Antro Particular

31 dezembro 2008

2009: só nos resta seguir

Não espere o seu país. Esqueça esse tal de Brasil. O Lula ou qualquer outro. Desista de ser representado e ver tua velhice garantida com políticas responsáveis e boas idéias. Isso não acontecerá. Não deu certo com os políticos passados, atuais, e não dará com os próximos, mesmo com o aumento no número de vereadores. Não espere estar entre eles aquele que servirá ao seu melhor. No próximo ano, a única atenção será a eleição de 2010. Portanto, você não está nos planos de ninguém, apenas o seu voto.

Lamento informar, o sonho do biocombustível está prestes a desaparecer. O barril de petróleo, hoje ao custo próximo de quarenta dólares, torna inviável outro tipo de investimento. O baixo preço do petróleo faz com que as novas reservas se desvalorizem frente ao mercado global. O petróleo não vale mais tanto assim. Será preciso dar tempo e sorte a muitos fatores para que as coisas retornem ao otimismo. Então esqueça a sonhada riqueza, a força atrás da mesa nas negociações mundiais. Permaneceremos, por hora, terceiros, como sempre, assistindo aos primeiros definir nossos valores.

Esqueça o futuro guardado na poupança, investimentos fixos ou em ações (se você teve coração forte). Não existem mais. A crise norte-americana é de todos, está a sua porta, em sua geladeira. Empresas morrem todos os dias, sem distinção ou gênero. Não acredite em sorrisos. Não ouça promessas inconseqüentes. Haverá desemprego sim. Queda nas exportações. Aumento nos importados. Ficaremos ilhados em nossos problemas, enquanto os outros cuidam de si. Inchaço da dívida pública, menor circulação de capital e quem sabe será preciso um aumentozinho de juros para nos dar o passo final ao interior do abismo. Aquela viagem, o vestido, a bela ceia de natal, os presentes sob a árvore serão os dragões a te perseguir por muito tempo. Seu trabalho, em risco de extinção, virará dívidas. Seu futuro certo, um presente desespero.

Não espere que Obama possa resolver sua vida. Ele não é um personagem de Hollywood. Muito menos um super-herói. Não haverá efeitos especiais. Como discursara, ele é o presidente dos Estados Unidos, e é para ele que irá trabalhar, para manter a nação forte, mantê-los líderes, ainda que seja necessário o uso da força. Sendo assim, fique na tua. Ele não é teu, brasileiro. É deles. Mas não sinta inveja. Não seja bobo. O cara recebeu dentro das gavetas algumas guerras históricas, outras provocadas sem justificativas, outras em explosão, uma crise financeira incontrolável, o planeta como inimigo, inimigos de sua cor, origem, ancestralidade... Como salvador, a melhor possibilidade será a de terminar idolatrado ainda que pregado numa cruz, observador dos resultados frustrados de suas boas-vontades.

Esqueça tudo, enfim. Nada do que fora planejado poderá dar certo! Pois fora sonhado em um mundo diferente ao que há de vir. E que virá.

Siga, apenas. Em paz. Humilde, porém sem abaixar os olhos. Criando outros caminhos, encontrando saídas não percebidas. Faça do deserto, da solidão, teu novo universo. Invente-o sem a necessidade de depender de presidentes, salvadores, heróis. Seja verdadeiro. Enfrente a vida como a morte. A cada dia. A cada hora. E tire daí a experiência máxima para sobreviver a tudo, ao que tiver de ser, enquanto alicerça no presente os principais pilares do resto de tua vida: ética, criatividade, ousadia, responsabilidade, para que possamos preparar um 2010 perfeito e nele iniciarmos um movimento para reescrevermos a História. Que seja assim, então. Um ano de luta e desmascaramento. De desapego e novos valores.

Que 2009 nos re-ensine a sermos humanos. Um ótimo 2010 a todos...
montagem de patrícia cividanes sobre obra de barbara kruger.

26 dezembro 2008

novos artistas no blog

Em ARTISTAS CONTEMPORÂNEOS
na coluna ao lado
50 novos links
dispostos no final da lista
entre artistas, coletivos e grupos.

