que se administrar políticas públicas é acima de tudo gerenciar escolhas a partir de um planejamento coerente com ideologias construtivas amplas e irrestritas, então o fascínio narcíseo da existência histórica não deve ir além do travesseiro. Hábito saudável apenas enquanto estímulo de processo criativo.

A Funarte, ainda que insuficiente, é fundamental e indispensável.

É torcer para que o passado tenha verdadeiramente lhe trazido amadurecimento, que esqueça a politicagem partidária e, sobretudo, que bons ventos lhe tragam bom senso.

Lembrando o passado e observando o futuro, particularmente eu duvido. Não por Celso, em si, e sim pelo entorno que o acompanha e envolve. Mas como o tempo tem mostrado, quase nunca a futurologia funciona na política.

17 janeiro 2007

LIMINAR IMPEDE INÍCIO DE OBRAS DO SHOPPING DO GRUPO SILVIO SANTOS

Boas novas, nesse país em que justiça e cultura continuam minúsculas.
Zé Celso e sua incansável luta pela manutenção do entorno do Teatro Oficina, avança sobre o corporativismo e arranca das entranhas da justiça o que de fato é óbvio: a inadequação da construção do shopping pelo Grupo Silvio Santos.
Parabéns aos advogados, ao Zé Celso, ao atores e artistas envolvidos na causa.

RUY FILHO



Eu, José Celso Martinez Corrêa, tomado de felicidade Guerreira comunico que o Dr Cristiano Padial Fogaça Pereira do escritório ROCHA AZEVEDO, GOMES E LARA ADVOGADOS, Advogado da Associação do Teatro Oficina Uzina Uzona na luta pela preservação e crescimento do Teatro Oficina, obteve ontem dia 16 de janeiro, por Justiça Justa de Xangô, o ganho de uma liminar impedindo o início das obras do Shopping do Grupo Silvio no entorno do Teatro Oficina Tombado há quase 25 anos pela Secretaria de Estado do Governo Franco Montoro.

Dr Cristiano declarou por emeio a mim endereçado:

faço questão de me vincular publicamente a esta bela batalha pois decisões como esta, são nossa maior motivação profissional.

Elaborei o texto abaixo, a fim de traçar um panorama da questão do Teatro Oficina e Grupo SS, desde o protocolo de nosso requerimento junto ao CONDEPHAAT até hoje. Minha intenção é tornar bem clara a questão à imprensa, bem como explicar o que pretendemos com a Ação Civil Pública e qual o sentido da liminar concedida.Recomendo que qualquer informação prestada à imprensa seja feita nos moldes do referido texto.

Aí segue o texto elucidativo redigido pelo nosso advogado, seguido do documento jurídico emitido pela Justiça. Peço que se divulgue esta boa nova, esta atitude da justiça de São Paulo, um presente de aniversário para nossa machucada cidade de Sampã.

José Celso Martinez Corrêa
M E R D A


Protocolamos perante o CONDEPHAAT, em 01/8/2006, pedido de revisão do tombamento do Teatro Oficina, tendo como requerente a Associação que o mantém, denominada Uzyna Uzona, pedido este assinado por nós advogados (Cristiano P. Fogaça Pereira e Antonio Gomes da Rocha Azevedo), para que fosse traçada uma área de preservação no entorno do Teatro.

Sendo certo que, para a construção no raio de 300 metros do entorno de um imóvel tombado, deve-se obter a autorização expressa do CONDEPHAAT, o Grupo Silvio Santos obteve a aprovação do referido órgão estadual, no 2º semestre de 2005, para a construção do Shopping Bela Vista Festival Center.

Ocorre que a aprovação do Projeto de Construção do Bela Vista Festival Center, por parte do CONDEPHAAT, partiu da equivocada premissa de que já existiria uma forma de preservação da área envoltória do Teatro, o que não é verdade!

Isto porque muito embora o tombamento tenha sido decretado em 1.983, este ato não declarou expressamente qual a área envoltória do bem que mereceria resguardo, como seria de praxe. Assim, entende-se que, na omissão da administração, nenhuma área de entorno foi protegida, estando tal questão ainda pendente.

