Antro Particular

10 setembro 2011

Um pouco de Hamlet não pode fazer tão mal assim


É preciso entrar. E para entrar é preciso, antes, ser recebido. A sala do teatro conduz o distraído a seu interior quase que sem querer, sem alguém, qualquer um. Passamos pelo batente inicial protegidos pela eficiência da pompa burguesa pela qual vestimos ao tomarmos a decisão: sim, hoje, irei ao teatro. E seguimos assim ao conforto dos assentos numerados. Segue igual o distraído, em busca daquele que deverá ser sua morada por uma hora e tanto, na maioria das vezes. Por menos, até. Por mais, mas esses são raros e pouco atraem os distraídos. O conforto se estabelece duplamente sobre o assento. No isolamento egoísta do sujeito assentado em seu próprio espaço, protegido de contatos, de outros, na esperança de ser despercebido e esquecido, suprimido daquele coletivo, transparente, feito número e letra que agrupados determinam apenas que a poltrona não mais existe a quem outro a quiser. O espaço da cadeira, encaixada entre a fileira e ordem, passa a ser esconderijo. E, novamente, o distraído sente-se muito bem. Há ainda o outro conforto, o que se dá na esfera do inatingível. A passividade do assistir sem nenhum risco imediato. Mas só mesmo o distraído pode acreditar que está realmente inacessível. Do toque surpreendente da mão personagem, tão igualmente inesperada quanto se deseja a solidão, até os ataques mais brutais, levianos e sutis lançados do palco sobre sua subjetividade. Conforto não é a tradução mais próxima à proteção, descobrirá um dia o distraído.

Só que o teatro é múltiplo, tanto quanto a capacidade imaginativa de quem o propõe. E quem disse que toda entrada é coroada pelo batente de uma porta? Portas podem ser portões, podem ser ruas, espaços irreconhecivelmente distintos ao entorno, contudo transformados em espaços-teatro ao serem ocupados, usados e resignificados. E aí o distraído corre maior perigo. Arrisca-se a estar no teatro sem nem mesmo deseja-lo, ou pior, sem nem mesmo percebe-lo. Faz-se igualmente elemento de palco, feito ator improvisado, cuja falta de ensaio o torna saboroso ao deleite do imprevisível e dos demais espectadores. O distraído, agora cena, portanto, deixa de ser si mesmo, transformado em co-narrativa e obra. E como ir embora? Agora não mais parte, não lhe resta a despedida. Está ali para sempre, para compor o todo. E, ainda que os outros de amanhã não o reconheçam, o todo dá-se também por sua lembrança, no existir de sua passagem, na soma necessária para compor e justificar o existente, ou, ao menos, o que sobrar disso tudo. Pode sim, o distraído, sair de lá traumatizado, levar consigo certo desespero nesse não mais voltar igual. Mas é nesse risco, na percepção de ser então outro de si mesmo, é que tocará a essencialidade mínima necessária para construir o tal do diálogo, a tal da arte.

Se tantas são as possibilidades para entrarmos, as escolhas daquilo que se oferece só pode ser entendida como de propósito. E todo propósito se compõe de intencionalidade, cujo valor está na construção de instrumentos para atingir determinados objetivos. A sala burguesa ou o quintal de um casarão divergem na qualidade de suas proposições. Enquanto a primeira oferece a certeza do conforto, a segunda desconfia a pertinência de certo descontrole das decisões do convidado. Não se entra distraidamente em um ambiente teatralizado, salvo espetáculos onde o cotidiano se formaliza matéria narrativa ao ponto de não ser indissociável ficção e vida. Ao passarmos a alternativa de um inesperado, que não a sala propriamente reconhecível ao uso comum da cena, encontramos no coletivo a perspectiva do conforto. Crer estarmos em igual condição ao sujeito desconhecido ao lado, faz-nos confiar numa certa manutenção da proteção. Enquanto não é mais possível ver-se inacessível, o pertencimento cúmplice estabelecido pelo agrupamento determina ao espectador um misto paradoxal de tranquilidade e ansiedade. Por que estamos aqui, perguntam-se. O que aqui deverá ocorrer que somente aqui pode se dar? Não se imagina que tais questões não estejam respondidas pelos artistas, pois não se tratam de respostas, são, antes, proposições, objetivos que necessitam de tal contexto. O que imediatamente enxerga o distraído é que isso só pode ser mesmo de propósito.

