Antro Particular

16 novembro 2006

ERNESTO VARELA: Humor e inteligência são compatíveis

Fui ao teatro tarde demais em minha juventude. Assim como descobri muito de nossa cultura. E tenho tentado correr atrás das referências. Marcelo Tas é uma dessas figuras míticas no nosso cenário cultural. Ernesto Varela, a criatura-repórter criada por Tas, em meados dos 80, existe estabelecido entre os mais velhos e/ou mais antenados. Bom, lá vou eu para o teatro suprir minhas deficiências.

A nova peça de Tas, A História do Brasil segundo Ernesto Varela: Como chegamos aqui?, apresenta ao público uma palestra do repórter, com a qual busca entender os problemas configurais do Brasil, em seus aspectos antropológicos, sociais, econômicos, culturais e políticos. Ufa! Diversos vídeos de reportagens e entrevistas conduzidas por Ernesto nas décadas passadas são trazidos ao presente como material testemunhal. E nesses momentos imperdíveis de figuras como Paulo Maluf, FHC, Lula e tantos outros, o que prevalece é o humor crítico de uma inteligência com a qual não estamos mais familiarizados. Que vai além da piada rasteira ou trocadilho ofensivo.

As explicações abrangem da nossa descoberta às Diretas, da antropofagia ao governo Lula, enquanto Ernesto Varela arranca risos contorcidos de uma platéia que no fundo ri de sua própria face, muitas vezes cúmplice e responsável, escancarada em sua história e manias. E tome coerência!

Contudo fica clara uma disputa entre Varela e Tas, personagem e intérprete, ao não definer sua proposta, embaralhando as possibilidades. Não se trata, enfim, de uma teatralização da palestra, uma vez serem perceptíveis a insegurança e timidez de Tas enquanto ator. Tampouco assistimos uma performance onde o personagem simplesmente se coloca em ação, já que lá estão os textos, os tempos ensaiados, as coreografias marcadas e todos os detalhes de uma típica encenação.

E entre peça e performance o que surge de fato é a capacidade de Tas. A timidez proporcionada pelo palco/platéia some por completo quando o ator se dirige ao público para responder quaisquer questões sobre o Brasil. Sobressalta o artista instigante e raro. E a peça ganha momentos de leveza genuínos, preciosos, deixando claro a desnecessidade de artifícios cênicos ou mesmo de um roteiro muito determinado. No tentar ser dirigido, Tas anula de Ernesto Varela sua maior qualidade: improvisação. E vence a disputa, portanto. O que no fundo é ótimo, pois nos importa o artista, visto que este continua por aí, ativo, inquieto, perspicaz. Personagens têm seus momentos. Ernesto Varela foi a alma necessária da provocação de uma geração e, mesmo que esteja distante do nosso dia-a-dia, sua essência sobrevive na inteligência do artista criador.

A peça deve ir para o Rio de Janeiro e mesmo Brasília. Nada mais preciso. Da capital imperial à capital republicana. Fechando assim um ciclo histórico dentro do jornalismo brasileiro. Rompendo a característica mediana dos comentaristas e âncoras atuais, mais entregues ao fazer diário industrial do que ao pensamento quase artesanal do envolvimento retórico e teórico. Os telejornais ignoraram o aprendizado oferecido em Ernesto Varela. É uma pena. E se fazem suportar em formatos redundantes e, sobretudo, chatos. Como se assistíssemos ao mesmo noticiário em outro canal e horário, apresentado por bonecos de ventríloquo. A falta de personalidade e pessoalidade levou nossa televisão a absurdos patéticos por audiência e ao esvaziamento completo de importância e veracidade.

Aos que não a assistiram, corram. Nada nos dias de hoje é tão necessário para nos conduzir à reflexão objetiva e crítica com tamanha capacidade. Como escrevi no subtítulo desse texto, humor e inteligência são compatíveis! É triste que não se siga o exemplo do TUCA em abrigar qualidade, já que as salas de teatro ainda preferem as insuportáveis comédias para classe média sem menor consistência artística e conceitual.

Parabéns, Tas. Seja mais do que bem-vindo ao palco, Ernesto Varela. Definitivamente ele precisa de vocês...

* Arte gráfica a partir de desenho retirado do site www.marcelotas.com.br.

3 Comments:

  • oi rui


    obrigadissmo pela presenca e pelo texto no blog


    e' uma experiencia extraoridaria, essa do teatro, para mim. suas palavras sao motivo de reforcas o meu entusiasmo e energia para a batalha q nao e' facil, como vc bem sabe


    abcs


    tas

    By Anonymous Anônimo, at 5:00 PM  

  • Oi!

    Fui ontem ver o Ernesto Varela. Simplesmente AMEI!!!!!!É muito bom encontrar no meio da mediocridade alguém que dissemine o ato de pensar e se engarjar! Das matérias que são passadas no espetáculo, vê-se claramente que o estilo Ernesto de ser é visionário, ousado e deliciosamente divertido!!!Ótima dica!!!Abs, Adriana Petrilli

    By Anonymous Anônimo, at 4:06 PM  

  • Humor Inteligente já!

    Grande MArcelo TAs!

    http://murilloleal.blogspot.com/

    By Anonymous Anônimo, at 7:28 PM  

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