Com efeito, por recomendação do então Governador do Estado e São Paulo Claudio Lembo e do Secretário de Cultura do Estado cineasta João Batista de Andrade, feita ao José Celso Martinez Corrêa, em cerimônia pública realizada no Teatro Oficina, protocolamos o referido pedido, para buscar uma manifestação expressa do CONDEPHAAT, sobre o entorno do Teatro, garantindo-se a visibilidade, a fruição do bem pela coletividade e a linha estética das encenações do Teatro Oficina.

Além disso, consideramos essencial que o projeto original do Teatro Oficina, elaborado por Lina Bo Bardi e Edson Elito, tal qual é hoje conhecido e premiado internacionalmente, seja finalizado. Referido projeto inclui a construção de um Teatro de Estádio no entorno do Oficina, onde se realizariam atividades culturais e educacionais.

Enfim, protocolado o pedido em julho de 2006, nenhuma decisão foi proferida, nem mesmo aquelas de mero expediente, como Autue-se? ou Ao Conselho?.

À vista da absoluta inércia do CONDEPHAAT, com relação ao requerimento apresentado, ajuizamos pela Associação Uzyna Uzona, em 27/09/2006, Ação Civil Pública contra o Grupo Silvio Santos, postulando a imediata suspensão do início das obras do Shopping Center.

O fundamento da ação reside no fato de que a decisão administrativa foi lançada sem que houvesse sido regulamentada a área envoltória do bem tombado, em que se operam, há anos, atividades culturais realizadas pelo Oficina, bem como onde se pretende finalizar o projeto original de Lina Bo Bardi, construindo-se um Teatro de Estádio.

Ou seja, a aprovação pelo órgão estadual está baseada em equivocada premissa, sendo, portanto, infundada.

A urgência na concessão da medida pretendida, justificava-se, tendo em vista que o iminente início das obras (programada para Janeiro de 2007 pelo Grupo SS), causaria imenso prejuízo ao Teatro Oficina e ao próprio grupo empreendedor.

Isso porque que, acaso a sentença (decisão final) do processo considere que o projeto deveria realmente observar a preservação que se venha a dar à área envoltória, e não houvesse decisão liminar, o Grupo SS teria de desfazer a obra já erigida, para, após, reformulá-la às suas expensas, além do que, o enorme transtorno causado às atividades do Teatro tombado seria de impossível reparação.

Em suma, se não se concedesse liminarmente a medida e se permitisse o início das obras, a decisão final tornar-se-ia ineficaz.

Com base nesses fundamentos, e acolhendo culta orientação do Promotor do Meio Ambiente

dr.Geraldo Rangel de França Neto, aposta às fls. 110 dos autos da referida Ação Civil Pública, a MM. Juíza - Dra. Celina Kiyomi Toyoshima, da 3ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, proferiu, nesta segunda-feira (15/01/07), irretocável decisão, deferindo a liminar pleiteada, a fim de impedir o início das obras no Shopping Bela Vista Festival Center, no entorno do Teatro Oficina, sob pena de multa diária de R$ 2.000,00 para o caso de descumprimento da ordem, até que se analise a questão acerca da preservação ou não da área envoltória do bem tombado, ouvindo-se, para tanto, os argumentos da parte contrária.

Permanecemos à disposição, no telefone 3061-5050 ou 8149-2549, para quaisquer esclarecimentos.

Atenciosamente,

Cristiano Padial Fogaça Pereira
ROCHA AZEVEDO, GOMES E LARA ADVOGADO

10 janeiro 2007

FRONTEIRAS: o teatro na América Latina


ENCONTROS E DEBATES

Moderação: Sebastião Millaré

11/01, 20h – O olhar argentino
Aimar Labaki, dramaturgo (Brasil)
Hugo Villavizencio, diretor (Peru/Brasil)
Santiago Serrano, dramaturgo (Argentina)
Sérgio de Carvalho, diretor e dramaturgo (Brasil)

12/01, 20h – O olhar chileno
Aimar Labaki, dramaturgo (Brasil)
Marco Antonio de la Parra, dramaturgo (Chile)
Samir Yazbek, dramaturgo (Brasil)
Teresina Bueno, atriz e diretora (México/Chile)

13/01, 15h – O olhar venezuelano
Edilio Peña, dramaturgo (Venezuela)
Hugo Villavizencio, diretor (Peru/Brasil)
Marco Antonio Rodrigues, diretor (Brasil)
Samir Yazbek, dramaturgo (Brasil)