E o que mais resta, então, que não o entrar? Convite feito, é esperar ser recebido, para, assim, formalizar o grupo. Mas, se é simples receber em um teatro tradicional, a ausência da sala complica e muito esse gesto. Deixa de ser um mero boa noite ou seja bem-vindo. É preciso receber a todos como se fossem apenas um, dar-lhes a face precisa da unidade que comporá a narrativa sem se desfazer de seus primeiros papéis: espectadores. Olhado os olhos uma vez, não é possível mais abandonar o outro. Por isso o coletivo se constrói na expectativa do início. Por isso o palco se dilata definitivamente, sem retorno, sem abandono, consciente de ser mais do que a cena, mas a completude das presenças que desenham o jogo.  Então que assim seja. Recebe-se o convidado formado por muitos, dilacera a extensão da ficcionalização do espaço e faz-se do próprio instante teatro. Dá-se o tempo de outro tempo ao dia. Dá-se nomes e intenções distintas ao real. E traz pra dentro de si aqueles que, de certa forma, já iniciaram o espetáculo do lado de fora. É hora de olhar os olhos pela última vez. Depois desse encontro, todos passam a pertencer seu existir ao imaginário, para nele comporem a narrativa e a transformação no que deverão ser ao fim.

De algum modo se perguntar ‘por que ali’ introduz outra complementar: por que isso? Isso ou esse, aquele ou quem, pouco importa seu entendimento ou pronome, é evidente que a proposição deu-se por algum estímulo. Se primeiro a narrativa, e esta, pela maneira como se deu sua leitura, fora determinante ao espaço, ou se o espaço sugeriu a necessidade de determinada narrativa, muito muda naquilo que se tem por objetivo. Ao surgir da narrativa o espaço, tem-se a ação como movimento estrutural, pelo qual a localização dos movimentos menores deverão contemplar suas importâncias para a narrativa. Se surgida a narrativa posterior ao espaço, todavia, tem-se o convívio como manipulação narrativa, onde o existir presencial do coletivo determina maiores ou menores importâncias ao narrado. Receber o público, portanto, não é tão simples ou tão pouco. É preciso, antes, reconhecer na estrutura qual o papel daquele que se recebe e sua relação com o espaço onde é recebido. E, ainda que se possa eficientemente mesclar as duas construções, a narrativa precisa ser definida por uma, apenas. Do contrário, perder-se-á importâncias valorizando os mínimos contrariamente aos maiores, suprimindo do coletivo a compreensão de qual deve ser de fato seu papel. Mesmo que o que lhe caiba seja uma espécie de indagação e confusão, ainda assim é preciso que seja suficiente para ser reconhecido.

Então digamos que mesmo o distraído se encontrara, reconhecera seu existir na narrativa e passara a trabalhar em conjunto com a mesma para que pudesse, enfim, compreender o porque de tudo aquilo. Qual aquilo? Responder a essa questão é o instante em que se pode definitivamente olhar os olhos do público e dizer: seja bem-vindo ao teatro.

Entre drama, tragédia, musical, comédia, épico, farsa, realismo, pós-dramático, em infinitas e inconclusivas definições de cada possibilidade, a que o artista menos deve se preocupar é em qual verbete pode ter inserido seu trabalho. Melhor se não conseguir, pois tamanha liberdade será como uma espécie de alforria. Todavia, há na escolha por qualquer caminho a afirmação de uma observação do mundo. Escolhe-se uma comédia por crer que o riso é alicerce fundamental aos dias atuais, seja pela crença na necessidade de certa alienação e fuga da opressão própria do cotidiano, seja pela observação de conter a ridicularização do cotidiano valores críticos capazes de conduzir o sujeito ao reconhecimento do óbvio que tanto se esquiva de responsabilidade. Escolhe-se um drama por acreditar estar na superação dos dilemas cotidianos a condição de sobrevivência de cada um, e seu espelhamento sobre o palco como serviço de reconhecimento da violência de tais tormentos. Escolhe-se uma tragédia quem pouco ou em nada mais crê. Porque cabe ao trágico a confirmação irrefutável da incapacidade do sujeito sobreviver ao que se reconhece por humano. Ao menos o trágico moderno, onde somos causadores de nossas próprias tragédias, por nossas imperfeições, por nossas incapacidades em compreendermos a totalidade da existência.

Diferentemente do que se argumentava ao final do século XX, de que o homem se afastava de sua humanidade e se perdia entre animalescas atitudes de destruição e autodestruição, a humanidade tem revelado a desprezível qualidade de ser esta, a destruição, uma de suas constituições mais básicas. Sem qualquer apelo místico, como propunham os anteriores, a observação sobre as ações humanas se conformam em códigos cada vez mais delineados como poder, ódio e violência, para nos atermos aos mais imediatamente diagnosticáveis. Se este é o paradigma a ser reconhecido como nossa identidade, então só nos resta observar a vida pela ótica trágica.

