Antro Particular

08 novembro 2008

BOA VIAGEM, PATRICK !

O homem sorridente ao meu lado era o diretor musical do The Living Theatre. O mesmo que tem criado músicas para performances e trabalhos de Robert Wilson, dentre tantos outros trabalhos realizados nos últimos anos. Apenas isso. Enquanto a luz era improvisada, seguindo um padrão narrativo pré-determinado em sua elaboração, Patrick Grant conduzia a trilha inicialmente criada nos Estados Unidos e finalizada aqui, durante os ensaios que precederam a estréia.

É isso mesmo... Aqui, em São Paulo. Nos primeiros dias, na ótima sala do Centro Cultural Rio Verde, onde a Cia. de Teatro Antro Exposto surgira com a performance Entulho. Depois, no galpão onde as apresentações da temporada ocorrerão, no mesmo Rio Verde, nossa casa e jardim.

Patrick volta à urbanidade novaiorquina neste sábado. Infelizmente, pois seria mágico tê-lo conosco todo o tempo. Sem qualquer financiamento ou patrocínio que o permita permanecer, a situação tornara-se insustentável. A Cia. está segura de ter ofertado o impossível e nosso melhor. E Patrick, merecedor de tantos esforços, soube muito bem agradecer com generosidade, lucidez, humor e, sobretudo, criatividade imprescindível para que Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade chegasse ao nível que chegou.

Patrick deixa a chuvosa paulicéia sem conhecer qualquer outro diretor de teatro, crítico, pesquisar, historiador. Leva, portanto, na bagagem, a Cia. de Teatro Antro Exposto, amigos próximos a nós – em encontros furtivos durante o Satyrianas –, outros do Centro Cultural Rio Verde, e interrogações impossíveis de serem respondidas.

Este lamento não tem por intuito trazer culpas ou apontar responsabilidades. Longe disso. Cada um sabe de si, e como são tantos os ‘sis’ nesse país estranho, tamanho distanciamento e silêncio não é nada fora do esperado. Os convites foram enviados. Fizemos nossa parte. E a energia não estava verdadeiramente voltada a convencer pessoas, mas ao processo, à criação, ao término da peça, e à vontade de propiciar diálogos.

No último mês, jornais e revistas com tendências variadas – da mais popular a mais especializada –, cobriram a visita de Judith Malina ao Rio de Janeiro. A consagrada diretora e última remanescente do grupo idealizador do The Living Theatre, obteve máxima atenção da mídia brasileira. Era de se esperar que uma semana após sua estada, com a chegada de Patrick, igual interesse ocorresse, afinal, ambos se complementam.

Ledo engano. Patrick passara em branco pelas terras brasileiras. E por que? Talvez porque de fato a imprensa não tenha qualquer interesse genuíno em Judith e LT. Talvez porque as entrevistas e reportagens motivaram-se não pela importância histórica, estética e comportamental que representam ainda hoje, após 60 anos de existência, mas pela apropriação de tudo isso para suprir a falta de conteúdo específico pelo tom de colunismo social que dominara nossos meios de comunicação.

O desinteresse amplo por Patrick traduz a apropriação do LT e Judith como personagens volúveis, semelhantes as excêntricas personalidades instantâneas do universo pop internacional, cuja presença se revela desnecessária minutos após sua despedida. E só. Do contrário, se o interesse fosse se aproximar do artista e não do rótulo, por que ignorar Patrick?

A Cia. de Teatro Antro Exposto não tem como responder. Patrick sai do Brasil como parceiro, amigo, acesso à história que nossa geração acompanhou em livros e discursos, mas que até ontem não tinha como dialogar senão pela idealização. Somos gratos à paciência e compreensão deste a quem seremos sempre companheiros. Ao Gerald Thomas, responsável por possibilitar o encontro. Ao Rio Verde por entender a importância e amplitude de tê-lo aqui.

Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade inicia agora sua trajetória. Não esperamos nada além do comum processo de reconhecimento. Somos e sempre seremos um dentre 800 espetáculos anuais da cidade de São Paulo, quando vistos na escala macroscópica da cultura. E tudo bem. A indignação não se trata de fulanos e cicranos não estarem em nossa platéia. Isso virá com o tempo, como normalmente tem de ser.

E, em resumo, esse texto não é sobre a peça ou a falta de espaço para nosso trabalho, mas sobre uma pessoa que deveria ter sido aproveitada de maneira muito maior do que simplesmente ‘o compositor da trilha’.

Quanto aos artistas que não vieram, aos críticos que o ignoraram, aos meios de comunicação que preferiram ensurdecer e cegar sobre Patrick, boa sorte! A chatice da vida cotidiana continua para vocês. Nós, contudo, deixamos de ser um pouco menos provincianos, enquanto descobrirmos que a relação com um artista não se limita a fotos e um encontro para jantar.

2008 é apenas o primeiro ano da Cia. de Teatro Antro Exposto, e de cara já aprendemos que ouvir, encontrar e trocar só podem trazer crescimentos. Outros nomes virão em breve, e mesmo Patrick retornará, tenham certeza, mas para quê convites se as pessoas são tão auto-suficientes?

Esse país é realmente impossível de se compreender, tanto quanto as próprias pessoas que o representam...

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