14/01, 17h – Conclusão – Encontros
Aimar Labaki, dramaturgo (Brasil)
Edilio Peña, dramaturgo (Venezuela)
Hugo Villavizencio, diretor (Peru/Brasil)
Marco Antonio de la Parra, dramaturgo (Chile)
Marco Antonio Rodrigues, diretor (Brasil)
Reginaldo Nascimento, diretor (Brasil)
Samir Yazbek, dramaturgo (Brasil)
Santiago Serrano, dramaturgo (Argentina)
Sérgio de Carvalho, diretor e dramaturgo (Brasil)
Teresina Bueno, atriz e diretora (México/Chile)

Av. Paulista, 2439 - 7º andar01311-300 Bela Vista - Sâo Paulo
Tlf.:55 11 3897 96 00
Fax:55 11 3064 22 03

03 janeiro 2007

ARNALDO CARRILHO: Há muito do Oriente Médio por aqui

Este novo email do Embaixador Arnaldo Carrilho traça um primoroso percurso das relações entre o Oriente Médio e o Brasil, apontando a perda e abandono da identidade do povo árabe após assentar em novas terras. Com um olhar crítico sobre a história, Arnaldo consegue esclarecer as origens de alguns fatos que se manifestam hoje, e convocar a todos, árabes e não, maior consciência e participação.

Volto a repetir: somos todos responsáveis participantes!

Abraços
RUY FILHO

Meu caro Ruy Filho,

muito obrigado pela inserção dos documentos no blog. O que me constrange no caso brasileiro é que abrigamos, em ondas sucessivas de imigrantes sírio-libaneses e palestinos, cerca de 10.5 milhões de árabes, sem muita consciência de sua arabidade. São mais dos quibes, esfirras, casamentos por interesse clânico, clubes sírio-libaneses e profunda alienação políica. Raros leram Áhmed Cháuki, Adônis, Máhmude Deruíche ou Nizzar Kebbani. Há maronitas que nem árabes se consideram. Certa feita, numa recepção, aprsentei uma diplomata libanesa jovem como "árabe". Protestou. Perguntei se era armênia ou o que fosse. "Não", respondeu, "sou verdadeira libanesa, pois maronita!". Cai o pano...

Desembarcados por aí como turcos, pois com papéis emitidos pelo Império Otomano, partiram do miserê da Grande Síria, que englobava as províncias coloniais libanesa, síria propriamente dita e palestinense. Quanto a esta, sede dos Lugares Santos neo-abraâmicos, até 1882, embora sob domínio turco, viveu à sua maneira, bem levantina, com uma ativa população de agricultores e artesãos, um porto ativíssimo (Iaffa), uma cidade-empório (Náblus), espécie de grande bolsa de mercadorias, e pontos de refrência histórica, como Jenin, Nazaré, Safade, Acre, Haifa, Belém, Jericó, Hebron, Ghazaa...

Ramállah era um doce lugarejo, centro de passagem para viandantes em demanda de Jerusalém (Al Qods), em peregrinação ao Santo Sepulcro, às Mesquitas de Al Aksa e do Rochedo, ao Muro das Lamentações. Os de crença judaica eram autóctones (uns 12 mil resistentes milenares à Diáspora) ou de outras proveniências (sefarádis, iemenitas, iraquis, persas, maghrebinos); os maometanos estavam ali desde a vinda de Ômar e, depois da vitória do curdo-egípcio Saladino sobre os cruzados, postos em sossego; os cristãos, divididos em 16 ritos eclesiais e mais uma meia dúzia de denominações protestantes.

Umas poucas famílias de judeus russos desembarcaram em Iaffa, o milenar porto e maior cidade da Palestina, no ano indicado acima. Tudo bem, deram-se bem com os locais e com estes aprenderam outras ritualidades do antigo judaísmo. Esses adventícios eram askhenazim, convertidos à Lei Mosaica a partir do século VII, o mesmo do surgimento do Islam. Chegaram outros, de origem não-semítica como os anteriores, sem problemas. Interfreqüentavam-se, participavam de festas, dos Eïds islâmicos, das Pácoas e Natais cristãos, dos Pessachs, Hanukkas e Sukkots hebraicos. Havia até, aqui e ali, intermiscigenações.