A tragédia antiga tratou pela moralidade o infortúnio inevitável que nos aguarda, representando para os espectadores sua condição existencial de absoluta submissão aos desejos dos deuses do Olimpo. Nada cabia ao homem, apenas aquilo que lhe era determinado pelos deuses. Nada poderia o homem, apenas aceitar sua condição. As tragédias gregas colocavam nas máscaras dos heróis a tentativa frustrada de se livrar de seus destinos, mas o que se estabelecia nessa tentativa de liberdade era uma destruição maior e pior. Foi séculos depois que o trágico recebeu outro rascunho, e, através dele, Shakespeare, como definiu Harold Bloom, inventou o que conhecemos por humano. O homem ocidental, agora central ao universo, ponto de fuga de sua própria observação sobre a realidade e sobre si mesmo, não se encontrava dominado pelos raios de Zeus, mas sobre a espada, inteligência e corrupção de um semelhante. Sem Deus a lhe definir, homens construíram sobre outros homens suas fortalezas e riquezas. Desde então, poder, ódio e violência se tornaram estigmas comuns a todo aquele que se reconhece humano. O poeta e dramaturgo inglês assistiu o surgimento do novo homem desprovido de qualquer condição moral ou valor, e o assistiu, sobretudo, nos palcos por onde suas tragédias foram encenadas. Há na humanidade shakespeariana o inevitável pressuposto de ser o homem limitado ao desejo, à ganância, à inveja. E Hamlet é, sem dúvida, a capacidade poética máxima de observação do quão absurdamente trágico nos tornamos.

O teatro do homem medieval viu o divino ressurgir litúrgico e igualmente opressor aos deuses antigos. Determinado, sobretudo, pela imagem do Antigo Testamento, as missas assumiram a relevância da teatralização de passagens mais alegóricas e trabalharam em personagens aquilo que só existia dogma, como a dualidade entre bem e mal, por exemplo. Foi a figura de Cristo que exigiu que a cena já distribuída pela nave da igreja trouxesse igualmente outras semelhantes ao humano. Santos, santas, soldados, padres até chegarmos ao vulgar, aos personagens comuns das vilas e vidas comuns. O homem ocidental que se desenha em Shakespeare retratará o pior do comum humano, ainda que, quase sempre, mitificado nas figuras da realeza e nobreza. A importância de seus personagens atravessa a objetividade de um registro momentâneo. São homens e mulheres divorciados tanto do divino quanto dos dogmas cristãos básicos, mas são homens conscientes de suas finitudes e limitações. O paradoxo ocidental de ser o homem centro de seu próprio universo confronta a percepção de ser o universo o centro do desconhecido. Sem solução, já que assistimos a ciência se voltar cada dia mais ao reconhecimento de uma existência primeira, ainda que não denominada Deus, Shakespeare definiu o que nos tornamos em milênios, e mais, o que dilacera nossa identidade na construção humana de nossa tragédia.

Se falar pelo trágico denota coerência com a face atual do homem, Hamlet é fundamento maior de qualquer possível discurso. O personagem central da peça homônima é, antes de ser uma criação talentosa, a reunião de histórias medievais colecionadas pelo autor, cuja capacidade criativa determinou a versão definitiva daquele cantado por trovadores e poetas. O jovem príncipe da Dinamarca assiste a perda de sua ingenuidade, qual desconhecia medida à presunção própria de sua juventude, ao encontrar o fantasma de seu pai-rei que se revela assassinado pelo irmão, para que pudesse este desposar a rainha viúva e usurpar o trono, enquanto a Dinamarca se prepara para entrar em conflito com os reinos vizinhos. Mas o que menos importa na peça é exatamente sua trama. A grandeza de sua arte está na maneira como Hamlet imprensa sobre sua figura o devir do homem ocidental, agora submetido a diversos conflitos e interesses. Hamlet é um personagem sem ação. Seu desejo de vingança se dá em sua mente, na imaginação de suas atitudes. Faz da retórica sua estratégia ao tempo em que o falar se esvazia de gesto e impede este de existir. É preciso entender, é preciso agir. Mas ambos não se colocam mais como vértices para o mesmo fim. São, agora, a face nova do dualismo, não mais o bem ou o mal, pois estes são frutos dos dogmas de outrora. Entre o pensar e o agir existe um novo homem, cuja fruição se desenvolve por meios filosóficos enquanto a ação se perde entre devaneios. Hamlet não age por si, mas conhece as ações necessárias as suas vinganças. E descobre no outro, na máscara de um ator, o reflexo de sua imagem, o veio possível para dar ação a tanto pensamento. Pede a trupe andarilha que apresente a peça onde se enxerta a trágica morte de seu pai. Oferece ao assassino sua imagem em ação, e o observa tanto quanto é possível observar a si mesmo construindo a armadilha. Se Hamlet consegue agir assim é porque apenas pelo outro o homem pode de fato se fazer existir nesse instante. E nada mais próprio da tragédia de hoje que a perda real de nossas ações, determinadas a serem por outros que não nós, submetidos que estamos as vontades representativas, indefesos e incapazes de recuperarmos nossa individualidade e independência. Hamlet já nos avisara tudo isso em seus solilóquios. Difícil fora acreditarmos no óbvio.

