Antro Particular

30 setembro 2009

O PAPA E A BRUXA: Hugo Possolo definitivo

Não gosto de comédia. Prefiro começar esse texto por aqui para deixar claro os motivos que me levam a escrevê-lo. As produções recentes, ao menos boa parte das apresentadas nas últimas décadas, lidam com o indivíduo de maneira óbvia, superficial, caricata em demasia. O riso que pleiteiam, quase sempre, alicerçam-se em preconceitos estúpidos e estruturas manjadas, artificializadas em recorrentes fórmulas do que se entende por engraçado. Enfim, não gosto mesmo de comédia.

Nos últimos dias voltei ao teatro para assistir pela segunda vez, em uma semana, a mesma montagem. Vi ao lado de algumas pessoas e, ao fim, dei-me conta de tantas outras que mereceriam estar lá. Quantas vezes fiz isso? Poucas, ou quase nunca. Nada é mais incomum em mim que a vontade incontrolável do retorno. Porque acredito estar na experiência do momento o encontro com o teatro. Tudo se dá na relação em que feito o público me disponibilizo ao diálogo com o artista. E, ainda que apaixonado, o contato me basta pelo veio único e preenche, por maiores que sejam as identificações alcançadas. Sendo assim, a incontrolável vontade do retorno revelou-se um questionamento: o que ali me transtornara a ponto de querer mais?

A peça em questão é O Papa e a Bruxa de Dario Fo, com tradução de Luca Baldovino e adaptação e direção de Hugo Possolo. A relação de poder eclesiástico é colocada à prova no instante em que o pontífice vivencia a estrutura mais marginal da sociedade.

Que a dramaturgia de Fo é um degrau acima da comum, sabemos. Há na estrutura de seus textos a perspicácia de quem conhece os dois lados: a técnica que torna a palavra instrumento cênico e o patético que constitui o mais humano em nós. Entre a sabedoria (em seu sentido ordinário do possuir o saber) e a ousadia de discursos ousados, Fo genializa a comédia no melhor sentido da palavra, oferecendo ao espectador a mais profunda reflexão sobre si mesmo, a sociedade e as estruturas de poder, sejam estas econômicas ou religiosas. Em O Papa e a Bruxa, a reunião das duas esferas - poder e religião - ri da fé como é consolidada em nossas carências, em nossas necessidades de pertencer a uma história maior. Nada mais patético que a busca pela sobrevida, pela existência paradisíaca, como se dar continuidade à existência fosse suficiente para nos traduzir mais próximos ao humano. Nada mais palhaço que descobrir no próprio homem a falência de sua humanidade.

E é aí que a montagem dos Parlapatões vence a comédia e se faz diálogo. Hugo Possolo descostura as dobras frágeis do riso, capazes de levar o espectador a compreender a si mesmo pelo ridículo, e faz, de maneira eficaz, uma provocação benéfica ao bom senso e aos nossos valores. Poucas vezes assistimos comediantes que utilizam o riso como exposição do próprio espectador. E esta é a vantagem de Hugo ser, antes de qualquer coisa, palhaço. Daqueles que não precisam mais de estereótipos históricos ou narizes vermelhos para nos conduzir ao picadeiro.

Sem sombra de dúvida, O Papa e a Bruxa, e precisamente o Papa de Hugo Possolo, é um de seus melhores trabalhos. Maduro, consistente, eficiente. Daqueles que, antes de ser ator, é artista e faz de sua arte força de ação para elevar o trabalho ao patamar de discurso. Discurso esse que se manifesta amplificado na capacidade de Hugo em compreender as entrelinhas, os subtextos, dar vazão aos timbres e olhares.

O Papa e a Bruxa resolve a cena cômica do instante e serve de modelo àqueles futuros profissionais do humor. São 18 anos de Parlapatões. E a maturidade chega em formato definitivo. Não gosto de comédia, insisto. Mas aprendi a rir de mim mesmo e me olhar no espelho um pouco mais envergonhado.