Antro Particular

03 janeiro 2007

ARNALDO CARRILHO: Há muito do Oriente Médio por aqui

Este novo email do Embaixador Arnaldo Carrilho traça um primoroso percurso das relações entre o Oriente Médio e o Brasil, apontando a perda e abandono da identidade do povo árabe após assentar em novas terras. Com um olhar crítico sobre a história, Arnaldo consegue esclarecer as origens de alguns fatos que se manifestam hoje, e convocar a todos, árabes e não, maior consciência e participação.

Volto a repetir: somos todos responsáveis participantes!

Abraços
RUY FILHO

Meu caro Ruy Filho,

muito obrigado pela inserção dos documentos no blog. O que me constrange no caso brasileiro é que abrigamos, em ondas sucessivas de imigrantes sírio-libaneses e palestinos, cerca de 10.5 milhões de árabes, sem muita consciência de sua arabidade. São mais dos quibes, esfirras, casamentos por interesse clânico, clubes sírio-libaneses e profunda alienação políica. Raros leram Áhmed Cháuki, Adônis, Máhmude Deruíche ou Nizzar Kebbani. Há maronitas que nem árabes se consideram. Certa feita, numa recepção, aprsentei uma diplomata libanesa jovem como "árabe". Protestou. Perguntei se era armênia ou o que fosse. "Não", respondeu, "sou verdadeira libanesa, pois maronita!". Cai o pano...

Desembarcados por aí como turcos, pois com papéis emitidos pelo Império Otomano, partiram do miserê da Grande Síria, que englobava as províncias coloniais libanesa, síria propriamente dita e palestinense. Quanto a esta, sede dos Lugares Santos neo-abraâmicos, até 1882, embora sob domínio turco, viveu à sua maneira, bem levantina, com uma ativa população de agricultores e artesãos, um porto ativíssimo (Iaffa), uma cidade-empório (Náblus), espécie de grande bolsa de mercadorias, e pontos de refrência histórica, como Jenin, Nazaré, Safade, Acre, Haifa, Belém, Jericó, Hebron, Ghazaa...

Ramállah era um doce lugarejo, centro de passagem para viandantes em demanda de Jerusalém (Al Qods), em peregrinação ao Santo Sepulcro, às Mesquitas de Al Aksa e do Rochedo, ao Muro das Lamentações. Os de crença judaica eram autóctones (uns 12 mil resistentes milenares à Diáspora) ou de outras proveniências (sefarádis, iemenitas, iraquis, persas, maghrebinos); os maometanos estavam ali desde a vinda de Ômar e, depois da vitória do curdo-egípcio Saladino sobre os cruzados, postos em sossego; os cristãos, divididos em 16 ritos eclesiais e mais uma meia dúzia de denominações protestantes.

Umas poucas famílias de judeus russos desembarcaram em Iaffa, o milenar porto e maior cidade da Palestina, no ano indicado acima. Tudo bem, deram-se bem com os locais e com estes aprenderam outras ritualidades do antigo judaísmo. Esses adventícios eram askhenazim, convertidos à Lei Mosaica a partir do século VII, o mesmo do surgimento do Islam. Chegaram outros, de origem não-semítica como os anteriores, sem problemas. Interfreqüentavam-se, participavam de festas, dos Eïds islâmicos, das Pácoas e Natais cristãos, dos Pessachs, Hanukkas e Sukkots hebraicos. Havia até, aqui e ali, intermiscigenações.

Nos anos-90, chegaram os sionistas, gente estranha, devotada ao refazimento de uma Pátria Judia, do Mediterrâneo ao Jordão, deste ao Sinai, inspirada nos nacionalismos europeus do século XIX, portanto com ideologia própria: eram excludentes (não admitiam a existência de palestinos árabes), queriam ser uma barreira contra o "asianismo" (como se os israelitas não fossem originalmente asiáticos) e, cedo, revelaram-se tomados de mentalidade colonial.

Dentro de um Império decadente, em desfazimento até sua queda em 1917, criou-se uma Questão da Palestina, herdada por outra Potência, a Grã-Bretanha, que, em acordo com os franceses, partilhou a Grande Síria, os britânicos estendendo-se além-Jordão, derrubando a monarquia hachemita do Hejaz, dominando a Península Arábica, a Mesopotâmia, o Afeganistão, instalando reinados prepostos. Em minha geração brasileira, só me dei conta da existência de um povo palestino em 1967, com a Guerra dos Seis Dias, que quebraria para sempre com os ideais que levaram à criação do Estado de Israel.