Descobriu Hamlet no perambular dos corredores e aposentos de Elsinore a tragédia de seu pai e também a sua. Distraído em viver sua juventude, depara-se com a imponderável necessidade de poder que assola a humanidade, enquanto se vê obrigado a amadurecer. E faz da sua vontade igual poder de reação sem perceber que também o seu poder demanda consequências inerentes ao uso. Como o príncipe, acostumamo-nos a perambular por dentre o presente dos acontecimentos distantes e alienados de suas consequências. E também nós, em certa medida, acreditamos na qualidade do poder pelo qual fomos convencidos possuidores, enquanto nos distraímos de nós mesmos. Quem somos se não sombras de pensamentos sem ações, aguardando-as por aqueles que trarão o entendido por direitos? Abandona-se a capacidade de agir por discursos improdutivos com a mesma distração com que se exige a presença do outro como representante. E nada mais teatral do que isso. Hamlet descobre no teatro a possibilidade desse outro que possa ser ele mesmo. Meta-teatro. Usando do espetáculo para expor o espetacular dos acontecimentos, faz, Shakespeare, chegar ao distraído as entranhas políticas que permeiam seu existir. O distraído espectador está ali por diversão, bem se sabe. Fora convidado e entrou. E o autor lhe entrega mascarada sua própria situação, feita bastidores do poder, da corrupção, ódio e destruição. Vai além da superficialidade da ficção e pondera como também o distraído vivencia sem perceber os mesmos princípios e distorções. E mais além da denúncia, ao determinar que o horror não está limitado a certas esferas, desenha-se na humanidade.

Se o meta-teatro é duas vezes metafórico, isso amplia a dimensão de sua atuação. Iguala o ódio da cobrança a certo desejo pela vingança e redimensionamento do poder. A peça tem, assim, forte discurso crítico sobre a política, mais do que ser política. É possível conviver sem quaisquer manifestações de destruição do outro? Não seriam as escolhas a destruição do que se perde? E, ao se escolher, não se determina novas esferas de poder? Não se valida, visto a negligência sofrida, ao não escolhido, o desejo pela defesa? Não se atua qualquer defesa como ataque despropositado, uma vez estabelecidas as escolhas, como se coubesse o limite da aceitação ao não escolhido? E, por que não, a compreensão primeira de ser os ataques, portanto, gratuitos, fruto de ódio e inveja dos derrotados? Preparar-se ao ataque, todavia, seria demasiadamente proteger-se da reação inevitável? E como se precaver, então, sem apoderar-se de estruturas ainda maiores de poder? Por fim, se defender-se de qualquer destruição, da não aceitação, assemelha os dois extremos como destruidores, por que julgar o ataque primeiro? Diria o filósofo grego Sócrates que a melhor maneira de respondermos a preceitos filosóficos é mediante perguntas e não respostas. Respostas respondem definindo os conceitos a partir de dogmas de quem as escolhe. Perguntas, por sua vez, expandem a individualidade de quem reflete, ainda que nada solucione, introduzindo ruído ao que parecia estável. Hamlet se pergunta todo o tempo e pouco responde para si mesmo. E estabelecer meios de trair a confiança do espectador em suas certezas, atribui-lhe a necessidade da reflexão desdogmatizada, pois será preciso ir além de suas crenças, descobrir outros caminhos, desenvolver novas perguntas e se enfrentar em uma espécie de vazio, onde a identidade se percebe abandonada e disponível a outro desenho. A isso chamo por política. Possível apenas pela capacidade da arte em acordar os distraídos.

Hamlet, originalmente, assume, então, a faceta mais política do discurso e recebe, sobrenome: Do Estado de Homens e de Bichos. A relação traduzida entre estar em cena, encenar a cena, oferecer a cena ao outro e, muitas vezes, ser o próprio outro do outro, faz da experiência atrativo. Andamos pela entrada de Elsinore, convidados que somos, pelos jardins, pelas áreas comuns do casarão palácio, mas não acessamos o interior do castelo, restrito que está aos atores. Nada há do lado de fora que não seja consequência de momentos escondidos no interior do palácio. O espectador passa a conviver com a cena como que pedindo autorização para um pouco mais de informação, negada, todavia, obrigando-o ao limitado desejo daqueles que nos apresentam recortes específicos. Como se não tivéssemos as informações precisas para entendermos a totalidade dos acontecimentos, ou não estivéssemos prontos, ao menos, para enfrentar a verdade crua explicitada sem o teatro. E estamos? Sofremos a teatralização direta em tantas interfaces de nossas vidas que perdemos, em algum lugar, a percepção da realidade quando esta não é intermediada por uma espécie de ficção realista. Fingir tornou-se necessidade básica à sobrevivência social do indivíduo, para além de máscaras ou nomes falsos. Avançamos a teatralização mascarada de sentimentos, emoções, sensações, relacionamentos pessoais e profissionais, intelectuais e religiosos. O meta-teatro hamletiano redimensionou ao homem a possibilidade de ser por outro ele mesmo. Mas perdemos o controle. Hoje, somos o outro refeito em nós, enquanto nós mesmos existimos em algum outro alguém que não em nós.