Nos anos-90, chegaram os sionistas, gente estranha, devotada ao refazimento de uma Pátria Judia, do Mediterrâneo ao Jordão, deste ao Sinai, inspirada nos nacionalismos europeus do século XIX, portanto com ideologia própria: eram excludentes (não admitiam a existência de palestinos árabes), queriam ser uma barreira contra o "asianismo" (como se os israelitas não fossem originalmente asiáticos) e, cedo, revelaram-se tomados de mentalidade colonial.

Dentro de um Império decadente, em desfazimento até sua queda em 1917, criou-se uma Questão da Palestina, herdada por outra Potência, a Grã-Bretanha, que, em acordo com os franceses, partilhou a Grande Síria, os britânicos estendendo-se além-Jordão, derrubando a monarquia hachemita do Hejaz, dominando a Península Arábica, a Mesopotâmia, o Afeganistão, instalando reinados prepostos. Em minha geração brasileira, só me dei conta da existência de um povo palestino em 1967, com a Guerra dos Seis Dias, que quebraria para sempre com os ideais que levaram à criação do Estado de Israel.

O que existe hoje é uma ocupação, já de quase 40 anos, humilhante, colonialista, empenhada em limpeza étnica, exploradora, guerreira - tudo, em desobediência ao Direito das Gentes, a resoluções do CSNU, a convenções internacionais, violentando a Lei Humanitária Internacional, decisões da CIJ na Haia e assim por diante. Serve-se de qualquer subterfúgio, inclusive o de sincretizar-se ao evangelismo estadunidense. Já há seitas evangélicas, inclusive no Brasil, que praticam o Shabbat e tomam Jesus como israelense! Seus fanáticos fiéis, de rala teologia, são recebidos e tratados a pão-de-ló pela Potência ocupante, julgando-se arautos de um ecumenismo capenga, populista, sem qualquer base de solidez cultural e filosófica. São os cristãos-sionistas.

E os árabes brasileiros, que fazem para ajudar a Palestina junto à nossa sociedade, ao nosso Governo? Quase nada. Em compensação, uns 140 mil brasileiros, de fé e cultura judaicas, estão sempre alerta, ativam-se, não deixam passar uma, mesmo que Israel massacre palestinos, libaneses ou quem quer que seja. Se fossem, ao menos, solidários a uns 12% da população israelense conscientizada e militante, como outros cerca de 20 mil judeus brasileiros... O que se sabe no Brasil sobre essa gente?

Sou por dois Estados, pela conquista da paz e da democracia, que não caem do céu, pelo enaltecimento da cultura dos povos, inclusive e sobretudo dos que ainda experimentam conflitos e tragédias induzidas por vetores mundiais de força. Saddam foi executado em Bághdade horas atrás, depois de uma nevasca. Menciona-se a matança de 130 e poucos curdos em suas costas, quando ele mandou matar milhares de iraquis não-curdos. Não se menciona que ele mesmo metralhou um amigo de infância, el-Machádi, chefe baassista, para tomar o poder em 1969, com apoio ocidental. Os guardas estadunidenses só o entregaram à entrada do local do cadafalso. Foi até o fim prisioneiro dos EUA, que o mantiveram ditador por décadas. Será um dia possível a consagração de políticas da verdade ou continuaremos com as mentiras e omissões, factuais e históricas?

Não, meu caro Ruy, o Oriente Médio não é tão longínquo assim. Temos uma longa história em comum com os levantinos. D. Pedro II já esteve aqui, Juscelino Kiubitshek idem, o Presidente Lula ibidem. Mantivemos o Batalhão de Gaza em Ghazaa, em 1957-67, cujas instalações estavam numa localidade hoje ocupada por tanques Merkava IV, um bairro de Khan Yúnis, hoje chamado Hay el-Barazil. Na iminência da inauguração da Copa na Alemanha, por volta de 20 de junho, um menino carregava uma Bandeira do nosso País em meio aos carros armados de Tsahal. Foi fotografado, esboçando um sorriso triste de criança. Saiu estampado em nossa imprensa. Inesquecível aquela foto, superior às falsificações de Iwo Jima (mas que ruim e ambígio o filme do Clint Eastwood!), do içamento da bandeira soviética nas ruínas da cúpula do Reichstag e na Porta de Brandeburgo e a outras mentiras que se tornam monumentos enganosos dos povos.

Votos de um melhor 2007, com abraços do

Arnaldo C.