Antro Particular

08 julho 2008

ENTULHO por...


Priscila Nicolielo
Não posso. Tenho de terminar ENTULHO. Quantas pessoas não reclamaram desta frase que soltei por alguns meses? Renunciei a sessões de cinema, festas de aniversário, outros projetos, respostas de e-mails, encontros com amigos e até show da minha cantora preferida por este texto. Quando ficou pronto, pensei em cada noite que passei sofrendo e encarando o laptop, com meus dedos revezando entre as teclas e a caneca pink de café: valeu cada minuto ansioso, cada formigamento no pé esquerdo, cada ligação que ignorei (Não posso. Tenho de terminar ENTULHO). Este não é só mais um texto. É o resultado de uma boa amizade e de muito trabalho com todos da Cia. de Teatro Antro Exposto. Espero que ENTULHO incomode vocês tanto quanto nos incomodou em seus meses de gestação.


Diego Torraca
Quando olho para essa narrativa, não consigo deixar de elencar tentativas ou estruturar um repertório de ferramentas, que lidam com a percepção que se tem do material excedente. O contato áspero e profano com os objetos e a quase hipnose por aquilo que é sagrado são algumas dessas ferramentas. Se tomarmos emprestado o artifício da vírgula, quando elas separam tais ferramentas, elas não deixam de testemunhar a inevitabilidade do fracasso. Na relação do indivíduo com o espaço, estar acima daquilo que passa a ser trivial, pode ser somente mais uma ferramenta com prazo de validade. As coisas se acumulam e temos que dar conta dessa questão. E quando tudo é “coisificado”, as próprias emoções vão se acumulando em um canto de nós mesmos. Por outro lado, a experiência do vazio pode ser aterrorizadora. Como encarar um universo que se mostra desprovido da opulência daquilo que sacia? O problema do entulho é crônico, por isso, o bom intervalo de uma vírgula, que suspende por um instante o que virá a seguir, pode ser aquilo que se torna essencial. A repetição se torna a rotina de um movimento que segue para a imobilidade, que não encontra outra solução, se não a de ceder e se metamorfosear naquilo que ela tinha como grotesco e vulgar, porém inevitável.


Ruy Filho
A constituição do sujeito está condicionada à maneira como damos realidade aos nossos anseios. Efetivamos as expectativas adornando falsas realizações, compreendidas, cada vez mais, pelo princípio de valor comparativo, e traduzimos a importância de uma existência por sua maior capacidade em se produtificar. Capitalizamos a nós mesmos e nossas relações e desejos, numa troca objetiva pelo ganho imediato, como se tal processo identificasse alguma espécie de superioridade. As substituições do sensível e do simbólico pelo lucro objetivo vem conduzindo à uma padronização do sujeito. Travestimos, hoje, o indivíduo em um nebuloso coletivo de iguais, onde deixara de compor uma representação mítica em uma jornada pessoal, para existir como uníssona presença desprovida de real aspiração. Por conseguinte, nossos desejos tornaram-se massificações de vontades desenhadas para manutenção de uma realidade, seja ela qual for. Afastamo-nos de sonhos ordinários e ingênuos, cujas presenças serviam ao movimento de um estado para a surpresa de uma novidade inesperada. Seguimos juntos para o mesmo monótono e previsível fim sem risco. E nesse processo, nada é mais solitário e dolorido que a busca por se reencontrar indivíduo, por se reconhecer único.