Diz o espetáculo: Do Estado de Homens e de Bichos. Estado, em letra maiúscula, traz curiosa dubiedade. Ainda que a grafia em caixa alta ou baixa seja meramente instrumento estético para atribuir importância, o Estado, como se oferece, pode ser lido como condição, existência do ser, ou mesmo como ambiência política de representação. Existir homem e existir bicho. Quem seria um e quem seria outro dentro do espetáculo? Aquele que destrói o irmão, aquela que aceita o assassino de seu marido como substituto seriam homens ou animais? Aqueles que se alienam ao entorno das figuras que lhes determinam o destino seriam o quê, afinal? E o que se vinga e pune em sangue a corrupção moral se encontra em qual existência? Não há uma resposta plausível a esses e outros tantos exemplos possíveis. Porque simplesmente ser homem ou bicho não se faz tão diferente na prática se retirarmos destes suas ambiências. Ambos confrontam o sobreviver pela violência destrutiva daquilo que entendem ser obstáculos. Ambos determinam poder sobre os demais por acreditarem ser necessário. Entretanto, há nas escolhas humanas a deturpação de necessidades, tendemos sempre a acreditar e deixar que a crença justifique absurdos. Mas essa explicação um tanto óbvia, de que não necessitamos de tanto e de tudo, tem mais motivações religiosas e místicas do que reais. O homem sobrevive pelo acúmulo de necessidades, produtificações de objetos, de instrumentos, de sensações, de saberes, e se faz existir pela capacidade de ter necessidades e não de produzir mecanismos de libertação. Tornamo-nos violentamente viciados ao ter e não ao ser. E, enquanto Hamlet se pergunta, na cena mais revisitada do teatro ocidental, “ser ou não ser”, o homem se constrói pelo ter ou não ter, por um estado de existir inerente a essa condição.

Se ao homem cabe escolher ser algo, nunca ao bicho foi dado tal oportunidade. A este é fundamental a posse do alimento, da água, da proteção, do utilitarismo objetivo dos meios. Hamlet nos ensina que não é possível sobreviver ao que se é, que estamos fadados às consequências de nossas escolhas, mas que estas são substratos de uma realidade de convívio social que pouco se importa com nosso próprio existir. É quando chegamos, então, novamente, a ambiência política possível no tratamento maiúsculo dado ao termo Estado. Está no reconhecimento de uma ordem o princípio mais básico para organização de sistema comunitário. Sem o reconhecimento coletivo fica impossível estabelecer-se a sociedade. Em Hamlet as duas esferas desse reconhecimento caem em descrença, tanto a interna, mais própria ao que conhecemos por família, quanto a externa, identificada pelas fronteiras e limites. Em OhAMLET, por sua vez, deparamo-nos com a subversão dessas esferas. Ao tempo em que vivenciamos a unidade externa se desfigurando pela narrativa, somos isentados de qualquer participação direta na falência da unidade interna. Não visitamos os calabouços próprios da deformação da família, salvo no momento em que Hamlet confronta a Mãe, bêbado e espetacularizando para seus cúmplices a teatralidade do conflito. De fora, como estamos, recebemos com ousadia a destruição dos limites sociais em entrelinhas que vão para além da dramaturgia original. Somos, ao fim, uma espécie de invasores passivos de Elsinore.

A dubiedade do meta-teatro contida na encenação do assassinato do rei, deixa de ser instrumento narrativo para servir a uma meta-politica. Discursa-se mais sobre a submissão política do artista, que só pode existir desta maneira, do que sobre a moralidade do assassinato do rei. Usa-se da mesma artimanha que o príncipe ao apropriar-se da farsa para ir além do próprio roteiro. Se Hamlet se aproveitou dos atores para expor o crime, os atores agora se apropriam da cena para criminalizar sua própria condição. Cada vez mais direcionados a esse estado de existir, os artistas brasileiros se confundem com a política pública enquanto servem de instrumento de realização de produtos oficiais, cujas finalidades são, e se limitam a ser, apenas numéricas para o Estado, sem qualquer intuito de valor ou consequência maior. OhAMLET bate em sua própria face enquanto reconhece a falência do sistema que o permite existir. Afinal, não há outro meio. Ou há? É preciso reconhecer o vício incontrolável que se tornara a produção artística recente, limitada que está aos subsídios governamentais e estatais, em grande maioria. O artista deixou de ser proprietário de sua arte antes disso, quando os agentes de marketing definiram o que haveria de ser produzido, em nebulosas compreensões do que seriam os desejos do mercado. Agora, ainda limitados aos recursos incentivados, empresas e empresários determinam ainda mais poder ao exercício do interesse público. O mercado gradativamente migra do público consumidor para outra qualidade de público, travestido, sobretudo, pelos discursos políticos dominantes. Perderam os artistas a capacidade de oporem-se independentes ao sistema. É preciso adentrar seus subterrâneos e avançar por eles novas e silenciosas maneiras de se contrapor. Feito Hamlet em devaneio por dentre os corredores de Elsinore. Feito Hamlet em perseguição a si mesmo em infindáveis discursos sem ações. Feito Hamlet em desespero pela incapacidade de solucionar o impossível. Permanecemos distraídos. Todos. Espectadores e artistas. Porque somos dessa época, onde a ação é retórica e os dizeres são vazios. Mas há aqueles que ainda são capazes de encontrar brechas. Só que para isso é preciso que entremos, e que convites sejam feitos, como em OhAMLET. A porta está aberta, senhores, é hora de teatro.  