24 dezembro 2008

BATE MAN (BAIT MAN): Somos íscas de nós mesmos

O novo espetáculo de Gerald Thomas revê, com precisas variações, o próprio autor, através da apropriação de seu próprio trabalho, de suas criações passadas. Nada mais Gerald, portanto. Iconoclasta por vocação e desejo, era de se esperar que, em algum momento, fosse ao extremo de si mesmo para se recompor. Muitas são as referências paralelas a montagens recentes. As garrafas vazias (Ventriloqüist), o chão estéril de terra (Nowhere Man), as caixas e o encontro com os segredos históricos metaforizados em seus conteúdos de restos humanos (Circo de Rins e Fígados), o desfile de moda (NxW), o porão como lugar não-identificável (O Príncipe de Copacabana), os remédios e vitaminas (Terra em Trânsito), o corpo dependurado pelos pés (O Cão que Insultava Mulheres, Kepler, the Dog). Com paciência, papel e caneta chegaríamos a mais tantas outras. E o que isso quer dizer? Assim como assinala o argumento de Bate Man – o homem isca –, Gerald se fisga num panteão simbólico por ele criado, na última década, onde a construção de vocabulário particular identifica autoria e destreza. Poucos são, verdadeiramente, os artistas a constituírem um discurso preciso e particular, mesmo entre os bons artistas. Quase sempre nos defrontamos com apropriações circunstanciais, estímulos produtificados de alfabetos comuns e gerais. Gerald, não. Faz do palco e cena a expressão de um complexo sistema de metáforas organizadas a partir de percepções próprias dos fatos históricos, reavaliando suas origens através de provocativas reinterpretações sígnicas. O autor, mais do que tudo, conserva os valores deturpando qualquer possibilidade de estagnação histórica, levando os fatos e circunstância a constituírem um elaborado jogo de origens e conseqüências, como que nos avisando de haver muito mais no ontem na constituição do agora. Nessa perspectiva, por que deveria ele abrir mão de si mesmo? Bate Man argumenta, portanto, a favor do autor determinando sua particularidade e individualidade, tanto estética quanto argumentativa, em um panteão contemporâneo estéril de pessoalidades e olhares originais.

As garrafas de vinho tinto espalhadas pela cena oferecem ao espectador a possibilidade de contextualizar-se à história. E não qualquer história. A que nos torna piores do que desejamos ser. São vinhos originados em sangue humano produzidos durante a ascensão e queda do Terceiro Reich. Mas não devemos nos limitar ao tal período. A guerra hitlerista é outra vez argumento simbólico. Gerald fala de todas, identificando o horror inerente ao espectro maior do Holocausto. Assim, o homem isca, retorna à sua função de traduzir o coletivo, a face comum que nos identifica, num jogo metafórico digno de Charles S. Peirce e semioticistas de plantão. Está na guerra a maior atrocidade humana, o princípio destruidor que nos iguala e distancia, paradoxalmente. E Gerald, insistente sobre isso, vem tramando, sucessivamente, espetáculos cujo foco primordial é compreender em que momento desse paradoxo tombamos ao distanciamento. Se por um lado, o teatro reserva a comunhão dionisíaca, por outro, o discurso que se pretende questionador desagrada ouvidos. Gerald utiliza da artimanha do humor, ou melhor, do ridículo para nos aprisionar interessados. Na construção de circunstâncias absurdas, revela o mais próximo de nossas indiossincrasias. O patético em ser humano. E a culpa histórica e religiosa configurada no absurdo da surdez autista. Um homem banha-se e serve-se voluptuosamente de vinho de sangue humano decorrente de guerras, assassinatos e atrocidades históricas. E rimos disso sem perceber que abrimos diariamente as mesmas garrafas, embriagados que estamos pelas manipulações. Enquanto nos distanciamos do ontem, na perspectiva errônea do novo, prostituímo-nos ao silenciar de toda e qualquer responsabilidade por nossos atos. Sim, nossos. Não o do indivíduo, mas de toda a humanidade. Somos, assim, iscas de um teatro ainda pior, maior, orwelliano. Nas guerras encenadas de Gerald Thomas, a humanidade é culpada por omissão, e em Bate Man, o homem devaneia embriagado pela crueldade da consciência. Como o homem de Dostoiévski, em Notas do Subterrâneo, o de Gerald opta por permanecer isolado, porém bêbado, travestido de estética e futilidade, conduzido ao sofrimento de Prometeu pelo exercício da reflexão.

