Chorávamos Terra Ontem à Noite: contar histórias para acordar
Contar uma história parece simples. Não, não o é. Depende da capacidade em se ter um bom enredo, bons personagens, precisão rítmica, dentre outros tantos aspectos técnicos. E quando a história serve à cena, a coisa complica ainda mais, pois no teatro outros tantos atributos se associam determinando por narrativa mais que a própria história. Em Chorávamos Terra Ontem à Noite, peça de Eduardo Ruiz, com o mesmo dividindo o papel principal com Gustavo Sol, em competente direção de Lavínia Pannunzio, o que assistimos é uma eficiente capacidade em contar, em narrar.
Mas por que ainda optamos tão claramente pelo contar?
O que a princípio revela ser uma história conhecida – dois irmão distanciados pela vida se reencontram para dar conta do inventário deixado pelo pai morto – traduz a capacidade de Ruiz em ir além do óbvio para aprofundar aspectos humanos. O texto foge dos estereótipos para elaborar uma virtuosa escrita em tom cotidiano porém poético. As falas, por vezes preenchidas por silêncios, são amplamente valorizadas pela falta de iluminação que leva os rostos dos atores sempre para a penumbra de uma sala arena. No surgir de cada acusação e cobrança, redescobre-se os irmãos, e na distância entre os mundos surge o espelhar o outro em complemento ao que falta, como se ambos fossem o mesmo em algum momento divididos pelas experiências e vidas distintas. A casa, a terra, a poeira que encobre um e a chuva outro, traz-lhes ao epicentro daquela que lhes confere a forma original: a família, ainda que esta não mais se reconheça mais. É preciso estar próximo a ambos para entender os sentimentos – tanto metaforicamente quanto fisicamente. E Ruiz caminha bem ao não oferecer qualquer redenção ou condenação imediata aos personagens, não permitindo a facilidade do julgamento ao espectador, apenas a função de ouvinte cúmplice.
Muitas são as leituras possíveis sobre a terra anunciada já no título e travestida em pó sobre o espaço cênico. Literal, simbólica, poética. De qualquer maneira, a transcrição da própria palavra, decalcada sobre o chão, faz com que o espectador não esqueça de outro óbvio: tudo ali se trata de representação, de teatro. Ainda que o cheiro de café nos conduza a uma permanência onírica junto à cena, em uma espécie de travessa ao sublime, serve ele como outro instrumento para igualmente nos recordar ser tudo ali verdadeiro.
A realidade do teatro se distancia do lado de fora da sala, da vida comum, e na peça se configura na forma de corpos e técnicas que se associam em torno de um objetivo maior: fazer teatro. Ambos se mostram corajosos. Tanto Ruiz quanto Sol enfrentam seus leões e, cada qual à sua maneira, explicita o melhor de si. Mas sãos os poucos momentos de confronto explícito entre os personagens os instantes mais preciosos, quando a cumplicidade de uma amizade de décadas explode em cena o tesão pelo compartilhamento do palco. São nítidos a satisfação e compromisso, traduzindo vontade em ótimos momentos de intimidade teatral raramente assistidos em produções mais comerciais e menos comprometidas com a pesquisa.
Chorávamos Terra desconfigura, portanto, a obviedade da história simples. Trata o conhecido pelo ângulo do poético e reafirma a necessidade de conduzir o espectador para o interior da narrativa.
Como tantos outros dramaturgos de agora, Ruiz opta pelo realismo, pelo tempo real dos acontecimentos. O que não pode ser desconsiderado. A escolha pelo realismo por tantos parece nos dizer algo além. É como se precisássemos recuperar a realidade alterada frente à perda de compreensão da própria realidade; como se não reconhecêssemos mais o real na própria rotina, cabendo ao teatro nos recordar quem somos. Chorávamos traduz a lágrima de uma ausência improdutiva, de um homem-pai que não mais existe e que, quase sempre, fora entendido por inexistente. E não seria essa, hoje, a existência e solidão do próprio artista desprovido de sentidos mais amplos de protecionismos e paternalismos sinceros?