Ensaio realizado para a
 Cia. Artehúmus de Teatro
a partir do espetáculo
 OhAmlet - Do Estado de Homens e de Bichos
Direção de Evill Rebouças.

06 setembro 2011

CINE Y TOTALITARISMO, por Edilio Peña



Edilio Peña

Al cineasta  Thaelman Urgelles, mi amigo.

Es inevitable todo cine que se realice a la sombra de un Estado totalitario sea alcanzado por su naturaleza. El artista de la imagen pretende ignorarlo, concentrándose en la creación de su obra. Pero en  ese impoluto universo de su intimidad que cela,  como en la sala oscura donde habrá de proyectarse su futura película, por algún resquicio de su conciencia, se cuela la imagen de la bestia del Estado totalitario para seducirlo o quebrarlo en sus principios. Si tiene vendida el alma o es vulnerable existencialmente, al artista de la imagen no le importa ser devorado por las apetencias del Estado y  puede acceder a convertirse en el realizador oficial del gobierno que en el fondo lo desprecia; así los demás lo tilden de rata. Mas si las circunstancias económicas o vanidosas lo acorralan y se le hace imposible la creación  y la sobrevivencia  misma, opta por la ambigüedad y comienza a transitar hacia la concesión, la autocensura y, sobre todo,  como parte de un gremio,  actúa,  aun sin saberlo, como una facción secreta del gobierno que pone en peligro los propios intereses del gremio artístico al que pertenece. Firmará anteproyectos de ley para que éstos jamás se conviertan en ley. Porque sabe que las leyes en el totalitarismo preservan su mala intención al arrogarse todo el derecho de legislar sólo a favor de sus intereses ideológicos y políticos. Además, en el fondo del ego del cineasta cautivo  hay una necesidad superior: hacer una película que lo consagre y lo ayude a escapar de la diatriba política que lo atormenta y acosa  en su particular momento histórico. Es una manera de exilarse de sí mismo. Está persuadido por aquéllos que se han degradado hasta la médula,  aconsejándole   que el arte se juzga  sólo por sus valores artísticos, así el artista previamente haya firmado un pacto con Mefistófeles. Lo que no sabe, o ignora saber, este hijo de las musas de la modernidad y la postmodernidad, es que hay valores artísticos que el totalitarismo no tolera  porque le harían competencia. El cine, en un Estado totalitario,  aspira a que el espectador se convierta en un simple mirón, anulándole su posibilidad crítica y reflexiva, en cambio  en el cine de autor el espectador alcanza esa condición expurgativa que pretendían los griegos con sus espectáculos teatrales. El espectador  auténtico, al contemplar la obra o la película, entra en un estado de remoción física, psíquica y espiritual que  vence la inducción política e ideológica del arte amaestrado por el Estado.

