Antro Particular

12 dezembro 2008

Ministério da Cultura se posiciona sobre a prisão de Caroline

O Ministério da Cultura vem a público a fim de que se busque uma saída na esfera cultural para o impasse decorrente do ato e da prisão da jovem Caroline Piveta da Mota, de 23 anos de idade. Ela integrava o grupo que pintou com tinta spray o edifício da Bienal de São Paulo, no local onde os curadores da 28 mostra estabeleceram um espaço vazio de interação com o público. Cremos ser legítima a preocupação, manifestada por muitos artistas e agentes culturais do país, com os desdobramentos que podem criminalizar uma atitude que tem características culturais, muito embora não concordemos com a agressão simbólica proposta e nem tampouco com os textos divulgados como de autoria do grupo.

Temos buscado o diálogo constante com grupos jovens dos centros urbanos e das periferias das grandes cidades por acreditar que esta é a forma mais eficaz e duradoura de combater os impulsos violentos que são gerados em meio a desagregação reinante em tais ambientes de fragilidade sociocultural nos quais vivem estes indivíduos. Contudo, cremos que a agressividade simbólica ainda aparece como “alternativa”, de forma ilusória, a estes jovens submetidos a um cotidiano de violência, e passa a ser a “compensação cultural” por vezes a seu alcance para fugir do crime ou da marginalidade de fato. Devemos recordar que, desde muito, essas populações tem suas formas de expressão e de linguagem enquadradas como atos de violência e desrespeito social, como foram as rodas de capoeira no passado, os bailes funks nos dias correntes. O que não podemos esquecer é que a cultura toma caminhos que fogem do padrão estabelecido para expressar conteúdos latentes nas formações sociais emergentes. Não desconhecemos que estas situações podem, vez ou outra, superar o âmbito criativo, mas devemos ainda lembrar que isso ocorre também pela falta de comunicação social e pela pouca acessibilidade destes cidadãos aos bens diversificados de nossa cultura e de nossa arte. Temos certeza que tais conflitos precisam ser trabalhados pelas políticas públicas e pelas instituições de modo a evitar uma maior desagregação do tecido de nossa sociedade.

Acreditamos que os mais de 40 dias de prisão guardam desproporção com o ato da jovem, porque tal medida pode gerar uma intensificação dos conflitos que buscamos combater, uma vez que se tornaram um problema real. O ato dos jovens, por mais que discordemos dele, não deve ser criminalizado como se ocorresse uma pixação e depredação do patrimônio cultural ali protegido por lei. Ele aconteceu num espaço específico em que era permitido a todo visitante exercer seu livre e vivo contato com o lugar simbólico da Bienal, uma mostra de arte na qual, segundo a imprensa, muitos outros grupos e indivíduos manifestaram-se da mesma forma, protestando contra ou aderindo ao conceito curatorial, com ações diferentes. O grupo de jovens reivindica o estatuto artístico e cultural ao seu ato. Quem deve julgar e avaliar tal mérito são as instituições culturais, os críticos e historiadores da arte, através dos recursos da reflexão e do debate público. Cremos que o papel do estado é garantir esse espaço público de discussão e apreciação dos valores contemporâneos, evitando que o poder público decida em favor de nenhuma parte e em prejuízo ao todo que forma a cultura. Peço encarecidamente que as instituições culturais e os poderes públicos do país cuidem para que possa ser mantido o ambiente democrático de diálogo e o direito de todos à diversidade de suas manifestações culturais.

Juca Ferreira
Ministro da Cultura

8 Comments:

  • O “artista” nu que realizou sua performance na Bienal não foi preso por "ato obsceno" a “pixadora” continua encarcerada como vândala. Há ai uma distinção interessante (Gerald Thomas, conheceu na pele está distinção).
    É questão difícil saber até que ponto a liberdade de expressão retira a "tipicidade" de certas condutas. Muitos volumes já foram escritos sobre isso por constitucionalistas e teóricos do direito dos mais renomados, no entanto, ao final, me parece que a resposta só pode ser encontrada na análise do caso concreto.
    Encerro então citando Peter Häberle, uma das maiores autoridades em teoria da Constituição, segundo este autor todos aqueles que vivem a Constituição são seus legítimos intérpretes, sendo necessária uma visão integrativa, e o Poder Judiciário, quando atua como órgão de controle, necessita captar esse sentimento geral.
    Se me entristece saber que em meu País esta jovem permanece presa há 40 dias, fico feliz em saber que, ao que tudo indica, vivo num pais em que a Constituição é interpretada por muitos daqueles que a vivem no sentido de que ela deveria estar livre. Veremos como o judiciário interpretará o seu texto...

