A ENTREVISTA: a dramaturgia a serviço do ator
Postado na hospedagem anterior do blog na sexta-feira, 11 de março de 2005
16:29:33
Antes de começar, vou deixar aqui um pensamento de Antunes Filho, solto durante um debate, anos atrás, quando afirmou que para se ter novos grandes atores é preciso haver uma boa dramaturgia...
Na estréia, em São Paulo, de A entrevista, muitos eram os nomes importantes distribuídos na platéia. Respeito. Talvez seja esta a maior característica da dramaturgia de Samir Yazbek. Os textos atentos à condição humana e a relação com o outro, depois de anunciados pela mídia, são aguardados com certo silêncio e suspense. O que se espera é encontrar o trabalho anterior mais amadurecido. E tem sido assim sucessivamente. O autor se lança desafios em uma cadeia de complexidades cada vez maiores, onde associa a relação entre a simplicidade de cenas comuns com a verticalização precisa sobre as personas de seus personagens. E nada mais grato ao público que isso. Espetáculos compreensíveis, densos, existenciais.
Enquanto muitos jovens optam pelo experimentalismo e buscam conceitos novos para seus trabalhos; enquanto grupos se apropriam de propostas, primeiramente originais, transformando-as em estratégias para ganhar aplausos; Samir Yazbek calca seu trabalho no teatro tradicional, sobre o palco italiano, em narrativas lineares cujas interpretações realistas são próprias do tido por teatro comercial. Mas há um hiato neste conturbado teatro comercial. Samir é capaz de agradar aos domingueiros das salas e aos críticos, dos artistas conservadores aos jovens experimentalistas, provocando o sistema e comprovando que a acessibilidade da cena pelo público também requer experiências. Quantos tidos por grandes dramaturgos, hoje, conseguem tal abrangência de seu público? E não é exagero afirmar que Samir já possui um público.
Em A Entrevista, a vida e os problemas emocionais, crises, dúvidas, anseios, medos, dentre tantos aspectos comuns a todos nós, são arrancados pelo entrevistador frente sua convidada, uma escritora de porte vanguardista, reconhecida, cuja produção passada a elegeu a mais importante de sua geração. Apropriando-se da vida privada em comum, o entrevistador abusa com indagações dúbias que ao espectador do programa parecem um mergulho na alma da escritora, mas que escondem a eterna discussão de relação.
O que poderia ser o mote central da peça ganha uma nova camada através das respostas soltas pela escritora, quando analisa, por uma auto-reflexão, quais os caminhos da arte, do artista, do público, da criação. E aí talvez esteja o único ponto delicado da peça. É fascinante a dramaturgia construída quando Samir consegue metaforizar a relação entre os dois com dizeres críticos sobre a experiência da escritora com a criação literária.
Contudo, sobretudo no início, as considerações da personagem surgem quase que panfletárias. Há razões no que está sendo questionado, mas o questionar diretamente é menos interessante cenicamente do que o jogo elaborado de meias-palavras e sentidos duplos para o embate entre os dois.
Se por um lado este caminho metafórico de entrevista e reencontro precisa continuar sendo lapidado pela dramaturgia - tarefa nada fácil -, por outro a interpretação de Lígia Cortez revela as facetas de uma genial atriz. Limitada ao próprio estado da personagem frente às câmeras, Lígia consegue transmitir de forma impecável o desconforto da personagem em ser quem é o entrevistador. Respirações perfeitas, silêncios necessários. O que Lígia mostra sozinha no palco, enquanto o entrevistador, conduzido em off por Marcelo Lazaratto, poucas vezes pôde ser visto no teatro nos últimos anos. A direção, também de Marcelo, deixa livre o campo para que a encenação seja construída pelo texto, e este se oferece generoso à performance de uma grande e madura atriz.
Fica um pequeno deslize ao fim, quando Marcelo entra em cena como o entrevistador. Frio, distante da cena no palco, o ator/diretor fica a dever prejudicado em sua própria armadilha. Será mesmo necessário o encontro final entre os dois? O acréscimo aos personagens é pouco e a situação se torna redundante ao dito durante o desenrolar da peça. A não-presença do personagem é mais forte que sua visão em cena, e fica um desejo de apagar sua aparição.
A Entrevista é de fato uma obra construída em conquistas. Equívocos, erros, são poucos, aceitáveis em um processo, mas não há dúvida que o texto possui enormes qualidades. Talvez estejam aí os elementos para avaliarmos as considerações de Antunes Filho.
