Antro Particular

08 janeiro 2008

POR QUE É TÃO DIFÍCIL GOSTAR DE TEATRO?

Uma das expressões que mais escuto é “não gosto de teatro”, e nesses anos todos venho buscando os porquês. A linguagem teatral formula-se próxima a do cinema. Tempo, espaço, ação, narrativa, personagens, diálogos, conflito e as desconstruções dos mesmos aspectos. Assim como no cinema. Todavia, o teatro distancia-se da tela pela presença real do ator. Não deveria, então, o palco ser um maior atrativo à curiosidade?

Seriam as abordagens os problemas? Não creio. Há montagens para todos os gostos; das conservadoras e clássicas ao experimentalismo amplo e abstrato. Os artistas? Unanimidades como Paulo Autran, com poucos trabalhos em televisão, sempre foram inquestionáveis em qualquer camada social. Os preços dos ingressos? Espetáculos de ponta são oferecidos gratuitamente diariamente, em São Paulo, e nem por isso conseguem lotar as salas.

O problema está a algumas décadas. Perdemos a relação com os vocabulários simbólicos criados pelos artistas. Durante a década de 1950/60, nomes como Zé Renato e Zé Celso romperam com a estética européia e apresentaram outros formatos para a cena, onde o espectador era parte primordial da narrativa. Não é a toa que a ditadura militar invadiu salas e arrancou artistas aos socos e pontapés. Havia na cena teatral características de inquietação e confronto. O aspecto de conduzir o indivíduo para dentro da encenação, exigindo-lhe uma manifestação pública, feria os desejos de silenciar a todos com proibições e censuras.

O exílio dessa geração rompeu o acompanhamento discursivo e conceitual e impossibilitou avanços sobre a construção simbólica do que viria. Perdemos a capacidade de dialogar com o teatro, substituindo-o pela televisão e seus programas controlados e a baixa criatividade do cinema comercial. O teatro perdeu importância.

Novos diretores ganharam a cena, caracterizando os trabalhos por outros vieses, porém ainda isolados do mercado e do reconhecimento do público. E o teatro terminou por se render ao marketing, sem responsabilidade com o passado e o futuro.

Se muito foi sacrificado em torno de décadas de políticas públicas intuídas do desejo de anular a reflexão, não se trata mais disso o problema. O teatro revigora o status social, diferencia culturalmente.

Faltam artistas responsáveis que apresentem mais do que comédias caça-níqueis e dramas novelescos. Deixemos esses argumentos para a televisão, por que, não? No palco, o discurso deve incluir aquilo que o individualiza: o risco do tempo presente. Não existe fórmula para o acerto. É preciso dialogar constantemente com o público e perceber suas defesas e anseios para, a partir do diagnosticado, traduzir algo maior capaz de atingir sua percepção e seus valores.

Cada vez mais o indivíduo perde a capacidade de compreender metáforas e subjetividades. E cada vez mais os palcos trazem traduções superficiais da face do espectador. Sem a elaboração de outros alfabetos simbólicos, o teatro está fadado à caricatura da caricatura televisiva. Viciamos o público ao empobrecimento da linguagem metafórica, cabe a nós recuperar a capacidade de ir além da mesmice.

Mas antes é preciso começar o processo de “deseducação” com os próprios artistas. Que os palcos voltem a servir de gritos e contradições morais. É que melhor posso desejar a todos em 2008.

1 Comments:

  • ...vivemos na ´Era da Burrice´, estrelando: todos nós.
    Já vivemos em eras de criações incríveis, das cavernas para casas, das velaz para as lampadas. Pintores fantásticos criaram obras-primas. Físicos revolucionaram o mundo. Políticos construiram e desconstruiram nações inteiras mas agora...noosssaaa.
    Agora vivemos na era: Vamos emburrecer, parar de usar nossos cérebros, ver tv e depois vamos ver tv e depois plim-plim e um pouco mais de tv.
    saudades figura
    beijo
    Pancho

    By Anonymous Anônimo, at 8:35 AM  

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