Gerald exercita um saboroso monólogo sobre o silêncio, apoiado na consistência da trilha de Patrick Grant e das alongadas notas de guitarra. Não há como suprir a voz calada, nem mesmo como calar o som estridente e persistente. Bate Man mostra que estamos afundados em nossas ausências. E nada mais coerente, então, do que o autor, encenador, cenógrafo e iluminador, buscar socorro em si mesmo. O mundo se tornara excessivamente absurdo. E beber sangue humano não me parece nada além de uma possibilidade futura dentre as demais.

19 dezembro 2008

Já em São Paulo

Escrevo com calma depois sobre a visita do Antro Exposto à terra carioca. O workshop foi ótimo. Patrick, sempre delicado. Gustavo da Cal, Bia, a todos muito obrigado pela recepção. E ainda um encontro com a Cia. dos Atores. Tudo sensacional. Não fosse a volta... Conto depois. Agora preciso correr pra festa do Antro Exposto oferecida por Larcio Benedetti. Fechar o ano com chave de ouro.

17 dezembro 2008

Aguardem...

Patrick Grant + Antro: palestra Sesc Copacabana

clique para ampliar.

FOTOS - Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade
















fotografias Patrícia Cividanes.

12 dezembro 2008

Ministério da Cultura se posiciona sobre a prisão de Caroline

O Ministério da Cultura vem a público a fim de que se busque uma saída na esfera cultural para o impasse decorrente do ato e da prisão da jovem Caroline Piveta da Mota, de 23 anos de idade. Ela integrava o grupo que pintou com tinta spray o edifício da Bienal de São Paulo, no local onde os curadores da 28 mostra estabeleceram um espaço vazio de interação com o público. Cremos ser legítima a preocupação, manifestada por muitos artistas e agentes culturais do país, com os desdobramentos que podem criminalizar uma atitude que tem características culturais, muito embora não concordemos com a agressão simbólica proposta e nem tampouco com os textos divulgados como de autoria do grupo.

Temos buscado o diálogo constante com grupos jovens dos centros urbanos e das periferias das grandes cidades por acreditar que esta é a forma mais eficaz e duradoura de combater os impulsos violentos que são gerados em meio a desagregação reinante em tais ambientes de fragilidade sociocultural nos quais vivem estes indivíduos. Contudo, cremos que a agressividade simbólica ainda aparece como “alternativa”, de forma ilusória, a estes jovens submetidos a um cotidiano de violência, e passa a ser a “compensação cultural” por vezes a seu alcance para fugir do crime ou da marginalidade de fato. Devemos recordar que, desde muito, essas populações tem suas formas de expressão e de linguagem enquadradas como atos de violência e desrespeito social, como foram as rodas de capoeira no passado, os bailes funks nos dias correntes. O que não podemos esquecer é que a cultura toma caminhos que fogem do padrão estabelecido para expressar conteúdos latentes nas formações sociais emergentes. Não desconhecemos que estas situações podem, vez ou outra, superar o âmbito criativo, mas devemos ainda lembrar que isso ocorre também pela falta de comunicação social e pela pouca acessibilidade destes cidadãos aos bens diversificados de nossa cultura e de nossa arte. Temos certeza que tais conflitos precisam ser trabalhados pelas políticas públicas e pelas instituições de modo a evitar uma maior desagregação do tecido de nossa sociedade.

Acreditamos que os mais de 40 dias de prisão guardam desproporção com o ato da jovem, porque tal medida pode gerar uma intensificação dos conflitos que buscamos combater, uma vez que se tornaram um problema real. O ato dos jovens, por mais que discordemos dele, não deve ser criminalizado como se ocorresse uma pixação e depredação do patrimônio cultural ali protegido por lei. Ele aconteceu num espaço específico em que era permitido a todo visitante exercer seu livre e vivo contato com o lugar simbólico da Bienal, uma mostra de arte na qual, segundo a imprensa, muitos outros grupos e indivíduos manifestaram-se da mesma forma, protestando contra ou aderindo ao conceito curatorial, com ações diferentes. O grupo de jovens reivindica o estatuto artístico e cultural ao seu ato. Quem deve julgar e avaliar tal mérito são as instituições culturais, os críticos e historiadores da arte, através dos recursos da reflexão e do debate público. Cremos que o papel do estado é garantir esse espaço público de discussão e apreciação dos valores contemporâneos, evitando que o poder público decida em favor de nenhuma parte e em prejuízo ao todo que forma a cultura. Peço encarecidamente que as instituições culturais e os poderes públicos do país cuidem para que possa ser mantido o ambiente democrático de diálogo e o direito de todos à diversidade de suas manifestações culturais.

