Antro Particular

19 agosto 2008

O PRÍNCIPE CHEGA AO PALÁCIO

Vou me ater aos fatos, meramente. A saída de Gilberto Gil do Ministério da Cultura e a transferências do comando para Juca Ferreira trazem novas expectativas entre artistas e agentes culturais. A reavaliação da Lei Rouanet e o olhar mais disponível para as intersecções entre processos discursivos e televisão (entendendo-a na abrangência de suas novas configurações técnicas, a partir da era digital) lançam ao vento certo sabor de mudança na política cultural do ministério, neste final de mandato petista.

Se durante o mandato Gil os carros-chefes foram os Pontos de Culturas e a proteção das manifestações populares, assim como a produção audiovisual, Juca aponta para um processo expansivo dessas atuações, requerendo, junto ao Governo Federal, maior verba destinada ao Ministério.

Até aí, a leitura dos fatos se dá perfeita. É preciso sim aumentar o fôlego de ação e a televisão é, cada vez mais, fundamento determinante na constituição de nosso imaginário. Que outros nomes perambulam pelo Ministério capacitados para deslizar por dentro desses universos, também está claro, como Cláudio Prado, interlocutor e idealizador do programa de inclusão digital.

As questões a serem levantas, porém, devem abranger periferias mais indigestas. Hoje, qual é de fato o papel da Lei Rouanet na consolidação de pluralidade cultural? Dobrar a verba original resultará em melhor aplicação e distanciamento dos vícios vigentes? Dificilmente. Um prognóstico: projetos de um milhão passarão a dois, os de dois a cinco...

Como explicar os ingressos de R$ 80,00 para Hamlet, com Wagner Moura, sendo o espetáculo incentivado? Claro, os altos custos da produção, divulgação e os salários etc etc. Um cálculo simples, despojado e despretencioso. 400 lugares (mais ou menos a disposição de poltronas no teatro) vezes 3 apresentações semanais vezes 15 semanas... Ou seja, 45 apresentações... Melhor, 18.000 ingressos. Ok, vamos imaginar que a lotação se resuma a 75% e que toda a platéia seja estudantil, portanto pagante apenas de meia-entrada, R$ 40,00. Isso prevê uma arrecadação, ao fim da temporada, de R$ 540 mil. Tudo bem, vamos tirar ainda 50% para pagar teatro e outros gastos básicos. R$ 270 mil, então? Divididos em vinte pessoas, cada qual com sua proporcionalidade, daria cerca de 13,5mil em média. Ou, 4,5 mil ao mês para cada integrante da equipe. Pouco? Então não esqueça que o espetáculo é financiado via Lei Rouanet e que os gastos previstos de produção, salário e mídia estão sendo pagos pelos patrocinadores. E vamos ser sinceros. É obvio que o público não será formado apenas por estudantes, tampouco que as apresentações não estarão, em grande parte, ocupadas com sua capacidade máxima, sendo Wagner um dos artistas mais interessantes da nova geração, justiça seja feita.

Nada contra ninguém, verdadeiramente. Uso Hamlet como bode expiatório, apenas, para demonstrar que o uso correto e legal da Lei Rouanet não determina, em nenhuma das suas fases, um dialogo concreto com as realidades do país e brasileiro.

Dois ingressos, estacionamento e um par de cafés e pães de queijo. Duzentos reais para um casal adulto assistir a uma peça?

Então por que artistas de todos os portes, inclusive os de Wagner, atuam de maneira tão desesperada por recursos? Falta de compreensão da realidade brasileira? Duvido. Uma porcentagem mínima dos projetos criados chega ao fim da cadeia alimentar e consegue ser efetivado. Artistas e produtores culturais sabem disso desde sempre, e tentam sobreviver buscando em um projeto os ganhos reais de vários. Na impossibilidade de realizar diversos trabalhos durante um ano, escolhe-se o mais propício a altos custos e ajusta-o para que o lucro, salários + bilheteira, substitua a pluralidade e resolva a vida em apenas um. Duzentos mil uma peça? Então passemo-la a meio milhão...

Se este é o caso do Hamlet citado, não sei. Nem me importo. Essa é sem dúvida a vigência absoluta do pensamento de artistas e produtores.

O que fazer, então?

Espero que Juca Ferreira saiba. Do contrário, os poucos escolhidos pela mídia continuarão abocanhando os recursos disponíveis enquanto, de fato, pouco ou quase nada se vê produzido de valor. Um novo ministro. Um final de mandato. Ano eleitoral. Quer momento mais propício para repensarmos os vícios cristalizados na administração cultural do país?

Como Hamlet, fico eu, aqui, à espreita pelos corredores do palácio escutando os reis e me misturando aos plebeus. Só espero não chegar ao encontro dos coveiros por isso...