Antro Particular

17 maio 2006

SÃO PAULO: propriedade particular


Duraram toda a tarde as sirenes e helicópteros, aqui, na Avenida Paulista. Mas não olhei pela janela, faltou-me ar... Pela televisão e internet os dados confundiam os números de atentados, assassinatos, prisões, rebeliões. Ainda não tenho certeza, mas a morte de um bombeiro me basta para definir este momento. Medo talvez seja uma palavra pequena para todos que como eu tinham alguém distante, pelas ruas, entre as balas e chamas. Os telefones não ajudavam, falhavam. E a solidão se consolidava em uma espécie de abandono absoluto ao assistir o Governador afirmar que tudo estava muito bem. Para quem?

Decisões que não vieram, palpites, previsões, e no meio da tarde, aleatório entre os canais, o depoimento de um coronel afirmando se tratar de uma organização criminosa conseqüente da aproximação dos presos políticos e suas técnicas de guerrilha urbana junto aos criminosos comuns, durante o regime passado. O dia de hoje lhe provava o quanto esses tais presos políticos eram perigosos.

Ou um apresentador infame que diz ser culpa de um governo esquerdista incapaz de aceitar que as decisões de uma direita histórica eram de fato as corretas!

Ou a esposa de um policial que exigia que todos os criminosos fossem trazidos a público e servissem de exemplo de punição. Feito à Idade Média. Feito à Inquisição, já que afirmava ser esta a justiça de Deus. Qual? O dela, só se for. Apesar de ateu, não duvidando da possibilidade de eu ter amanhã um deus, certamente esse não será. Mas Deus(s) estava atento, pois na Catedral da Sé um ato ecumênico traduzia ao divino a dor dos policiais assassinados, e também a força política da igreja em comandar e situar as orações. Não se perde tempo nesse país.

Houve um tempo em que marginal, bandido, seqüestrador, assassino, terrorista eram qualificações. Não servem mais. Há que se criar um outro nome capaz de agregar em um só substantivo todas as características que os criminosos modernos demonstram. Suas especializações se confundem e enquadram os marginais lado a lado aos mais terríveis. Ladrões de supermercado se tornam poderosas potências criminais. Assaltantes de semáforos confundem-se com assassinos impiedosos.

Enquanto isso, o PCC serve como tradução ao horror. Mas que fique claro: o PCC não é mais do que uma tradução da inexistência de um governo, da incapacidade jurídica de se ater aos fatos. Ainda na segunda, no Roda-Viva, Renato Lombardi dizia ter recebido, como tantos outros, há muitos anos atrás, um organograma desenvolvido por Marcola, que demonstrava como o poder criminal iria se organizar pelos aparelhos prisionais de todo o país, sediando-se no Estado de São Paulo. Mas a polícia e políticos não acreditaram. Esta semana era de conhecimento de todos a organização das rebeliões e os ataques. Mas também fecharam os olhos. A ingenuidade e incapacidade dos governantes se revelaram em imprudência e descontrole. Segundo o Governador, “um drama”!

Enquanto as CPIs expõem em seus resultados o desinteresse dos governantes pela punição e pelo ético, resta ao povo mais esta certeza: a de que está acima de tudo sozinho. Preparemo-nos para um retorno a polícias ostensivas, políticas duras, segregações explícitas, censuras, confrontos públicos, determinações, imposições, punições aleatórias, atos institucionais... Não! Não é possível que tudo isso seja um plano absurdo orquestrado para justificar, e com apoio popular, qualquer atitude! Ainda somos tão ingênuos assim? Tão despreparados? Sou obrigado a conviver com ACM comandando uma ação relâmpago para gerar uma legislação punitiva aos criminosos?

Enquanto o Governo de São Paulo vê-se obrigado a sentar à mesa com Marcola, feito empresário respeitado, como única maneira de interromper as ações, ao paulistano não resta sequer a certeza de que tudo terminará em pizza. São Paulo, que verdadeiramente é a cidade da pizza, está vazia. De sons, carros, pessoas, certezas, futuros. E de serviços de entrega...

Cancelem as eleições... Marcola definitivamente chegou para assumir o que de fato já é seu.

2 Comments:

  • Ah, Ruy, infelizmente tenho que concordar com você. Nada para acrescentar ao que você escreveu. O texto nos toca o coração e os neurônios ...

    By Anonymous Anônimo, at 8:12 PM  

  • Oi Ruy,

    Essa entrevista é um texto ficcional escrito por Arnaldo Jabor. Veja a história no site do Observatório da Imprensa.

    http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=387FDS002

    Mas sem dúvida a "obra-texto" faz pensar. Afinal o Jabor usou a realidade para criar essa ficção.

    Abraço,
    Paula.

    By Anonymous Anônimo, at 7:01 AM  

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