 Sergéi Eisenstein, el celebrado cineasta ruso, colocó su talento a disposición de las exigencias del dictador Stalin, cuando éste le encargó la realización de la película Iván, El Terrible, a fin de exaltarse ante su pueblo como el salvador y protector de la Rusia comunista que enfrentaba la embestida Nazi en la Segunda Guerra Mundial. En cambio, Andréi Tarkovski, el poeta de la imagen esculpida en el tiempo, fue perseguido  y buena parte de sus películas fueron censuradas o destruidas por el estado Soviético. En 1969, su película Andrei Rubliov, alcanzó a llegar al festival de Cannes, pero las autoridades soviéticas convencieron a los organizadores del festival de que la película se proyectara el último día  de la muestra, a las cuatro de la mañana.  De esa manera, la obra cinematográfica no ganó ningún premio y el público no pudo protestar  ni reclamar justicia para un film que no había visto. Sin embargo, entre el estupor y la vergüenza,  la crítica se vio obligada a redimir el film. En el exilio, Tarkovsky tuvo la oportunidad y el coraje, confiado en su memoria y profundidad, de  reconstruir de nuevo una de sus películas más emblemáticas, destruida por el fuego del totalitarismo. En la misma Alemania Nazi, la documentalista Leni Reifenstahl se prestó al régimen  fascista para crear una estética del mal, donde, paradójicamente, el horror no figuraba como tema explícito de sus documentales. Con ella, se desterró los hallazgos del expresionismo alemán en el cine, encarnado en figuras cimeras como Robert Wiene y Fritz Lang. Sus imágenes eran demasiadas apolíneas y sublimes, porque el horror  se habría de cocinar en los hornos crematorios de los campos de concentración. Es común que en los Estados totalitarios se le prohíba al artista  introducir  el horror en su obra, como tema a explorar, porque el Estado, quien lo propulsa a su manera, se lo reserva para  sí, instrumentándolo  e imponiéndolo  en la realidad como una de sus virtudes políticas.  Y en este umbral,  la ficción  del artista no puede competir con el poder absoluto que se arroga el Estado. El tratamiento del horror y todo aquello que tenga que ver con la trasgresión formal y de contenido en el cine están prohibidos  por el Estado totalitario. Alfredo Guevara,  el ícono fundador del ICAI  de Cuba,  llegó a  destruir toda una película de un cineasta porque en ésta aparecían otras épocas del pasado cubano, las cuales contrastaban y le hacían sombra a la Cuba socialista que se estaba instalando. Nunca olvidaré el privilegió que tuve, cuando  el  famoso  y celebrado director de cine Humberto Solás, una noche proyectó en mi casa su película – en ese momento inédita y por primera vez-  Un Hombre de Éxito, con el temor  angustioso de que ésta no pudiese ser distribuida en Cuba. Luego, si bien la película fue nominada al Oscar, alguien impidió desde la Habana, que ese film llegara a la Alfombra Roja del Imperialismo.

Aquí en Venezuela,  de un década para acá, el cine ha adquirido dos modalidades de realizarse, presionado por un Estado que invariablemente se ha ido convirtiendo en totalitario. Por un lado,  gran parte de la generación más curtida de los cineastas se   ha dedicado estos años  a realizar un cine que exalta a los próceres independentistas o a cualquier ícono nacional que sustente la idea de patria y nacionalismo; inclusive, a tergiversar sus destinos de manera impúdica. Han regresado al pasado por no encontrar el horror en el presente y no saber qué hacer con él a la hora de los riesgos y las demandas. Los más jóvenes han optado por un cine bucólico,  con una visión turística de lo rural, o por un cine social que se resuelve en moralejas edificantes, ocultando la responsabilidad del poder, con personajes que están de espaldas a su propia realidad o a sus pesadillas. Las propuestas formales de exposición narrativa transitan la linealidad de las telenovelas. En los festivales de cine, financiados por el propio Estado,   se premian  y valorizan mucho más, a veces con trampas y argucias de sus organizadores, estas dos vertientes de la cinematografía nacional que se han  ido imponiendo como un discurso político y estético del Estado actual. Mientras la realidad, progresivamente, se va llenando de horror a través de la imposición del llamado Estado socialista, que conculca todos los espacios de libertad colectiva y personal, pocos cineastas apuestan a confrontar, desde  sus imágenes, la desgarradura  que acontece hoy en día en Venezuela, con metáforas reveladoras y sustantivas. Por vez primera, el Estado ha financiado al máximo,  el cine nacional y hasta le creó una Villa, como hizo Benito Mussolini al fundar  Cinecitta, pero como nunca antes, el cineasta venezolano se ha autocensurado, tanto  en nombre de la sobrevivencia, como del temor  inconsciente a ser execrado de las dádivas del Estado.

01 setembro 2011

murro em ponta de faca: poesia política

Entre a política, a ação política e a poética, sempre opto pela última. A poesia tem pra mim um valor mais revolucionário do que muitas ações direcionadas ao pragmatismo de uma solução imediatista. Há na poética, no encontro entre um universo simbólico e seu inesperado acontecimento, certo desajuste impossível de ser identificado. O discurso político e suas ações resultantes podem me levar a conclusões, escolhas, definições e determinar a maneira como me relaciono com aspectos do meu viver em sociedade, em comunidade, em tribo. Mas a poética, essa me atinge tangencialmente. Pode passar despercebida em seu próprio instante de manifestação, mas estará lá, ao lado, junto ao travesseiro, às escolhas subjetivas, ao íntimo de tudo aquilo que inexiste em ação porém fundamental ao desenvolvimento de algo maior do que o próprio coletivo: o ser humano qual sou.

