Antro Particular

07 dezembro 2005

REFERENDO DE COMERCIALIZAÇÃO DE ARMAR DE FOGO: o problema é seu

Postado na hospedagem anterior do blog no sábado, 8 de outubro de 2005
16:25:41

Tenho pensado muito sobre o desarmamento. Até mesmo para entender a lógica aplicada pelo Governo nas opções de votação. Se for contra a compra de armas e, portanto, a favor do desarmamento, voto Sim. Se a favor, portanto contra, voto Não! Um assunto dessa dimensão não tem mesmo a menor necessidade de ser claro. Por vezes acredito que os nossos governantes se divertem com o povo. E já não são poucos os entrevistados que na televisão se atrapalham quando indagadas suas posições. "Eu voto Sim, porque sou a favor de ser contra". "Voto Não porque acho certo".Ah, essa maravilhosa língua portuguesa...

O debate iniciou com defesas argumentativas com bases em estatísticas. O Brasil tem o maior número de mortes por arma de fogo em brigas e confrontos rotineiros e absolutamente desnecessários entre pessoas comuns, sem antecedentes criminais e portadores de armas registradas. Então, é Sim. Quero a proibição. Mas o Brasil possui uma das seguranças mais ausentes, com policiais corruptos (nem todos, mas muito mais do que gostaríamos de supor), uma violência crescente, cabendo ao próprio indivíduo zelar por sua segurança, ainda que isso não seja o mais adequado. Então, é Não. E vou comprar a minha arma após o referendo.

Aos poucos a discussão sai das pesquisas e comparações, algumas vezes sem o menor cabimento, e avança sobre um dilema ainda maior, mas que parece não estar sendo enxergado com devida importância: o Direito. "Eu tenho o direito de escolher comprar ou não. Não cabe ao Governo decidir o que posso comprar". Então, voto Não. "Eu tenho o direito de me proteger, e acredito que a retirada das armas das mãos civis pode melhorar minha segurança cotidiana". Então, voto Sim.

Bom, aos que se justificam pelo Direito do Sim, deixo as questões: e se estivermos errados? Cabe qualquer tipo de censura na expectativa de soluções milagrosas? Não corremos o risco de abrir precedente e dar espaço para que novas censuras surjam em nome desta mesma argumentação? Hoje às armas, amanhã os livros, as músicas, os jornais, as escolas... Já vimos isso, e sabemos que as coisas são assim.

Aos que optam pelo Direito do Não: e o meu direito de escolher abortar? Meu direito de consumir minha droga, na minha casa, com meus amigos? Meu direito de transar com minha namorada de dezessete, dezesseis anos? Meu direito de gritar e vaiar no Congresso Nacional os políticos, sem ser retirado à força, aos empurrões, humilhado? Meu direito à greve? Meu direito ao acesso à Cultura? Meu direito de casar com uma pessoa do mesmo sexo?

No ar, o vento disfarçado de hipocrisia. Enquanto convivo com a defesa de Jô Soares ao Não, quando diz: "Voto pelo Não, pois sou um anarquista, e isso é um recado contra a censura".

Não sei como responder a tudo isso. Outro dia, decidido pelo Sim, discuti com amigos, tentei mudar pessoa. Em outro, pelo Não, um certo ar de vergonha de ir contra, mas com a certeza de estar defendendo meus direitos. Nem um nem outro. Não sei muito bem em que votar.

Só me resta a certeza que não tenho o direito de não votar! E que, qual seja o resultado do referendo, estamos condenados a sermos culpados, desvencilhando o Governo de sua responsabilidade. Se o Sim ganhar e o comércio ficar proibido e a violência aumentar contra nós mesmos, teremos que conviver com a resposta de que fomos nós que escolhemos proibir as armas e nos colocamos indefesos frente aos bandidos. Se o Não, e a violência aumentar, a resposta será que a culpa é por termos escolhido liberar o acesso às armas, dando mais oportunidade para os marginais. Pois que irá aumentar, isto não tenho dúvida, já que nossa violência tem raízes mais profundas do que a arma em punho.

E o Governo consegue assim se ausentar deste que é um dos problemas crônicos no nosso país. Muito mais fácil é determinar uma votação que sirva de redenção ao que vier, do que combater o tráfico, a bandidagem, a criminalidade com melhorias na educação e na distribuição da cultura. Afinal, custa muito investir em cidadãos mais esclarecidos e intelectualmente capacitados para enfrentar a vida; e se ganha muito com a manutenção do crime organizado, o terror, a miséria e a indústria bélica. Entre gastar e ganhar, consertar e manter, investir e arrecadar, o Governo já escolheu sua posição ao nos dar o direito de decidir nosso problema. Cabe, agora, determinarmos qual entre as duas opções será a menos pior.

E me desculpe, Jô Soares, mas a verdadeira anarquia está, neste momento, em não votar, em mostrar ao Governo que cabe a ele resolver a violência com os investimentos certos, utilizando nossos gigantescos impostos, agindo de maneira responsável sobre a construção de um futuro comum a todos. Isto, sim, seria verdadeiramente maturidade de sabermos dar-lhe um recado. Ou vai ver, nossos anarquistas estão é ficando velhos...

