ACREDITO MAIS NAS MÃOS DO QUE NOS PÉS
Há na magia dos nossos pés o samba cadenciado, os ritmos diferentes, a ginga da bola de um Garrincha histórico, os desenhos de Pelé. Cabem aos pés suportar o peso do corpo, carregar o fardo do cansaço, conduzir ao próximo caminho ou mesmo ao desconhecido do acaso. Feito em fileira militar. Marcha revolucionária e passeatas. Ou meramente pelo querer estar junto à natureza. Os pés são os meios necessários para a sobrevivência dos andarilhos. Estar em pé nos levou a outros continentes. Desbravamos. Conquistamos. Descobrimos. Pés da capoeira de herança negra, do pisotear cacau nas fazendas que já foram inferno desses mesmos negros. Pés para a argila, para o vinho. Do fetiche escondido, do beijo no dedo, língua abusada, curiosamente ativa e submissa aos seus desejos. Os pés. Em artigo masculino. Fortes, bravos, impositores, violentos, decisivos.
Mas as mãos... Essas meninas... Que lindas são suaves, de pele doce adolescente. Que marcam o tempo, sem solução, mostrando na face a vida que se fez, cada instante. Nossa identidade, nossa independência. Para trazer à reza o gesto. Afastar de si os restos. Do suingue no pandeiro. Mãos do falar italianado, estabanado. Da língua muda. Da vista cega. Do dedo em riste, impositor. Com seus socos na mesa, murros no estômago. Ou pior, com tapinhas nas costas. Do gesto larápio do usurpador ao mais canalha assassino armado. Porque também elas sofrem do perigo do ser humano degenerado. Eróticas e românticas, são nosso primeiro encontro com o sexo, e também o redondo de um abraço. Palavras marcadas no corpo do outro, silenciosamente verborrágicas. Mãos para a enxada, para a engrenagem, teclados, carimbos, assinaturas. Do aceno despedido, do sorriso alargado. E quando aos pés a dor é fato, é a elas a quem pedem por socorro.
O brasileiro divide-se desigualmente entre os dois. Pé ou mão. Não se parecem quatro! São mais dois pés perfeitos e dois trecos outros empregados. No machismo de uma sociedade criada pela dominação e submissão, reinam os pés feitos em artigos, gêneros e graus, transferindo ao futebol as expectativas dos que não tem mais para onde ir, apenas como ir. Viajamos com a bola ao gol, na velocidade do grito guardado, prontos para o próximo e o próximo, consumindo cada chute, cada lance, na destruição do passado que se forma fácil e assim se esquece pelo gosto do futuro a vir. E geramos na magia dos pés milionários nossos exemplos e ídolos supremos desconsiderando caráter e consistência.
Restam às mãos as sobrevivências desapercebidas nos livros não lidos, nas pinturas não vistas, nos instrumentos não notados, nas cozinhas e panelas. No gesto de nos alimentar alma e corpo.
Enquanto os estádios continuam lotados pela ode ao pé, conduzindo as mãos ao desvario da rivalidade e ignorância, sobram as quadras, quando as estrelas mãos são generosas suficientemente para admitir até os pés como coadjuvantes.
Perdemos os mundiais. Não ganhamos a Copa do Mundo de futebol. Não ganhamos o feminino do vôlei. E há aí algumas lições. Aqueles pés voltaram aos seus sapatos caros, aos pedais de seus carros incalculáveis; essas mãos ampararam as lágrimas e se agruparam no suspirar coletivo da tristeza. Sou de uma geração que assistiu um dia a pés campeões do mundo sem capacidade de convencimento. Sou de uma geração que assiste agora a mãos vencidas que convencem o mundo de sua capacidade. E prefiro a perda digna à vitória sem calor. Por mais isso fico com as mãos.
É uma pena que não possa incluir nesse texto o mais apropriado às meninas do nosso vôlei: o simples som de um aplauso.
Mas as mãos... Essas meninas... Que lindas são suaves, de pele doce adolescente. Que marcam o tempo, sem solução, mostrando na face a vida que se fez, cada instante. Nossa identidade, nossa independência. Para trazer à reza o gesto. Afastar de si os restos. Do suingue no pandeiro. Mãos do falar italianado, estabanado. Da língua muda. Da vista cega. Do dedo em riste, impositor. Com seus socos na mesa, murros no estômago. Ou pior, com tapinhas nas costas. Do gesto larápio do usurpador ao mais canalha assassino armado. Porque também elas sofrem do perigo do ser humano degenerado. Eróticas e românticas, são nosso primeiro encontro com o sexo, e também o redondo de um abraço. Palavras marcadas no corpo do outro, silenciosamente verborrágicas. Mãos para a enxada, para a engrenagem, teclados, carimbos, assinaturas. Do aceno despedido, do sorriso alargado. E quando aos pés a dor é fato, é a elas a quem pedem por socorro.
O brasileiro divide-se desigualmente entre os dois. Pé ou mão. Não se parecem quatro! São mais dois pés perfeitos e dois trecos outros empregados. No machismo de uma sociedade criada pela dominação e submissão, reinam os pés feitos em artigos, gêneros e graus, transferindo ao futebol as expectativas dos que não tem mais para onde ir, apenas como ir. Viajamos com a bola ao gol, na velocidade do grito guardado, prontos para o próximo e o próximo, consumindo cada chute, cada lance, na destruição do passado que se forma fácil e assim se esquece pelo gosto do futuro a vir. E geramos na magia dos pés milionários nossos exemplos e ídolos supremos desconsiderando caráter e consistência.
Restam às mãos as sobrevivências desapercebidas nos livros não lidos, nas pinturas não vistas, nos instrumentos não notados, nas cozinhas e panelas. No gesto de nos alimentar alma e corpo.
Enquanto os estádios continuam lotados pela ode ao pé, conduzindo as mãos ao desvario da rivalidade e ignorância, sobram as quadras, quando as estrelas mãos são generosas suficientemente para admitir até os pés como coadjuvantes.
Perdemos os mundiais. Não ganhamos a Copa do Mundo de futebol. Não ganhamos o feminino do vôlei. E há aí algumas lições. Aqueles pés voltaram aos seus sapatos caros, aos pedais de seus carros incalculáveis; essas mãos ampararam as lágrimas e se agruparam no suspirar coletivo da tristeza. Sou de uma geração que assistiu um dia a pés campeões do mundo sem capacidade de convencimento. Sou de uma geração que assiste agora a mãos vencidas que convencem o mundo de sua capacidade. E prefiro a perda digna à vitória sem calor. Por mais isso fico com as mãos.
É uma pena que não possa incluir nesse texto o mais apropriado às meninas do nosso vôlei: o simples som de um aplauso.
1 Comments:
Que forma mais linda de jogar com as palavras!! Sempre orgulhosa, escrevo mais uma vez para te dar os parabéns, não só pela poesia, mas também por sua extrema sensibilidade.
Grande beijo Ju
By Anônimo, at 4:07 PM
Postar um comentário
<< Home