Antro Particular

31 agosto 2008

é preciso olhar o público antes de abrir a cortina

Dois meninos: um lê, o outro assiste. O primeiro conversa, debate; o segundo, tecla, desliga. Um argumenta unindo fala e escuta, citando outros; o outro se impõe surdo e individualista, colecionando imagens.

Para quem ainda compra um bom livro, ou melhor, lê e consegue entender que bom, propriamente, não o é ou é, assustam as porcentagens oficiais de analfabetismo funcional dentro de ambientes acadêmicos, por exemplo. Para os que assistem ao mundo e transformam informações em verdades consolidadas, a velocidade da vida vencera a digestão, e o saber se tornara mais dinâmico do que a lentidão de duzentas páginas.

Insistimos na exaltação do primeiro menino como uma resposta aos labirintos modernos, e fingimos não perceber que ele não se encaixa numa rotina onde o conhecimento é superado em códigos binários, as informações em hipertextos, as relações em emails etc. Quanto ao segundo menino, cabe-lhe o rótulo de incapaz, de impotente. Mas não nos esqueçamos que é para o segundo que corremos quando temos qualquer dúvida, e que ao primeiro restou, apenas, boas conversas em mesas de bares.

Um é criado pelo discurso retórico, pelo contrapor de idéias. O outro, por imagens efêmeras e superficialidades. O primeiro lê o mundo, o segundo o assiste. Um traduz uma geração intelectualizada, disposta ao confronto retórico e a arte; o outro expressa as gerações novas, desprendidas, pragmáticas, dispostas ao efêmero. Aqueles levaram a vida em dores e desejos de mudança. Esses vivem aos prazeres momentâneos e fazem deles discursos por sobrevivência. Para um a realidade era crua. Para o outro, a realidade se burla. Um morreu em bibliotecas mofadas. O outro revive em milhões de cognomes virtuais.

E nós, artistas, desiludidos com a incapacidade em sermos compreendidos, lamentamos a extinção do primeiro menino enquanto confrontamos o segundo com discursos encharcados de boa vontade e certa dose de redenção oferecida. Mas ele não entende essa linguagem... E aí pergunto: a responsabilidade dessa falta de comunicação toda é de quem não sabe como ler ou de quem não aprendeu um outro falar?

26 agosto 2008

caminhando

Com a parada forçada, apenas nesta semana, de Entulho, seguimos a vida e nos desbruçamos sobre o próximo projeto da Cia.: Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade. É isso mesmo, o nome é grande, mas tem os seus motivos. Nele, Guilherme Gorski contracena com Diego Torraca, num duo que vai dar o que falar, além de participações de todos da cia.
A estréia está marcada para novembro deste ano. Estamos em pleno processo criativo e vem muita novidade por aí, principalmente porque teremos a participação mais do que especial de... Tudo a seu tempo. A ansiedade é grande!

23 agosto 2008

ENTULHO - cancelamento da apresentação de 28 de agosto


O som do impacto do corpo junto ao chão era mais seco do que nas apresentações passadas. Pensei, ele se machucou. A demora em ouvir os primeiros passos ainda no escuro. Até que vieram e a apresentação fora a melhor até agora. Guilherme esteve perfeito. "Deve estar tudo bem, então". Após a peça, ele me diz: "acho que quebrei o braço!". Dalí aos abraços aos amigos, e direto ao hospital.

Um susto enorme. Entulho se justifica por ele ser o intérprete. Único em cena.

Horas depois, a confirmação. Uma pequena fissura no braço direito. A imobilização e a recomendação médica: antiinflamatório e repouso para uma recuperação rápida.

A apresentação de 28 de agosto, portanto, está CANCELADA. Peço paciência a todos.

Entulho retornará na quinta de 04 de setembro, e neste dia com preços populares para juntarmos amigos e rirmos de tudo isso.

Obrigado a todos da MEDIAL pelo pronto atendimento e a atenção com que nos recebera.