Juca Ferreira
Ministro da Cultura

enfim...

Hoje foi um dia esquisito. Estou acostumado ao fim de um trabalho, mas em Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade a sensação foi diferente.
Nem mesmo a chuva ou o enlouquecido trânsito impediram que as pessoas viessem ao teatro, fazendo com que a última apresentação fosse como todas as outras, casa lotada, público acomodado quase dentro da cena.
O telefonema à tarde na frustação de conseguir um assento e o desejo de já reservar para o próximo ano.
A temporada foi assim. Muitos rostos amigos, desconhecidos, alguns inesperados, do tipo que se sonha ter como público.
Agora é dormir, curar a gripe insistente e se preparar para um novo ano de trabalho e sonho.
Parabéns à Cia. de Teatro Antro Exposto.
2008 foi um bom início de tudo...

11 dezembro 2008

próximos ao fim

Termina hoje a temporada de Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade. Não sei o que será. Estamos lotados desde sábado passado, e ainda chegam emails e ligações pedindo por ingressos. Gostaria de ter 500 lugares...

BIENAL 2008: entre monstruosidades e monstros

A primeira e espontânea reação, ao entrar no pavilhão da Bienal, fora o espanto. Depois, o fugir do sorriso ao ser destratado por uma funcionária explicitamente condicionada pelo seu mau-humor em estar ali. E a fila para ser revistado, qual burlei, após erguer os braços e esperar a efetivação da ação. Não veio, fui eu, então, para além da catraca assim mesmo.

Parto daqui minha conclusão sobre a mostra “Em Vivo Contato”, de curadoria de Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen. Da percepção de funcionários estressados, desatentos, do controle ao acesso, da desconfiança elementar de serem os visitantes potencialmente vândalos por natureza.

E aí, os primeiros engodos e engulhos. A perspectiva do ataque à exposição por qualquer um reflete a preocupação da instituição - e, por conseguinte, dos que a representavam nesse momento –, de que a ação promovida por um grupo de pichadores, durante a abertura do evento, poderia ser revitalizada em ações similares por tantos outros insatisfeitos. O sentimento revoltoso em si expunha discordar da curadoria que optara em deixar vazio o segundo andar como protesto conceitual à desorganização e desestruturação administrativo-financeira da Fundação.

Uma questão, portanto: se não são de concordância os preceitos oferecidos para o desenvolvimento do trabalho, por que participar?

Discutir e avaliar as condições reais são fundamentais para chegarmos ao mais próximo do que pode vir a ser alternativa para fugir da crise. Por esse ângulo, nada mais desafiador do que o pertencer ao universo (no caso, o construir de um pensamento sobre a própria crise) e dele extrair proposições amplas cujo foco final seja o apontamento de respostas viáveis e interessantes para todos os lados (fundação, investidores, curadores, intelectuais, artistas e público). Entendo, portanto, a motivação maior de Mesquita e Cohen em se lançar ao desafio de ressuscitar um cadáver em decomposição. E veio daí meus melhores votos ao anúncio do projeto de ser a Bienal de São Paulo 2008 uma bienal do vazio, na perspectiva de encontrar um valoroso trabalho que desse conta de conter o discurso original e as críticas soltas ao vento.

Mas nada é mais próximo ao vazio que o próprio vento...

Aos 23 anos, Caroline da Motta, uma dentre os quarenta responsáveis pela pichação, fora condenada por igualmente se opor e agir, sendo, ao fim, levada prisioneira por destruição de patrimônio cultural. Caroline permanece encarcerada, aguardando o julgamento que poderá levá-la a residir numa penitenciária feminina, até a próxima Bienal, ao menos.