16:29:33
Antes de começar, vou deixar aqui um pensamento de Antunes Filho, solto durante um debate, anos atrás, quando afirmou que para se ter novos grandes atores é preciso haver uma boa dramaturgia...
Na estréia, em São Paulo, de A entrevista, muitos eram os nomes importantes distribuídos na platéia. Respeito. Talvez seja esta a maior característica da dramaturgia de Samir Yazbek. Os textos atentos à condição humana e a relação com o outro, depois de anunciados pela mídia, são aguardados com certo silêncio e suspense. O que se espera é encontrar o trabalho anterior mais amadurecido. E tem sido assim sucessivamente. O autor se lança desafios em uma cadeia de complexidades cada vez maiores, onde associa a relação entre a simplicidade de cenas comuns com a verticalização precisa sobre as personas de seus personagens. E nada mais grato ao público que isso. Espetáculos compreensíveis, densos, existenciais.
Enquanto muitos jovens optam pelo experimentalismo e buscam conceitos novos para seus trabalhos; enquanto grupos se apropriam de propostas, primeiramente originais, transformando-as em estratégias para ganhar aplausos; Samir Yazbek calca seu trabalho no teatro tradicional, sobre o palco italiano, em narrativas lineares cujas interpretações realistas são próprias do tido por teatro comercial. Mas há um hiato neste conturbado teatro comercial. Samir é capaz de agradar aos domingueiros das salas e aos críticos, dos artistas conservadores aos jovens experimentalistas, provocando o sistema e comprovando que a acessibilidade da cena pelo público também requer experiências. Quantos tidos por grandes dramaturgos, hoje, conseguem tal abrangência de seu público? E não é exagero afirmar que Samir já possui um público.
Em A Entrevista, a vida e os problemas emocionais, crises, dúvidas, anseios, medos, dentre tantos aspectos comuns a todos nós, são arrancados pelo entrevistador frente sua convidada, uma escritora de porte vanguardista, reconhecida, cuja produção passada a elegeu a mais importante de sua geração. Apropriando-se da vida privada em comum, o entrevistador abusa com indagações dúbias que ao espectador do programa parecem um mergulho na alma da escritora, mas que escondem a eterna discussão de relação.
O que poderia ser o mote central da peça ganha uma nova camada através das respostas soltas pela escritora, quando analisa, por uma auto-reflexão, quais os caminhos da arte, do artista, do público, da criação. E aí talvez esteja o único ponto delicado da peça. É fascinante a dramaturgia construída quando Samir consegue metaforizar a relação entre os dois com dizeres críticos sobre a experiência da escritora com a criação literária.
Contudo, sobretudo no início, as considerações da personagem surgem quase que panfletárias. Há razões no que está sendo questionado, mas o questionar diretamente é menos interessante cenicamente do que o jogo elaborado de meias-palavras e sentidos duplos para o embate entre os dois.
Se por um lado este caminho metafórico de entrevista e reencontro precisa continuar sendo lapidado pela dramaturgia - tarefa nada fácil -, por outro a interpretação de Lígia Cortez revela as facetas de uma genial atriz. Limitada ao próprio estado da personagem frente às câmeras, Lígia consegue transmitir de forma impecável o desconforto da personagem em ser quem é o entrevistador. Respirações perfeitas, silêncios necessários. O que Lígia mostra sozinha no palco, enquanto o entrevistador, conduzido em off por Marcelo Lazaratto, poucas vezes pôde ser visto no teatro nos últimos anos. A direção, também de Marcelo, deixa livre o campo para que a encenação seja construída pelo texto, e este se oferece generoso à performance de uma grande e madura atriz.
Fica um pequeno deslize ao fim, quando Marcelo entra em cena como o entrevistador. Frio, distante da cena no palco, o ator/diretor fica a dever prejudicado em sua própria armadilha. Será mesmo necessário o encontro final entre os dois? O acréscimo aos personagens é pouco e a situação se torna redundante ao dito durante o desenrolar da peça. A não-presença do personagem é mais forte que sua visão em cena, e fica um desejo de apagar sua aparição.
A Entrevista é de fato uma obra construída em conquistas. Equívocos, erros, são poucos, aceitáveis em um processo, mas não há dúvida que o texto possui enormes qualidades. Talvez estejam aí os elementos para avaliarmos as considerações de Antunes Filho.
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