O que existe hoje é uma ocupação, já de quase 40 anos, humilhante, colonialista, empenhada em limpeza étnica, exploradora, guerreira - tudo, em desobediência ao Direito das Gentes, a resoluções do CSNU, a convenções internacionais, violentando a Lei Humanitária Internacional, decisões da CIJ na Haia e assim por diante. Serve-se de qualquer subterfúgio, inclusive o de sincretizar-se ao evangelismo estadunidense. Já há seitas evangélicas, inclusive no Brasil, que praticam o Shabbat e tomam Jesus como israelense! Seus fanáticos fiéis, de rala teologia, são recebidos e tratados a pão-de-ló pela Potência ocupante, julgando-se arautos de um ecumenismo capenga, populista, sem qualquer base de solidez cultural e filosófica. São os cristãos-sionistas.

E os árabes brasileiros, que fazem para ajudar a Palestina junto à nossa sociedade, ao nosso Governo? Quase nada. Em compensação, uns 140 mil brasileiros, de fé e cultura judaicas, estão sempre alerta, ativam-se, não deixam passar uma, mesmo que Israel massacre palestinos, libaneses ou quem quer que seja. Se fossem, ao menos, solidários a uns 12% da população israelense conscientizada e militante, como outros cerca de 20 mil judeus brasileiros... O que se sabe no Brasil sobre essa gente?

Sou por dois Estados, pela conquista da paz e da democracia, que não caem do céu, pelo enaltecimento da cultura dos povos, inclusive e sobretudo dos que ainda experimentam conflitos e tragédias induzidas por vetores mundiais de força. Saddam foi executado em Bághdade horas atrás, depois de uma nevasca. Menciona-se a matança de 130 e poucos curdos em suas costas, quando ele mandou matar milhares de iraquis não-curdos. Não se menciona que ele mesmo metralhou um amigo de infância, el-Machádi, chefe baassista, para tomar o poder em 1969, com apoio ocidental. Os guardas estadunidenses só o entregaram à entrada do local do cadafalso. Foi até o fim prisioneiro dos EUA, que o mantiveram ditador por décadas. Será um dia possível a consagração de políticas da verdade ou continuaremos com as mentiras e omissões, factuais e históricas?

Não, meu caro Ruy, o Oriente Médio não é tão longínquo assim. Temos uma longa história em comum com os levantinos. D. Pedro II já esteve aqui, Juscelino Kiubitshek idem, o Presidente Lula ibidem. Mantivemos o Batalhão de Gaza em Ghazaa, em 1957-67, cujas instalações estavam numa localidade hoje ocupada por tanques Merkava IV, um bairro de Khan Yúnis, hoje chamado Hay el-Barazil. Na iminência da inauguração da Copa na Alemanha, por volta de 20 de junho, um menino carregava uma Bandeira do nosso País em meio aos carros armados de Tsahal. Foi fotografado, esboçando um sorriso triste de criança. Saiu estampado em nossa imprensa. Inesquecível aquela foto, superior às falsificações de Iwo Jima (mas que ruim e ambígio o filme do Clint Eastwood!), do içamento da bandeira soviética nas ruínas da cúpula do Reichstag e na Porta de Brandeburgo e a outras mentiras que se tornam monumentos enganosos dos povos.

Votos de um melhor 2007, com abraços do

Arnaldo C.

1 Comments:

  • Olá Ruy!!!!

    Primeiramente quero te parabenizar por este blog que nos faz imergir intensamente no mundo da cultura e da política, além de nos fazer parar pra pensar nas nossas responsabilidades como seres humanos e cidadãos!

    Vc sabe que às vezes vivo apenas em um mundo paralelo não é... o mundo dos animais, meus companheiros lindos que nunca me decepcionam!

    Mas estou falando aq principalmente pra conseguir uma informação!!! O que aconteceu com o e-mail do yahoo da Pat, estou tentando enviar mas só volta, dá como encerrado, é isso mesmo?

    Me passa um contato particular de vcs por favor! Estou precisando de uma ajudinha!

    Grande abraço em vc, na Pat e no Frame!

    Dani

    By Anonymous Anônimo, at 12:24 PM  

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