Antro Particular

07 dezembro 2005

MUSEU AFRO BRASIL: conseqüências de uma política imprudente

Postado na hospedagem anterior do blog na segunda-feira, 21 de novembro de 2005
13:43:59

No Dia da Consciência Negra nada mais importante do que festejarmos juntos, brancos e negros, nos jardins de um espaço único cuja criação deveria carregar o sabor de desculpas e honra: o Museu Afro Brasil.

Contudo, por ordem de seu curador, Emanoel Araújo, a programação fora cancelada e as portas fechadas em sinal de greve pelo baixo orçamento destinado ao museu e os constantes atrasos no pagamento dos salários. Há uma discussão mais complicada nisso tudo, do que simplesmente o protesto supostamente administrativo. Desde o início, ainda na gestão Marta Suplicy, o sonho de construir na cidade dois museus históricos se manteve como carro chefe da Secretaria Municipal de Cultura. E junto à Galeria Olido - em funcionamento aos trancos e barrancos -, e o Museu da Cidade - hoje, sendo instalado não mais no Palácio das Indústrias, mas no centro histórico, especificamente no Solar da Marquesa e na Casa nº1 -, o Museu Afro sofre as conseqüências de uma gestação improvisada e irresponsável.

Foram décadas de luta pelas gerações novas de influentes personalidades negras dos mais diversos âmbitos, para que o museu fosse enfim aceito pelos nossos políticos, que até então não o viam como algo de importância histórica e social, apenas como uma espécie de cobrança de classe. A ex-prefeita não entendera assim, e partira para a elaboração de um espaço museográfico audacioso, capaz de registrar e oferecer ao visitante a história dos nossos negros desde de sua escravidão até os dias atuais, complementando com um grande acervo de arte nos mais diversos suportes e estilos. A proposta é grandiosa, generosa. E cabia encontrar um mecenas intelectual para o seu desenvolvimento. Emanoel Araújo, ao não aceitar o posto de Secretário de Cultura, na gestão Marta, abre caminho para ser o homem necessário à efetivação do Museu Afro Brasil. Ninguém mais especializado sobre o assunto, ao qual se dedica a muitos anos e é reconhecidamente uma das cabeças mais privilegiadas sobre o assunto.

Um museu, entretanto, não se consolida somente com conceitos e sim com estrutura administrativa bem desenhada sobre a realidade na qual estará exposta. A inauguração do espaço sobre patrocínio temporário, sem que o futuro financeiro da instituição fosse desde então determinado em ações concretas, mostrava claramente o precipício criado para sua continuidade. Era óbvio que o patrocínio não seria vitalício e portanto o museu estaria fadado ao esmagamento de sua importância pela própria desorganização administrativa e financeira. É o que acontece, então. Dívidas, cancelamento de exposições, funcionários sem salários... O Museu Afro Brasil deveria representar o enaltecimento da raça mais importante na formação de nossa sociedade, mas se faz metáfora do mesmo abandono quais os negros são sofredores.

A questão não pode ser resolvida politicamente, simplesmente, como insiste em entrevistas o curador. Há a necessidade de reestruturação, de reorganização, planejamento para o continuísmo. Qualquer microempresário, por mais iniciante que o seja, sabe que sem isso não há como sustentar um negócio. E queira ou não Emanoel, o Museu Afro, na maneira como foi pensado, é acima de tudo um negócio, barganha política cuja moeda de troca é o reconhecimento cultural da raça negra em troca dos votos nas urnas.

Optar, portanto, pela pressão política como estratégia de impor o museu ao Município é desvalorizar sua real importância fragilizando-o e o destinando a ser mantido e compreendido apenas como instrumento político, que por hora pode ser interessante, mas que amanhã talvez não o seja mais. Desta maneira, Emanoel grita um futuro sombrio ao Museu Afro Brasil, e com a mesma impaciência e imprudência com que o ergueu de maneira tão improvisada, planta um futuro onde a argumentação para sua existência se firma aos valores de quem governa.

Fechar as portas no dia mais importante para os negros, em um momento em que todo o país festeja e se redime, é consolidar ao museu uma desimportância. As manifestações de rua deveriam ser em seus jardins, os discursos em suas esplanadas. O Museu Afro Brasil deveria agir em nome de todos os negros e não se afastar no momento mais precioso e oportuno. Emanoel o retirou de cena porque quer se mostrar politicamente forte, como fizera na inauguração ao impedir a presença e rituais das mães-de-santo. Ainda que o acervo seja propriedade de Emanoel, é preciso que este perceba que a instituição não é um prolongamento de sua sala decorada. E que cabe a um museu mais do que a exposição de artefatos, objetos antropológicos e artísticos, mas a integração entre educação e cultura, história e valores sociais, tendo como foco a discussão e a percepção de fatos.

Quem perdeu foram os negros e a sociedade brasileira. Sem espaço que conduza a reflexão, a questão do negro continua diluída pelas ruas em protestos isolados e não reconhecidos pela classe média preconceituosa. Ontem fora o museu quem não esteve presente no dia de conscientização, amanhã, talvez outras organizações, e o dia limite-se a uma mera passeata antes que os manifestantes retornem para casa sem muito mais conquistado. O que poderia ser um marco na igualdade racial do Brasil moderno, não passa de outro estímulo de poder da mesma base intelectual que se perpetua na cultura brasileira desde os anos 50.

Órfãos de ideologias. Tenho pena de todos nós.