Antro Particular

12 julho 2010

Antro Exposto por Marina de la Riva

Conheci por uma sequência interessante de acontecimentos, o diretor Ruy Filho e a Cia de teatro Antro Exposto, há mais ou menos dois anos. Me procuraram para colaborar em uma peça e gravar uma música composta por um dos atores, Diego Torraca. Aceitei, fiz, fui e gostei de ter estado entre eles. Ao longo deste caminho, nos víamos em alguns shows que fiz, tínhamos desde sempre afinidade, mas não tinha ainda percebido a dimensão do trabalho destas pessoas na sua totalidade.

Recebia constantemente o convite para assistir suas mais recentes peças, ora uma e depois outra. E tanto acumulei ausência, que aconteceu o improvável. Consegui assisitir as duas, em dias consecutivos. E foi simplesmente uma experiência maravilhosa.

Convidei duas amigas e fomos assistir a peça. Sim “a” pois não previ o que aconteceria.

“Dentre tantos desvios possíveis, um caminhar pode ser resumido em duas estradas: seguir ou desviar-se. Nada é mais fácil e resultante positivo que o seguir, permanecer em linha reta conforme a rotina sugere, com a certeza de estar próximo ao reconhecimento e satisfação. Olhar ao lado é compreender estar no desvio a possibilidade de conhecer o desconhecido, trair a sorte entregando-se a escuridão transformando o percurso em preciosidade. Desviar-se do seguro acarreta perda dos referenciais óbvios, enquanto exige a criação de outros individualizados na vivenciação. A Cia de Teatro Antro Exposto surgiu por um desvio um desvio obrigatório, manipulado na ausência de vontade em continuarmos a rotina segura. Unindo trajetórias diversas e historias particulares, optamos, sem receio, pela estrada da incerteza, não percorrida, abandonada e assistida ao longe como um convite à exploração. Assim surgimos. No experimento de prosseguir desejosos de tornar a partida a própria chegada, e assim descobrir cúmplices outros pertencentes aos mesmos trajetos. Não queremos levar o expectador a nenhum lugar a não ser, dentro de si mesmo. Tornar o teatro o desvio estranho convidativo para que nele possamos juntos nos perder e descobrir de fato onde estamos e quem na escuridão nos tornamos. A expectativa de ser Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade o primeiro referencial para uma outra consciência. Orgulhamo-nos por errarmos o caminho natural”. ( Ruy Filho)

Ao ler isto, entro na sala escura com a luz preciosamente causando uma plástica nunca antes vista por mim, um som que me causou estranheza imediata, faixos de material, sombra, luz e gente… o resto é preciso viver. A minha “viagem” foi intensa. Ruy estava certo, eles nos levam a nós mesmos. Houve um debate no final do espetáculo e tudo que queria era voltar e ver mais e sorver mais e vislumbrar mais do inusitado. “Y así fué”. Voltamos no dia seguinte para assistir o “ EMVAO”, livre transcrição sobre Galáxias, de Haroldo de Campos.

Ao adentrar na sala outra vez, tive uma sensação que só senti com o ser amado, muito amado, por sinal. A ausência do tempo. O hiato de 24 horas entre sentar naquela cadeira outra vez não existia. Tudo era conectado, outra vez.

Aqui transcrevo um trecho do programa

“Ao olharmos para além de nós, o que encontraremos são os infinitos círculos de pertencimentos sociais, culturais, políticos estéticos, econômicos, maiores, minúsculos, explícitos ou tímidos. De alguma maneira, o homem tem se desenhado por suas escolhas. Mas se todo pertencimento pressupõe localizações, há, ainda o margeamento como conseqüência. Margens são espaços indefinidos que definem os lados que as constroem, vãos entre algo, existências invisíveis, presenças despercebidas. São também cicatrizes que maculam a unidade, para dela subtraírem suas próprias identidades independentes ao todo. Do lado de dentro daquilo que nada parece ser, está a complexidade de um sentido restrito multiplicado em potência de outro existir. Fugidio `a realidade concreta da dualidade provida pela divisão do uno. Um existir em si. Feito poesia, valor próprio de tempo e lugar, cujo sentido mais amplo encontra-se na ausência dialética do servir, na impotência em responder. Ou simplesmente , no não querer responder a algo. E se cabe ao observável de uma margem, ao seu contorno, uma função clara de sua existência, aquilo que a integra limita-se a ser sem qualquer contexto e fim, em vão. Dai, de novo, a poesia…..Não pertencemos se não a nós mesmos, ao risco de existirmos em vão, a ausência de localizações que nos afunda a uma contemporaneidade indecifrável em uma espécie de vão moral e histórico, enquanto descobrimos as faces que recombinadas trazem de volta a unidade. EMVAO surge convite para que outros adentrem a margem. Daqui, vocês sao outros. Chega a ser divertido olhar…”

Ainda preciso comentar que a música e a direção de arte fechavam tudo com uma complexidade elegante e simples assombrosa. Diego Torraca, Guilherme Gorski, Raiani Teichmann, Tiago Torraca entre outros simplesmente arrasam em cena. Ainda estou sem fôlego.

Queridos todos, Patrícia Cividanes, Ruy filho, muito obrigada pelo tapete mágico, vocês ainda estão em mim.

Aqui fica o meu desejo de que você que está lendo, vá e que tenha tanto proveito quanto tivemos.
Boa viagem…

Texto publicado no site Yahoo - colunistas