5 Comments:

  • Ruy, gostei muito do seu texto... de sua reflexão quanto ao debate que vem acontecendo até à análise do problema que este referendo traz no centro... o de não resolver as questões da violência no país, e outras mais, sempre relacionadas... devo dizer que concordo com quase toda a sua argumentação... mas há um ponto que me deixou intrigada... a questão relativa à responsabilidade pela resolução dos problemas do país... e quando vc diz que o governo quer se eximir de resolver, colocando a resolução do problema (e as consequências desta) nas mãos da população. Tendo a discordar parcialmente... pois penso que o movimento histórico têm sido quase sempre o oposto (e injusto), o de afastar do povo a oportunidade de decidir sobre o seu país... contribuindo para o crescente processo de alienação da população.
    Penso que o referendo não é exatamente um contra exemplo do processo... mas eu não diria que com ele, o governo passa ao povo uma responsabilidade sua... a "responsabilidade" (se este é um termo minimamente adequado à questão) pelo futuro do país, deveria ser de todos nós. Se queremos mudar o futuro, temos de nos sentir como planejadores culturais... e não apenas delegadores dessa tarefa ao governo... que muitas vezes é inadequado na gestão dos recursos, nas prioridades, etc... enfim....
    Ainda estou pensando sobre isso... mas acho que vale a troca de idéias....
    Adoro seus textos... e o seu "escrever"... me dá sempre muita vontade de sentar num lugar bem sussegado e passar muitas horas trocando idéias com você sobre tudo!
    Beijos
    Carolzinha

    enviado em 9/10/2005 15:36:00

    By Anonymous Anônimo, at 1:34 AM  

  • Este é o assunto do momento e temos que discutí-lo cotidianamente. Pelo menos até o dia 23 próximo.
    Espero, porém, que este referendo abra o precedente para a discussão dos motivos e soluções viáveis para conseguirmos conter a violência que nos rodeia. Mais uma vez, o buraco é muito mais embaixo.


    enviado em 10/10/2005 09:25:00

    By Anonymous Anônimo, at 1:35 AM  

  • Adorei o texto (como sempre acontece) porque condensa de forma exemplar os propósitos, impasses e mistérios que envolvem a questão. É triste perceber a cristalina manipulação de idéias e pessoas, a estabelecer o envolvimento mentiroso do povo por meio de artifícios popularescos como depoimento de artistas e apelos sentimentais. Então: "se eu sou do sim, sou boazinha, se eu sou do não, sou ruinzinha..." é o falso moralismo de novo...A propósito, assista "Xica da Silva" no SBT, escrita por Walcir Carrasco, é um clássico para entender certas coisas...Um abração e continue escrevendo...Adriana

    enviado em 10/10/2005 11:31:00

    By Anonymous Anônimo, at 1:37 AM  

  • Olha que loucura...
    Chegamos a um ponto em que se pode acusar de antidemocrático um referendo... Isso, em teoria, vai contra qualquer juízo de “democracia participativa”... Às questões mais sérias e centrais da vida pública chama-se a popular para dizer diretamente o que deseja, sem correr o risco de se ver mal representada no Congresso Nacional. Se for antes de uma decisão, chama-se um plebiscito; se for depois, um referendo...
    Em verdade, é preciso que se diga, o governo já tomou sua decisão: proibir a comercialização das armas de fogo. Agora a população está sendo chamada para dizer se concorda ou não. O grande problema está nos “termos” da discussão, sobretudo pela falta de profundidade.
    Preocupa-me a falta do hábito da participação e da discussão. Há efetivamente argumentos para os dois lados e a população deveria estar apta a encará-los e confronta-los... Mas que população? Aquela composta por uma grande parcela de analfabetos funcionais?! Mas será que a “condição” do povo deve autorizar uma atuação “paternalista” do Estado? Isso seria, até o que sei, um governo autoritário, podendo levar a um totalitarismo... Por onde começar?! Capacita-se para que participe ou chama à participação para gerar capacitação? Sinceramente acho que chamar a popular à reflexão pode ser um começo, desde que a formação de sua opinião seja livre... Será que é?! Quanto vale o Jô Soares dizer “não”? Ou a Regina Duarte dizer “eu tenho medo”? Bendita seja a mídia!!! (ou seria “maldita”?)
    Acho que coloquei mais perguntas do que “comentários” propriamente ditos... Mas acho que vale uma bela discussão... O que está por trás é muito mais do que o desarmamento, está mais para a própria maturidade e capacitação de uma população desacostumada e má formada para a discussões de cunho político (não "partidários", pois deve-se começar a discutir políticas por meio de propostas, não como quem discute que o Palmeiras vai ganhar do Corinthians só por ser palmerense).
    Apenas para marcar posição, particularmente sou a favor da lei, logo contra a venda, ou seja, a favor do desarmamento, isto é, contra as armas, assim voto... Voto o que mesmo?! Bom, ainda bem que não terei que votar... Estou um pouco longe...
    Bela iniciativa, Ruyê.
    Abração

    enviado em 11/10/2005 12:23:00

    By Anonymous Anônimo, at 3:28 PM  

  • Mas diz ae. votou? ou multa?

    eu escolhi multa. não votei. tava de ressaca, tava chovendo e uma formiga me mordeu na curva do pé, coçava pra dedéu.

    e nada me tira da cabeça que os furacões são fortemente influenciados pelo lançamento de dejetos na atmosfera, que de algum modo "causa" os furacões. "cuba" inundada? um tiro pela culatra em new orleans? ou foi certeiro?

    Ah! e viu, "linkei" este blog.

    enviado em 27/10/2005 23:43:00

    By Anonymous Anônimo, at 3:29 PM  

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