silêncio gritante
Era a última aula, no último dia desse semestre. Raramente atendo o telefone na sala, apenas quando espero alguma ligação. Desta vez atendi. Entre a correria de dar prova, avaliar os trabalhos finais, notas, faltas e diários, a imagem da Patrícia no meu celular me fazia acreditar que algo era urgente. Sim, pois ela sabia o quanto eu estava atrapalhado, atrasado e com o tempo apertado para chegar em casa, fechar malas e ir para o aeroporto. A idéia de retornarmos a Paris só despertara dois dias antes, no Centro Cultural Rio Verde. Uma puxada mais profunda de ar, o olhar no céu escuro depois do temporal que alagou toda a rua até os vidros do carro, e a constatação que o cansaço e o trabalho não permitiam: em dois dias estarei em Paris... Uma noite antes do tal toque no celular, fomos à praça Roosevelt. Despedir dos amigos, agradecer o carinho a outros. Eram pouco mais de uma hora quando, na calçada dos Parlapatões, falamos com Mário Bortolotto e demos os boas-noites.
Era preciso atender aquele toque insistente. Do outro lado, chorosa, Patrícia diz: Mário levou três tiros nessa madrugada nos Parlapa. Alunos em volta, outros professores, os olhos marejados. Terminei o que precisava terminar. Por todo o trajeto até em casa as lágrimas não desistiam. Não sou tão sensível à violência em si. Sou às pessoas. Mário é uma das pessoas mais belas que conheço, tímido ao seu jeito, delicado, humano. Carcará e Guta passavam bem. Mas a dor não diminuia. Queria correr ao hospital e me sentar em qualquer canto sem ser notado. Uma sala ao lado, esquecido, longe de outros e flashes e entrevistas e... sei lá. Queria estar lá. E só. Mas tinha a viagem. E tinha a Patrícia e nosso sonho. E tinha a saudade da casa francesa. No aeroporto de sp, ainda, converso com amigos que me dizem que Mário está sendo operado. Onze horas depois, no aeroporto de Paris, Diego me avisa que ele estava estável. Passamos, eu e Patrícia, a primeira noite intercalando Mário em nossas conversas. E o segundo dia. E não é diferente hoje. O homem é complexo em sua capacidade de ser múltiplo. A felicidade é imensa por estamos aqui. Ontem vimos Lepage, depois será Jerome Bell, o convite para uma vernissagem no Louvre. Só que vamos em três, agora. Mário vai junto. Sempre. Colado aos nossos corações.
2 Comments:
ta foda meu querido, estamos todos aqui na torcida e parece que está correndo tudo muito bem. ele vai sair dessa... pode crer... aproveite bem a viagem e volte bem descansado pra muito trabalho... abraço
By PANKADA, at 12:24 PM
Querido, ele sobrevive bravamente, e em todas as luzes...tenham-no na cidade luz e iluminem-se de alegria e as melhores energias, serenem, vivam vibrantes por vocês e todos nós, beijos no coração procê e Pati, muitos, Cacalo.
By Antonio Carlos de Almeida Campos, at 3:49 PM
Postar um comentário
<< Home