Antro Particular

27 fevereiro 2009

obama, gerald e eu...

Comentário publicado originalmente no blog de Gerald Thomas, dia 25 de fevereiro.

Dormia sem culpa quando acordei com a voz de Obama no globonews. Sim, tenho dormido com a tevê ligada em canais políticos. Não consigo mais me desvencilhar disso. Tornou-se um vício e, como todo vício, tenho certeza de não me fazer bem. Levanto cansado, como que sugado pelos ouvidos, reagente a enxurrada de notícias ruins que me invadem o sono. Não há tempo para pesadelos. E nada é mais impressionante do que sonhar com a realidade em momento real. Ouvi a voz de Obama e simplesmente acordei.

A fala de Obama a senadores e congressistas conduzia-me a uma espécie de delírio eufórico, misturando satisfação e concordância ao receio e inveja. Sim, também me assustei diversas vezes com o tom ditatorial. Assustei-me ainda mais ao perceber que o aceitava como algo precioso. Algo brilhava ao escutá-lo afirmar a saída do Iraque, desativação de Guantánamo, a valorização da educação, investimentos para gerar novos vocabulários tecnológicos. Algo se sombreava ao perceber a voracidade com que expunha idéias tão próximas as minhas crenças.

A inveja era inevitável, portanto. Como gostaria de ouvir nossos representantes em colocações lúcidas, sem mesquinharia politqueiras de manipulação eleitoral na superficialidade mais banal do simplório objetivo do voto e da manutenção de seus pequenos poderes. Pequenos, sim. Quantos deles, espalhados em todo tipo de cadeiras e alturas, não simplificam a realização de seus poderes pela mediocridade do enriquecimento? Chega a ser constrangedor. A inveja se prostrava a um discurso planejado e exposto com perspicácia, conhecimento, cultura. Nunca estaremos preparados para nossos Obamas ou quaisquer outros. Permanecemos subestimados aos intermediários populistas – sejam cultos ou ignorantes, burgueses ou proletários.

Por aqui, o carnaval estabelece bem a simplicidade de nossas expectativas. Foi-se janeiro há pouco mais de um mês, e comemoramos como os últimos dias de vida, os novos feriados. Atravessar a rua nos torna macunaimamente cansados. Olhar por além dos edifícios chega a dar torcicolos. E limitamos o horizonte a calçada da frente, quebrada, abandonada, mas possivelmente acessível sem muito esforço.

Nunca aprenderemos a aprender com a história. Nunca levaremos o Municipal ao Municipal. Pois não nos interessa constituir nada. O Brasil é assim. A rede, o ventilador, a maresia, o chopp, a caipirinha, a feijoada, o churrasco, a roda de pagode, as escolas de samba, os programas de auditório, as novelas, as celebridade e suas bundas e bundas anônimas, e bundas em revistas, e capas com bundas, e músicas sobre bundas, e turistas e seus cliques digitais de bundas, e as prostitutas, e as crianças prostitutas, e as crianças das prostitutas sem pais, sem mães, sem país, e os filhos do país sem pais, e os pais do país, e os donos, e os escravos, e os mortos de ontem, e os mortos vivos que nos tornamos a cada feriado e a cada novela e cada político e a cada churrasco e a cada dia.

Ainda guardo o receio do tom ditatorial de Obama.

Beijos, querido.
RUY FILHO

3 Comments:

  • e os mortos vivos que nos tornamos a cada feriado e a cada novela e cada político, e eu espero realmente que me venham estourar os miolos de zumbi, como em algum filme do romero.

    By Blogger Anna Kuhl, diga kil, at 9:15 AM  

  • penso exatamente a mesma coisa...
    só não acho que o tom dele seja ditatorial, mas firme. e é essa firmeza (de caráter, principalmente) que me faz ter vontade (talvez a inveja) de ter do mesmo tipo por aqui.
    aqui, tudo é malandramente mal feito. política e sociedade não é isso. não pode ser.
    beijo, o blog tá ótimo! falta ver a peça; vou ver se consigo ir nesses últimos dias.

    By Blogger Bibliotecária de Babel, at 12:23 AM  

  • ana, venha ver a peça sim. estarei te esperando.
    beijos

    By Blogger Ruy Filho, at 1:18 AM  

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