Quando se trata do teatro, ou seja, da aplicação poética sobre a cena, então, por motivos óbvios a todos aqueles que se utilizam da linguagem para se expressar, a violência em como sou atingido é exponencial. Cada um possui sua forma de se comunicar com a realidade. O teatro é, sem dúvida, a maneira que se fez em mim. E isso nem sempre é uma escolha, portanto, entenda-se, nem sempre o encontro é prazeroso, e nem sempre o prazer é o objetivo também. Dessa maneira, ainda que me considere excessivamente politizado, visto que preferiria ser mil vezes mais poético como criador, acabo interpretando a poética como instrumento político. Não vejo ação mais responsável ao ser humano do que a poesia. E não espero de nenhuma política a capacidade de desconstruir e reconstruir o ser de maneira tão profunda como a que obtenho pela poética.

Sendo assim, toda vez que me sento em uma plateia, toda vez que leio uma peça, entro em uma exposição, ouço uma música, leio um livro, seja o que for, espero encontrar na manifestação poética não um discurso objetivo destinado a um específico fim, mas os mecanismos de sublimação que levam a objetividade servir apenas ao desenho formal, enquanto o subtexto, o interesse genuíno da arte, faz-se instrumento para construir em mim uma percepção mais apurada sobre quem sou e onde estou, escancarando meus medos e preconceitos guardados em falsas seguranças e desculpas, expondo minhas fraquezas e estupidez, ampliando minha sensibilidade sobre o todo, de modo a me obrigarem a rever a própria compreensão de quem sou.

Murro em Ponta de Faca, texto de Boal de 1974, não poderia vir de outra forma que carregado de sentimento político em busca de uma identidade social que se partia de maneira cruel com o acirramento da censura, exílio, tortura e assassinato, durante a ditadura militar brasileira. É impossível não se espantar como esse período foi eficiente em desconstruir essa identidade, obrigando o existir brasileiro a condições de silêncio e medo constante. Tinha eu um ano ainda quando Boal já expurgava em palco o desespero dessas condições. O que poderia, então, ter eu com isso? Muito...

Talvez porque sofra de uma certa necessidade de ideologias e não as consiga no presente, sejam nos artistas ou na própria sociedade, desde sempre trago algo parecido com a nostalgia daquilo que nunca vivencie. Fazem-me falta os discursos de ontem. Não pelas palavras ou seus objetivos. Mas pela maneira como havia certa poesia no abrir mão de existir indivíduo para servir ao coletivo. Muita poesia no século passado, e muitas das melhores, foram criadas a partir da necessidade de construir novos caminhos. Não fosse por isso, não haveriam as vanguardas modernas e tanto interesse pelo novo, pelo outro, pela tentativa de enxergar por ângulos diferentes. Ou mesmo o desenvolvimento de diversos movimentos filosóficos, cuja busca em (re)entender o homem, a civilização e a história enfrentava debates ferrenhos e interesses variados entre poder e dúvida. Sendo assim, ainda que a dramaturgia das décadas passadas quase sempre me cansem em suas características estéticas, a poesia contida no desejo humano de buscar o humano a todos me fascina.

Ou talvez porque igualmente sofra de uma certa expectativa desenvolvimentista, que me leva sempre a acreditar que a revisão sobre o ontem é suficiente para me apontar o amanhã. Que determinadas reconfigurações podem reconstruir a própria história e reapresentar os fatos de maneira a me traduzir de modo inesperado aquilo que imaginava conhecer. Nada me é mais inquietante do que aprender algo. E quando sou atingido, desfigurando minhas certezas sobre determinados assuntos e percepções, sinto-me vazio e disponível a qualquer tipo de contato.

De qualquer modo, o espetáculo de Boal se apontava, inicialmente, ao menos dentro de minhas expectativas, para uma peça voltada ao panfletário necessário de sua época. Feito um grito híbrido de acusação e socorro. Contudo, recebi muito mais do que isso. A simplicidade com que me fora apresentado, a delicadeza em que a história política foi trazida pelos ótimos atores, levou-me a enxerga-lo de outra maneira. Paulo José construiu com sabedoria mais do que um discurso político. Há ali a tradução fina do homem, porém não restrito a 74. Qualquer homem. Em qualquer tempo. E foi pela descoberta de imenso valor humano, ora em conflito, ora alienado, desesperado, sonhador, que o espetáculo trouxe mais do que um discurso, apresentando-me a poética de uma escrita, ao estudo delicado da verborragia, da palavra dita não ao intelecto apenas, mas ao sentimento do se reconhecer humano.

A nova montagem de Murro em Ponta de Faca faz de Boal menos um ativista e mais um poeta do homem social. E como disse, perceber que se pode aprender com tudo aquilo que sempre se pareceu óbvio, é uma das coisas que me dá mais fôlego para continuar e acreditar. Se Boal conseguiu me levar de volta a uma época e ao lamento de minha própria história, Paulo José me trouxe a política em forma de poesia doce e cortante, aguda e fundamental.