22 agosto 2008

uma visita e tanto

Ontem ENTULHO teve o privilégio de ter na platéia Otávio Donasci. Pra um grupo recém-formado que busca trilhar um percurso entre o teatro e a performance, sem a preocupação de inovar nada, muito menos de construir definições sobre qualquer coisa, esse é um ótimo começo.

Enquanto o público assistia Guilherme Gorski, eu, no canto, operando luz e som, assistia ao Donasci. E o melhor veio depois. Por quase uma hora conversamos sobre performers, atores, diferenças, qualidades, Marina Abramovic, Orlan, russos, as edições da Verbo, curadorias, vídeos-criaturas... Ainda estou digerindo tudo isso.

o olhar poético de uma câmera fotográfica

O livro FOTOGRAFIA DE PALCO, de Lenise Pinheiro é algo maior do que simplesmente uma coletânea de décadas de trabalho fotográfico. E vai além, ainda, de uma seleção eficiente de cenas teatrais. As últimas gerações não foram educadas mais pela retórica, pelo contexto literário, e se durante as décadas passadas as literaturas críticas traduziam a cena, hoje é a imagem o diálogo mais preciso. Lenise cria assim um exepcional compêndio da teatralidade contemporânea brasileira. São palcos, closes, detalhes preciosos que elevam as criações aos patamares do sublime. Um livro para ser aberto todos os dias durante o café-da-manhã. Parabéns Lenise. Que venham outros num futuro breve. Um pouco de sonho em:

20 agosto 2008

TEATRO CULTURA ARTÍSTICA e uma boa conversa...

19/10/2008 - 04:29
Texto enviado ao blog de Gerald Thomas


17 de agosto. São Paulo. E um incêndio de grandes proporções destrói uma das mais tradicionais salas de espetáculos da cidade. O teatro Cultura Artística, emoldurado por belíssimo painel de Di Cavalcanti em sua fachada, arde sem possibilidade de controle, e se vê irmão, na história, de outro dos mais importantes espaços igualmente consumido pelo fogo, o TUCA. Não vivi aquela época. Mas estou vivo agora. E assisto e leio o lamento e revolta genuína por parte dos artistas.

Que nossas salas estão sucateadas, sabemos desde sempre. E aceito a frase que abre o texto de Gerald Thomas em seu blog: “nós somos os responsáveis”.

No entanto, o que adiantará lamentos, revoltas e textos como este? Absolutamente nada. É preciso ir mais radicalmente no âmago da questão e ter coragem de assumir posturas desagradáveis e responsáveis.

Culpamos facilmente os administradores, particulares ou públicos, por permitirem tamanho abandono das salas. Equipamentos sucateados, gambiarras elétricas e gatos por todos os cantos, materiais baratos sem acabamento antichamas. Não sou o artista mais experiente por aí, mas nesses poucos anos, já tampei mesa de luz com minha cabeça para que a goteira não caísse sobre ela, vi refletores despencarem, cabos cederem, e muitos foram os choques em tomadas improvisadas.

Exigir dos gestores melhor tratamento e acompanhamento das necessidades estruturais é o mínimo que cabe aos artistas. Mas apenas isso não resolve nada, pois continuamos ocupando, alugando, aproveitando, apresentando-nos nesses espaços mesmo sabendo de suas impossibilidades em oferecer qualquer segurança mínima aos que dentro do palco trabalham e aos que fora assistem.

Um desastre como o do Cultura Artística serve para nos trazer maior prontidão. A mídia se encarrega de tornar o incêndio uma tragédia. Cabe aos artistas se (re) posicionarem, puxar para si a responsabilidade para que as salas sejam devidamente equipadas e preparadas.

Não está perfeita? Simples, não alugamos, não nos apresentamos, não nos tornamos cúmplices. E talvez seja esse o maior desconforto que acompanha tanta tristeza, a certeza de que nosso silêncio, nossa passividade nos revela cúmplice.

Gerald está certo, somos os responsáveis. Mas quem está disposto a enfrentar verdadeiramente a situação? Desagradar amigos? Encarar parceiros? Conflitar valores?

