FUNARTE: Celso Frateschi e uma nova oportunidade

A dança das cadeiras girou entre todas as instâncias durante o período de suspense. E na possibilidade da saída de Grassi da Funarte, a entrada de José Miguel Winisk chegou a ser dada como certa pelos noticiários. Nada disso. Surpreendido no último segundo por não ser igualmente mantido, Grassi passa o posto a Celso Frateschi, irmão de Paulo Frateschi, presidente do Diretório Estadual do PT paulista. Perdem os adivinhos, ganha a politicagem partidária.
Celso fora, entre outras coisas, Secretário da Cultura nas gestões Celso Daniel (Santo André) e Marta Suplicy (São Paulo, substituindo Marco Aurélio Garcia, convocado por Lula para ser assessor especial para Política Externa da Presidência). Não conheço seu trabalho em Santo André. Trabalhei com ele na gestão de São Paulo. Então é a ela que me limito.
É fato que aprendi muito nesse período sobre um assunto para mim então desconhecido por completo: política e as entranhas da politicagem com suas barganhas e instrumentais.
Nos dois anos em que Celso permaneceu na Secretaria de Cultura de SP, além de atuações definitivas para a efetivação da Lei de Fomento ao Teatro, por exemplo, três foram os projetos de sustentação de sua proposta de gestão: Galeria Olido, Museu Afro e Museu da Cidade. E esse pensamento administrativo qual presenciei (e participei, não me ausento disso) é, como artista, que me tira o sono ao vê-lo ocupar a Funarte.
Explico. Nos três exemplos há o planejamento típico dos estadistas afoitos em gerar marcas históricas.
No entanto, a criação da Galeria Olido no edifício sede da Secretaria de Cultura, por exemplo, como novo espaço para as manifestações culturais e artísticas contemporâneas da cidade, surge conflituosa à existência do Centro Cultura São Paulo (CCSP), cuja estrutura física, até então, com mais de 20 anos, permanecia inacabada (da construção à eletricidade e especificidades de segurança), e onde a programação cultural, uma das mais dinâmicas e relevantes da cidade, sobrevivia ao desejo de seus funcionários e diretores que se viam novamente abandonados de verbas e soluções. O CCSP lutou para se tornar uma autarquia, e assim aumentar seu poder de diálogo com a distribuição de recursos, porém não era esse o interesse político naquele momento.
Frateschi opta acertadamente também por criar o que seria o mais importante museu brasileiro destinado a representação da história, cultura e arte negras, Museu Afro-Brasil, no antigo edifício da Prodam, Parque do Ibirapuera. Digo “seria” pois na realidade é ele a virtualização de um museu, já que o acervo que o justifica e constitui é de cunho particular, adquirido em forma de empréstimo da coleção de Emanoel Araújo (por vezes ameaçado de ser recolhido pelo proprietário), e as exposições temporárias, condicionadas a capacitação de patrocínios privados, ocasionalmente precisaram ser canceladas por falta de recursos.
Quanto ao projeto de mapeamento da formação histórica de São Paulo até os dias atuais, pelas óticas antropológica, cultural, social, religiosa etc, o que se tem é... Não se tem. O Museu da Cidade não ocupa efetivamente o Palácio das Indústrias (edifício projetado por Ramos de Azevedo, no centro da cidade, antiga sede da Prefeitura), apesar de sua elaboração e produção ter custado uma boa quantia aos cofres públicos.
Não vou aqui julgar caráter ou coisa do gênero, tampouco moralizar as escolhas. Menos ainda confundir Celso político com ator, este de magnitude e talento ímpares. Revelo nas ações a base de uma política cultural que obteve como conseqüências imediatas atrasos de salários dos servidores e agentes culturais contratados para ministrar aulas e cursos nos CEUS (escolas municipais), cancelamento da Lei Mendonça (lei de incentivo fiscal municipal para investimento privado em atividades culturais), adiamento das reformas necessárias no Teatro Municipal e Biblioteca Mário de Andrade, endividamento da máquina pública.
Celso agora tem nas mãos decisões que atingem não um município e sim o país. A Funarte é sem dúvida um dos braços ágeis do Ministério da Cultura para o desenvolvimento de políticas culturais, seja pelo financiar artistas e pesquisas, seja no reconhecimento e premiação de propostas quase sempre concretizadas por essa parceria, dentro e fora do país.
Manter, portanto, a compreensão administrativa de priorização pelo novo apresentada em São Paulo, é certamente conduzir a Funarte ao esvaziamento de sua potencialidade. É preciso que Celso entenda que se administrar políticas públicas é acima de tudo gerenciar escolhas a partir de um planejamento coerente com ideologias construtivas amplas e irrestritas, então o fascínio narcíseo da existência histórica não deve ir além do travesseiro. Hábito saudável apenas enquanto estímulo de processo criativo.
A Funarte, ainda que insuficiente, é fundamental e indispensável.
É torcer para que o passado tenha verdadeiramente lhe trazido amadurecimento, que esqueça a politicagem partidária e, sobretudo, que bons ventos lhe tragam bom senso.
Lembrando o passado e observando o futuro, particularmente eu duvido. Não por Celso, em si, e sim pelo entorno que o acompanha e envolve. Mas como o tempo tem mostrado, quase nunca a futurologia funciona na política.