    By Blogger Thomaz Junqueira, at 5:20 PM  

  • concordo com o Juca, continuemos assim. ao dispor
    Contrera

    By Blogger Contrera, at 7:46 PM  

  • Alguém entre com habeas corpus, caralho! Por que só o Dantas pode pensar nisso? Ah, se eu fosse advogado (e bem sucedido, para poder me dedicar a isso)... Consultem um bom advogado!

    By Blogger Contrera, at 11:40 PM  

  • Ao meu modesto ver a situação é de uma complexidade impressionante e, nenhuma solução pode ser dada, nenhum encaminhamento pode ser realizado por meio da violência, mas sim por meio do diálogo e tentarmos compreender a posição do outro, tanto dos pixadores, como da curadoria e dos que se sentiram (e foram) agredigos.
    À primeira vista, eu não consigo ver na pixação um genuíno ato de produção de cultura artística, se é que este conceito tem algum valor neste caso. Provavelmente se trate de mais dos sintomas da nossa decadência - em todos os sentidos. Mas isso não encerra a questão, pois temos inúmeros fatores econômicos e sociais envolvidos aqui... pobreza, alienação cultural, empobrecimento educacional, descaso com a população humilde, etc.
    Em segundo, não acredito que a prisão seja a solução para a questão. Deter um ato que transgride de forma violenta, como é o caso da manifestação de pixação é uma coisa (qualquer um procuraria deter a pixação de um trabalho seu...),mas deter, impedir, não é prender indefinidamente e dentro de um sistema carcerário que nada faz para remediar ou recuperar, a prisão prolongada não fornece nenhuma solução, nenhuma reparação, muito menos um encaminhamento para uma visão mais madura para todos. Somente transforma um dos sujeitos do ato inicial de violência (a pixação) em um mártir e objeto de mídia.
    Eu penso que existem muitas outra formas interessantes e não destrutivas de se protestar. No caso da pixação, penso também que os autores não deveriam fugir nem reagir, mas ter assumido o seu ato, a sua assinatura, deixando-se em bloco ser presos. Isso seria algo significativo e temos inúmeros exemplos na história do Século XX que a reação política passiva resulta em mais conscientização e ganhos históricos.
    Se pensar a questão da psicanálise, existe um certo falicismo não declarado de potência no ato, mas que não assume a sua identidade. Na cidade de Diadema, muitos jovens usam o graffite como forma de expressão organizada e produzem efeitos de sentido altamente significativos.
    Por outro lado, a carta do Ministro Juca mostra que o representante possui uma sensibilidade e maturidade esperadas para o cargo e espero que ele possa intervir de modo que promova a cidadania.
    Eu gostaria de melhor entender a posição do jovem que opta pela pixação, dos jovens que são capazes de cobrir o trabalho do outro com a pixação. Se eu pudesse pedir algo que fosse feito, poder não possuo, pediria pela soltura de Caroline e o início de um processo de diálogo com estes jovens.
    Por quê? O porque disso é que me lembro de memória de um trecho de uma música-poesia brasileira de Arnaldo Antunes que diz:
    "(Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto)

    bebida é água.
    comida é pasto.
    você tem sede de quê?
    você tem fome de quê?
    a gente não quer só comida,
    a gente quer comida, diversão e arte.
    a gente não quer só comida,
    a gente quer saída para qualquer parte
    a gente não quer só comida,
    a gente quer bebida, diversão, balé.
    a gente não quer só comida,
    a gente quer a vida como a vida quer.
    bebida é água.
    comida é pasto.
    você tem sede de quê?
    você tem fome de quê?
    a gente não quer só comer,
    a gente quer comer e quer fazer amor.
    a gente não quer só comer,
    a gente quer prazer pra aliviar a dor.
    a gente não quer só dinheiro,
    a gente quer dinheiro e felicidade.
    a gente não quer só dinheiro,
    a gente quer inteiro e não pela metade.
    bebida é água.
    comida é pasto.
    você tem sede de quê?
    você tem fome de quê?"