Faço minha parte recusando. Sempre foi assim. Desde 2000 quando fotografei o porão do Centro Cultural São Paulo e precisei de mais de cem imagens para registrar os problemas. Minha vida custa tanto quanto a dos meus atores e meu público. Sou responsável por eles, sim. Perco espaço por isso e conto com muitos desagravos pelo mundo afora.

Sinceramente? Prefiro ter outros motivos para não dormir.

19/08/2008 - 06:24

Eh isso Ruy! Portugal e suas colonias se indignam! Um ai chega a querer me corrigir no que quer dizer respeito a galharufa, como se eu nao soubesse. Como se nao soubessemos como eh o interior fedorento, humido, coalhado de mofo que sao os camarins, uma vez que o publico saiu, Como se nao soubessemos como eh a disputa por um cadeado pra se trancar alguma coisa, pois as macanetas as portas ja se foram ha muito. Fora os SESCs, sabemos que muitos nem chuveiro tem. E tem gente que acha que, se tem cortina vermelha….eh lindo.

Estou sem conseguir dormir tambem porque:

O fato de ter pegado fogo num teatro imenso ja eh uma coisa terrivel: mas o fato dele se chamar CULTURA ARTISTICA e justamente no Brasil quer dizer muito. Estou lendo muita entrelinha? Acho que sim. Acho que nao.

Viva o Imperio das Meias Verdades

LOVE
G


19/08/2008 - 14:51

As metáforas se consolidam nas entrelinhas, nos nossos subtextos. Não naqueles apresentados ao público, mas exatamente nos camarins sem ar-condicionado, no cheiro que sobe dos porões. Não acho que esteja lendo errado, não.

Cultura Artísitca!! Não é qualquer cultura, é a da arte! Esta, incendiada diariamente pela falta de constância de políticas públicas, por supostos artistas, pelo público desinteressado de reflexão. Só vende-se, hoje, emoção padronizada, artistas padronizados.

Nossos Neros foram décadas de ministérios culturais barganhados nas vésperas de eleições como cadeiras de apoio partidário.

Agora o e a Cultura Artística morrem. Como um fim de tudo isso.

Estamos mais próximos ao olhar silencioso filmado por Bergman em Persona ou ao estupro de Lars von Trier manipulado em Dogville para provocar o julgamento? Entre o sublime e o grotesco, a solidão do artista no brasil é a única verdade concreta. Só precisamos definir se nos tornamos personagens de Bacon ou de Capar Friedrich.

O teatro experimental, a pesquisa artística, a arte em si adornam cada vez os sofás burgueses em salas cafonas. E somos obrigados a viver com isso sem muito que fazer.

em nota: um decisão que não levará a nada! Não escrevo mais brasil com maiúscula. Não enquanto não nos mostrarmos devidamente adultos… metáforas servem para construir simbologias e estas para gerar pardigmas.

beijos, saudades
RUY FILHO

19 agosto 2008

O PRÍNCIPE CHEGA AO PALÁCIO

Vou me ater aos fatos, meramente. A saída de Gilberto Gil do Ministério da Cultura e a transferências do comando para Juca Ferreira trazem novas expectativas entre artistas e agentes culturais. A reavaliação da Lei Rouanet e o olhar mais disponível para as intersecções entre processos discursivos e televisão (entendendo-a na abrangência de suas novas configurações técnicas, a partir da era digital) lançam ao vento certo sabor de mudança na política cultural do ministério, neste final de mandato petista.

Se durante o mandato Gil os carros-chefes foram os Pontos de Culturas e a proteção das manifestações populares, assim como a produção audiovisual, Juca aponta para um processo expansivo dessas atuações, requerendo, junto ao Governo Federal, maior verba destinada ao Ministério.