As perguntas que permanecem são: não deveriam, por analogismo óbvio, os curadores terem compreendido que, numa reação agressiva, havia mais do que o vandalismo descontente, uma vez que optar por deixar a Bienal vazia de artistas fora imensamente mais agressivo aos próprios princípios do evento? Como pode um transgressor não compreender uma transgressão, e silenciar-se àquilo que lhe espelha? E, depois de ocorrido o manifesto, por que repintar as paredes de branco? Narcisismo retórico? Se a proposta curatorial era demonstrar no vazio de um andar inteiro a insolubilidade dos problemas, não estaria a pichação evidenciando o quanto a ausência de obras (conseqüente à falta de responsabilidade na gestão da fundação) reflete desesperar artista e público?

A Bienal e suas faces por opção, Ivo e Ana Paula, não trancafiaram uma mera pichadora. Ao contrário. Expulsaram de um evento, cujo intuito primeiro era constituir paradigmas em relação aos valores estabelecidos, qualquer possibilidade de discordância. O tom ditatorial, fascista, traz o fedor do cadáver apodrecido e desvela a dogmatização do discurso artístico e do pensamento que tomara nossa cultura, contrariando princípios elementares numa democracia.

O primeiro vazio, portanto, em “Em Vivo Contato”, é da sua função em dialogar com controvérsias. E, numa tentativa mais orgânica em dar coerência aos fatos, então, que a justiça, por analogia e contexto, igualmente aprisione os curadores. Se Caroline é a ativista, a mão segura com o spray, Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen deveriam ser intimados como mentores e estimuladores indiretos do tal crime.

Mas não acho que os curadores estejam tão a fim de levar em frente seus próprios argumentos. Não longe dos confortos de seus quartos e edredons. Criar conceitos é fácil. Difícil é se manter coerente a eles!

Sigamos...

Dentre variações de apelidos, a 28ª edição fora nomeada pela curadoria por Bienal Pobre, justificando aí a ausência de artísticas, frente à impossibilidade financeira em reunir uma vasta coleção.

Contudo, não me parece que mais de 40 artistas expõe ao evento ausência de participações. Pelo contrário, se pensado que muitos exibiram mais de um trabalho, levando-nos a somatória de cerca de duzentas obras. Tampouco os quase dez milhões anunciados necessários para a realização do evento, desta vez em uma redução do período costumeiro, apenas 42 dias.

Dois são os aspectos: a medição dos dados perante mostras passadas e a qualidade do apresentado com os recursos adquiridos via lei de incentivo fiscal.

Mensurar, agora, as condições da Bienal, tendo por parâmetro suas edições anteriores, funcionaria se, por qualquer motivo, ela fosse revelada aos curadores à posteriori da apresentação de seu projeto. Não é o caso, sobremaneira. Era de claro e amplo conhecimento de ambos a ausência de recursos e o exíguo tempo para execução. E foi em cima desses aspectos que as justificativas resenharam páginas de jornal. Argumentar isso é dar irresponsabilidade pela baixa qualidade do que fora apresentado. Uma vez que se sabia quanto e como seria possível ser realizada a Bienal, alternativas deveriam ser costuradas para construir eficiência entre discurso, conceito e crítica. Dessa maneira, um andar vazio (que me fascinava desde as primeiras entrevistas), justificar-se-ia na excelência do restante.

O exposto esteve, contudo, longe de qualquer excelência, voltando mais ao apelo midiático do que propriamente à elaboração de pensamentos complexos. No rugir de artistas, elevou-se o número de participantes, desconstruindo as proposições iniciais que originavam o conceito escolhido. Sem ele, portanto, sem o pilar de sustentação, a Bienal ganhou aspectos mediocrizantes destinados a uma voluptuosa vontade de exposição de seus interlocutores. Nunca se falou tanto sobre a Bienal. Nunca se falou tão pouco sobre as obras e artistas. As estampas nos magazines não identificavam a arte, mas Ivo e Ana Paula. Satisfatório ao currículo, o evento se prostrou a existência dos curadores da maneira mais leviana, mais promíscua, quando utilizaram a mostra por alavanca exibicionista sem muito a oferecer além de si mesmos. Permanecendo nos noticiários, a tal Bienal do Vazio, abandonada de instigações, condicionada aos discursos, a espetacularização das dificuldades, a produtificação e massificação da arte em estratégias de popularização.