Um pouco de poesia e o cheiro de um bom café parece ser suficiente para recuperarmos a humanidade esquecida na crueza da vida. Eduardo Ruiz segue consistente em sua busca pelo outro.
Mas por que ainda optamos tão claramente pelo contar?
O que a princípio revela ser uma história conhecida – dois irmão distanciados pela vida se reencontram para dar conta do inventário deixado pelo pai morto – traduz a capacidade de Ruiz em ir além do óbvio para aprofundar aspectos humanos. O texto foge dos estereótipos para elaborar uma virtuosa escrita em tom cotidiano porém poético. As falas, por vezes preenchidas por silêncios, são amplamente valorizadas pela falta de iluminação que leva os rostos dos atores sempre para a penumbra de uma sala arena. No surgir de cada acusação e cobrança, redescobre-se os irmãos, e na distância entre os mundos surge o espelhar o outro em complemento ao que falta, como se ambos fossem o mesmo em algum momento divididos pelas experiências e vidas distintas. A casa, a terra, a poeira que encobre um e a chuva outro, traz-lhes ao epicentro daquela que lhes confere a forma original: a família, ainda que esta não mais se reconheça mais. É preciso estar próximo a ambos para entender os sentimentos – tanto metaforicamente quanto fisicamente. E Ruiz caminha bem ao não oferecer qualquer redenção ou condenação imediata aos personagens, não permitindo a facilidade do julgamento ao espectador, apenas a função de ouvinte cúmplice.
Muitas são as leituras possíveis sobre a terra anunciada já no título e travestida em pó sobre o espaço cênico. Literal, simbólica, poética. De qualquer maneira, a transcrição da própria palavra, decalcada sobre o chão, faz com que o espectador não esqueça de outro óbvio: tudo ali se trata de representação, de teatro. Ainda que o cheiro de café nos conduza a uma permanência onírica junto à cena, em uma espécie de travessa ao sublime, serve ele como outro instrumento para igualmente nos recordar ser tudo ali verdadeiro.
A realidade do teatro se distancia do lado de fora da sala, da vida comum, e na peça se configura na forma de corpos e técnicas que se associam em torno de um objetivo maior: fazer teatro. Ambos se mostram corajosos. Tanto Ruiz quanto Sol enfrentam seus leões e, cada qual à sua maneira, explicita o melhor de si. Mas sãos os poucos momentos de confronto explícito entre os personagens os instantes mais preciosos, quando a cumplicidade de uma amizade de décadas explode em cena o tesão pelo compartilhamento do palco. São nítidos a satisfação e compromisso, traduzindo vontade em ótimos momentos de intimidade teatral raramente assistidos em produções mais comerciais e menos comprometidas com a pesquisa.
Chorávamos Terra desconfigura, portanto, a obviedade da história simples. Trata o conhecido pelo ângulo do poético e reafirma a necessidade de conduzir o espectador para o interior da narrativa.
Como tantos outros dramaturgos de agora, Ruiz opta pelo realismo, pelo tempo real dos acontecimentos. O que não pode ser desconsiderado. A escolha pelo realismo por tantos parece nos dizer algo além. É como se precisássemos recuperar a realidade alterada frente à perda de compreensão da própria realidade; como se não reconhecêssemos mais o real na própria rotina, cabendo ao teatro nos recordar quem somos. Chorávamos traduz a lágrima de uma ausência improdutiva, de um homem-pai que não mais existe e que, quase sempre, fora entendido por inexistente. E não seria essa, hoje, a existência e solidão do próprio artista desprovido de sentidos mais amplos de protecionismos e paternalismos sinceros?
Um pouco de poesia e o cheiro de um bom café parece ser suficiente para recuperarmos a humanidade esquecida na crueza da vida. Eduardo Ruiz segue consistente em sua busca pelo outro.
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