Até aí, a leitura dos fatos se dá perfeita. É preciso sim aumentar o fôlego de ação e a televisão é, cada vez mais, fundamento determinante na constituição de nosso imaginário. Que outros nomes perambulam pelo Ministério capacitados para deslizar por dentro desses universos, também está claro, como Cláudio Prado, interlocutor e idealizador do programa de inclusão digital.

As questões a serem levantas, porém, devem abranger periferias mais indigestas. Hoje, qual é de fato o papel da Lei Rouanet na consolidação de pluralidade cultural? Dobrar a verba original resultará em melhor aplicação e distanciamento dos vícios vigentes? Dificilmente. Um prognóstico: projetos de um milhão passarão a dois, os de dois a cinco...

Como explicar os ingressos de R$ 80,00 para Hamlet, com Wagner Moura, sendo o espetáculo incentivado? Claro, os altos custos da produção, divulgação e os salários etc etc. Um cálculo simples, despojado e despretencioso. 400 lugares (mais ou menos a disposição de poltronas no teatro) vezes 3 apresentações semanais vezes 15 semanas... Ou seja, 45 apresentações... Melhor, 18.000 ingressos. Ok, vamos imaginar que a lotação se resuma a 75% e que toda a platéia seja estudantil, portanto pagante apenas de meia-entrada, R$ 40,00. Isso prevê uma arrecadação, ao fim da temporada, de R$ 540 mil. Tudo bem, vamos tirar ainda 50% para pagar teatro e outros gastos básicos. R$ 270 mil, então? Divididos em vinte pessoas, cada qual com sua proporcionalidade, daria cerca de 13,5mil em média. Ou, 4,5 mil ao mês para cada integrante da equipe. Pouco? Então não esqueça que o espetáculo é financiado via Lei Rouanet e que os gastos previstos de produção, salário e mídia estão sendo pagos pelos patrocinadores. E vamos ser sinceros. É obvio que o público não será formado apenas por estudantes, tampouco que as apresentações não estarão, em grande parte, ocupadas com sua capacidade máxima, sendo Wagner um dos artistas mais interessantes da nova geração, justiça seja feita.

Nada contra ninguém, verdadeiramente. Uso Hamlet como bode expiatório, apenas, para demonstrar que o uso correto e legal da Lei Rouanet não determina, em nenhuma das suas fases, um dialogo concreto com as realidades do país e brasileiro.

Dois ingressos, estacionamento e um par de cafés e pães de queijo. Duzentos reais para um casal adulto assistir a uma peça?

Então por que artistas de todos os portes, inclusive os de Wagner, atuam de maneira tão desesperada por recursos? Falta de compreensão da realidade brasileira? Duvido. Uma porcentagem mínima dos projetos criados chega ao fim da cadeia alimentar e consegue ser efetivado. Artistas e produtores culturais sabem disso desde sempre, e tentam sobreviver buscando em um projeto os ganhos reais de vários. Na impossibilidade de realizar diversos trabalhos durante um ano, escolhe-se o mais propício a altos custos e ajusta-o para que o lucro, salários + bilheteira, substitua a pluralidade e resolva a vida em apenas um. Duzentos mil uma peça? Então passemo-la a meio milhão...

Se este é o caso do Hamlet citado, não sei. Nem me importo. Essa é sem dúvida a vigência absoluta do pensamento de artistas e produtores.

O que fazer, então?

Espero que Juca Ferreira saiba. Do contrário, os poucos escolhidos pela mídia continuarão abocanhando os recursos disponíveis enquanto, de fato, pouco ou quase nada se vê produzido de valor. Um novo ministro. Um final de mandato. Ano eleitoral. Quer momento mais propício para repensarmos os vícios cristalizados na administração cultural do país?

Como Hamlet, fico eu, aqui, à espreita pelos corredores do palácio escutando os reis e me misturando aos plebeus. Só espero não chegar ao encontro dos coveiros por isso...

15 agosto 2008

ENTULHO no programa Transalouca - Transamérica FM

clique sobre a imagem para ampliá-la.

05 agosto 2008

ENTULHO por Veja São Paulo


clique sobre as imagens para ampliá-las.