    Do quê temos fome nós?
    Do que tem fome Caroline?
    Do que tem fome a Coradoria?

    Descubro quando escrevo este Comentário que tenho fome de diálogo, fome de poder entrar em uma conversação na qual eu e o outro possamos discordar e continuarmos a dialogar, sem que nenhuma de nossas vozes sejam caladas por qualquer gesto violento ou interdição.
    Talvez então a arte possa florescer entre os espaços de nosso diálogo.
    Libertar Coroline, iniciar um diálogo, aceitar que temos posições de pensamento diferentes, sermos gente, ser brasileiros, crescermos como diz Kant: atingirmos a maioridade.
    Eis o que penso.
    Luís Carlos Petry

    By Blogger alletsator, at 1:23 AM  

  • Thomaz,

    a discussão é sempre polêmica quando não se parte do diálogo. Qualquer autoritarismo-surdo estabelece opressões. Seu comentário é perfeito. Limitamos os acontecimentos, sempre, à superficialidade dos fatos, e nos esquecemos de sua perspectiva maior. A constitucionalidade de uma ação ou a compreensão dessa, por vezes transforma certezas em matérias para revisão.

    Um enorme abraço ao meninos em Brasília. Rato, DiMenor.

    E obrigado pelo poema. Adoramos!

    Beijos, querido.

    By Blogger Ruy Filho, at 4:58 PM  

  • Matou à pau, Contrera! Pro Dantas, tudo. Pra Caroline...

    By Blogger Ruy Filho, at 4:59 PM  

  • Luís Carlos,

    Talvez a grande questão que envolva a reação à ação de Caroline, seja o fato de ter a pichação sido praticada sobre uma parede branca! Nenhuma obra fora atingida ou danificada. Nenhum artista desrespeitado.

    Uma parede que, no dia seguinte, novamente permanecia limpa e branca.

    E as manifestações, em frente a Bienal, com caixões, encenando o enterro dos curadores? As faixas de protesto queimadas?

    Caroline, ainda que sem qualquer consciência de sua atitute, apenas atacaram uma parede! Suficiente para estar tantos dias enclausurada?

    Condenada, o sendo, dividirá cela com assassinas?

    Pichar é tão violento assim?

    Quem me dera os grandes crimes no Brasil se solucionassem com baldes de água, sabão, e latas de tinta.

    Assusta-me mais perceber a incapacidade de nossos artistas em dialogar com questões sociais, do que a mediocridade da lei.

    Abraços.

    By Blogger Ruy Filho, at 5:08 PM  

  • Eu também concordo que o tratamento dado ao caso é inadequado e revelador das dificuldades de nossa sociedade e sistema lidarem com a diferença e o protesto.
    Em primeiro lugar a menina não deveria receber o tratamento dado a sujeitos que, quando transgridem as leis, são definidos como criminosos. O próprio termo "criminoso" é algo muito, mas muito complexo. Prefiro pensar na categoria do "Mal", tal como a pensa Alain Badiou em seu livro "ETICA - UM ENSAIO SOBRE A CONSCIENCIA DO MAL",
    link: http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=164732&sid=0152152861012103513594974&k5=2EF3184&uid=. Sob este prisma de análise a jovem não agia no sentido de prejudicar "x" ou "y" ou ainda mesma pelo desejo sádico de destruir, mas manifestando um comportamento de protesto, certamente.

    Mas a situação é deveras complexa e mereceria um grande debate que estivesse livre de preconceitos ideológicos, sociais, etc.