Argumenta seu sucesso, Ivo Mesquita, por haverem transitado pelo pavilhão cerca de 200 mil pessoas, comparando-a a Bienal de Veneza, cuja circulação fora por volta de 370. Ora, a província italiana é habitada por cerca de 530 mil pessoas, com cerca de 13 milhões de visitantes ao ano. São Paulo, capital, ultrapassara os 11 milhões de moradores, fora os trabalhadores nas cidades circunscritas, turistas esporádicos e turistas de eventos específicos, que, segundo recentes pesquisas governamentais, elevam a freqüência à casa dos 20. Proporcionalmente, Veneza atingira 2,75% (pagantes) de suas possibilidades, enquanto aqui, patinamos em 1% (gratuito). Não é necessário ser um gênio da matemática para perceber que a comparação feita por Ivo é, no mínimo, esdrúxula e desesperada, e que, vistos mais proximamente os dados, a Bienal, como evento isolado e confrontado aos similares em outros países (para nos atermos, assim, aos mesmos princípios), fora simplesmente um fracasso.

Quem estivera na Bienal confrontara alguns aspectos estarrecedores. Falta de trabalhos condizentes com os argumentos curatoriais, ausência de obras significativas, equivocada utilização espacial para exposição dos trabalhos, inconsistência na programação dos eventos, apelação ao gosto populista. A Bienal menos se parecia como um encontro estético e discursivo entre artes e artistas, a partir de uma percepção precedente, e mais a recriação do Mundo Mix, já em sua fase decadente. Supostos ‘moderninhos’ transitando pelo bar com suas cervejas geladas, davam o ar underground ao evento que, quase nada, tinha de alternativo ou provocativo ou relevante a oferecer.

O térreo destinado a ‘encontros’. O primeiro andar, a poucos trabalhos e uma coleção de vídeo-arte, onde o público era convidado a assistir confundido pelos sons externos, por vezes mais propícios a raves suburbanas e guetos juvenis. Como entender uma obra elaborada em delicadeza e sutileza sendo circundado insistentemente por ruídos de toda ordem e estética? No segundo, o escolhido para abrigar a ausência, seguranças convertiam animados visitantes prestes a se jogar em um escorregador ao que se entendia por comportamento correto: sem manifestações, sem pichações, sem qualquer atitude suspeita, portanto... No terceiro, a maior quantidade de obras e a explicitação de ser a proposta de Ana Paula Cohen (abolir separações entre as obras e determinar a todas o mesmo ambiente) um enorme equívoco. Sem respiro, muitas se acumulavam, contaminando-se mutuamente, impossibilitando as leituras particulares, possíveis, apenas, através de enorme esforço.

A transformação dos vídeos de Marina Abramovic em vitrinismo de shopping, a baixa qualidade argumentativa dos trabalhos apresentados, a estúpida descaracterização dos vídeos-arte, a incoerência e inconsistência conceitual frente ao proposto, a patética biblioteca para consulta (mais propícia à limitação do corredor de estação de metrô), a inacreditável compreensão de serem aulas de dança e expressão corporal promovidas por Ivaldo Bertazo, manifestações artísticas, o apelo estúpido em construir uma programação pautada para o entretenimento participativo, realmente conseguiu deixar na história a última Bienal. Não como o instante manifesto qual se pronunciara, mas por sua capacidade em desvalorizar e anular o artista em nome de um bom discurso, subjugar o interesse do público restringindo-o ao festivo e caricato, narcisismo intelectual e absurdos contextuais.

Não saí satisfeito da 27ª Bienal, de Lisette Lagnado. Mas, ao menos, a curadora, que respeito como poucas, fizera-me retornar três vezes ao pavilhão para reconhecer minhas crises, para compreender o outro, e para saber um pouco mais sobre minha época, em visitas que me tomaram horas a fio de silencioso encontro, descoberta e discordância.

Em 2008, a única capacidade concreta de Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen fora de entediar. Só que estamos no Brasil, e nisso, a novela das oito consegue ser mais eficiente, sem que precise eu igualmente abrir mão do meu edredom. Deixemos claro: essa Bienal não existiu. Fomos invadidos por monstros extraterrestres que atacaram a cidade e quase dizimaram a população paulistana, levando ao cancelamento da mostra. Será melhor para a História assim.

10 dezembro 2008

Patrick Grant: workshop no RJ

clique sobre
a imagem
para ampliá-la.

06 dezembro 2008

Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade por VEJA SÃO PAULO


clique sobre a crítica para ampliá-la.