    Lembro de uma situação, em 1973, quando realizávamos uma exposição de arte (em um grupo de investigação de linguagens). Nosso grupo era constituído por um grupo de artistas em formação que estavam a realizar sessões de estudos e trabalhos já há um ano e a exposição nada mais era do que a mostra de nosso percurso. A exposição teve alguma repercussão e, infelizmente, um colega artista, de grande qualidade e com um percurso maior que o nosso que sentia que deveria estar na exposição realizou um protesto no segundo dia que simplesmente consistiu em começar a derrubar os trabalhos aos chão, com isso quebrando vidros e molduras. A polícia interviu e deteve-o quando já havia destroçado alguns trabalhos. Quando chegamos solicitamos a soltura do mesmo e que não realizaríamos queixa policial. A leitura de Freud nos dizia da ação sádico-narcísica do colega que não suportava não estar participando sempre das exposições. Mas não era uma "exposição coletiva". Na realidade era uma "simples mostra de trabalho, de processo".

    Então eu penso que Caroline deveria ser amparada, mas não justificada em seu ato. Devemos pensar em formas de conduzir a situação de maneira que o desfecho tristemente visualizado por você não venha a ocorrer: "Condenada, o sendo, dividirá cela com assassinas?" Até onde sei, e é pouco, sendo primária, no caso de condenada, ela poderá cumprir pena em liberdade e realizando trabalhos comunitários.

    Conversei com colegas sobre o tema, porque creio que precisamos discutir esta questão. Considero que esta situação e as questões que introduz mereceria um Colóquio na Universidade. Tomando o pressuposto de que nenhuma obra de artista foi pixada na manifestação na qual Carolina participou ela não pode ser classificada como "ato de agressão", mas sim como um "ato de protesto". Daí advém o problemático: os manifestantes deveriam estar conscientes de que se tentariam detê-los e poderiam ser presos e, a meu juízo, eles deveriam contar com esta possibilidade ao favor do protesto, como o fez Ghandi em seu movimento. Quando reagiram e tentaram fugir (o que ocasionou a quebra de vidros), detonaram-se os fatos que os prejudicaram. Em suma, a pixação na Bienal deveria ser lida por nós como uma manifestação de protesto, talvez derivada da ingenuidade da juventude e, certamente um pouco desajeitada. Precisaríamos tomar conhecimento das razões dos sujeitos da pixação, não por meio de outros que simpatizam com eles, mas pelos próprios sujeitos. Assim a coisa poderia ajudar no crescimento da cidadania.

    Agora outro aspecto: o da agressão. Se disse que a manifestação na Bienal não pode ser considerado como uma agressão, existem pixações que são agressões materiais sem objeto final. É o caso da pixação do muro da casa do lado da minha, com inscrições ideogramáticas a tinta óleo. A casa é de um Senhor viúvo, aposentado, com mais de setenta anos e a sua parede é de pedra - a tinta da pixação, de spay é a óleo. Para tirar ela não basta água. Fiz o levantamento hoje dos custos para retirar os ideogramas: pintoff em gel mais ácido e mão de obra, num total de trezentos reais. O Senhor idoso certamente não terá este valor para realizar o trabalho. Eu sempre me perguntei o motivo pelo qual não temos espaços para a livre expressão do graphismo. Certamente que existem muitos em São Paulo e, muito mais e Diadema. Uma tese (na PUCSP) que li sobre o tema da pixação a define o campo dela a partir do anonimato exibicionista e narcísico. Ora, este não foi o caso da pixação na Bienal, pois foi realizado em tempo real, durante a própria mostra. É um protesto, certamente e, como tal, deveria ser tratado e encaminhado.

    Enfim, quando citei Arnaldo Antunes, era no sentido de que faltam muitas coisas para a nação como um todo e, para os jovens chamados "da periferia". Coisas que julgo que eles tem direito genuíno. Coisas que lhe são subtraídas e pelas quais somos todos nós responsáveis, "a elite" que pode comentar na WEB inclusive. De minha parte, eu irei enviar um e-mail para uma colega que é advogada e pedir que ela analise o caso e veja o que pode ser feito para advogarmos em defesa da menina e da questão (existem os direitos humanos). Irei convidar os colegas da PUCSP, professores, a contribuir para as custas da ação. Digo isso porque a matéria começada pelo Rui me faz pensar que temos de colaborar e, talvez esteja dizendo isso enquanto alguém já tenha tido esta ação.

    Abraços, Luís Carlos Petry

    By Blogger alletsator, at 8:04 PM  

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