UMA PILHA DE PRATOS NA COZINHA: O som da chuva em nossos silêncios

A partir de um certo instante, sobrevoa os atores uma fina nuvem formada pelos cigarros fumados em cena e que, dado o desenho da sala do Satyros 1, lentamente avança em direção ao público. E o atinge, quase ao fim do espetáculo, incluindo-o na atmosfera da narrativa, enquanto um silencioso e longo abraço é construído no fundo do palco. Dos copos de conhaque e latas de cerveja surgidos cúmplices sobre a mesa de madeira gasta, restam a ausência do hálito, da palavra explícita ao sussurrar desculpas, ao aceitar a vida, após tantas falas cruzadas de destruição do outro e buscas de compreensão sobre si mesmo.

Em Uma Pilha de Pratos na Cozinha, Mário Bortolotto finaliza a trajetória de toda uma geração em encontrar um destino. Ou um sentido... Os jovens de ontem caminharam sem perspectivas, expostos à história de uma geração anterior que se autodenominava atitude. E na ausência de qualquer ideal, na solidão do pertencer ao meio do caminho, sem horizontes ou curvas possíveis, o dramaturgo traduz a impossibilidade em personagens à espera de uma morte.

Entretanto, não estão nos ótimos diálogos os gritos mais preciosos, mas naquilo que não é dito e que não poderá mais ser revelado. Feito o pedido de socorro, o acolher do inevitável, em belíssima interpretação de Paula Cohen.

Perdemos o futuro, restando-nos apenas o passado. O que no caso dos personagens de Uma Pilha de Pratos... serve apenas para recordar-lhes suas incapacidades. Assim, a peça metaforiza sobre o próprio sentido do existir, expondo o tempo como inimigo inatingível.

E vai além ao revelar não ser o tempo em si nosso adversário maior, e sim nós mesmos. Ao perdermos o contato com o próprio presente, sobrara o passado insolúvel e imutável como inevitável companheiro. Recordações, memórias e sonhos se distanciam enquanto, paradoxalmente, colam-se em nossa existência tornando-nos uma opaca imagem do que fomos misturada ao que não seremos, obrigando-nos a construir outro passado no devir. O futuro, então, torna-se passado na forma de desejo. Desejo de dar ao todo, um dia, outro sentido, outro argumento à existência, outra interpretação que justifique o antes, levando-o a nos explicar diferentemente melhor.

Portanto, não é o tempo o mais cruel antagonista, e sim nossa própria falência em sermos.

É pela boca de Paula Cohen que entendemos que passamos a vida sem notá-la e que a morte deve ser assistida lúcida, em plenitude, pois só se morre uma vez. Sem bebedeiras e quaisquer entorpecimentos seremos obrigados a conviver com o inevitável e poder dar-lhe sentido, para nele buscarmos o nosso próprio. Olhar a morte nos olhos. Ou a vida. O amanhã. Ou o agora. Bortolotto ajusta um texto à beira da janela, tanto quanto seu personagem enfrenta o parapeito do apartamento, e cria uma trama onde a culpa se confronta à piedade, e o cinismo é instrumento de distanciamento e cegueira.

A pilha de pratos na pia cresce a medida em que desistimos de dar sentido ao nosso próprio existir. Os cinzeiros se multiplicam quantificando em restos o tempo de nossas ausências. A poltrona rasgada ao uso, a porta sem tranca, o tapete envelhecido e gasto, recordando a falta de importâncias maiores. O espetáculo silencia a vontade de fala, exige-nos o reencontro, o abraço mudo. E não é a toa que a chuva surge no meio do espetáculo. Como que para nos avisar de que para ouvir os trovões é preciso estar vivo...

Mas somos apenas espectadores de um circo exibicionista de personagens fictícios, então saímos do teatro abandonando artistas e poltronas feitos uma inócua neblina cinza a vagar sem sentido e valor, até, simplesmente, sumir misturada ao vento, enquanto esquecemos de que nuvens não podem ser abraçadas.

02 dezembro 2008

noite de insônia

E muitos links atualizados em OUTROS BLOGS e MYSPACE.
Entre os especiais, Diego, da Cia. de Teatro Antro Exposto, enfim disponibiliza seu myspace. Vale ouvir as músicas com interpretações das belas Marina de la Riva e Vanessa Bumagny e do sempre doce Gero Camilo.