NAVALHA NA CARNE: raspa a pele do público e do artista
Poucas são as remontagens capazes de trazer a um texto aspectos novos de compreensão e valor. E infelizmente a mesmice é mais recorrente do que se imagina. Não é esse o caso de Navalha na Carne, com Gero Camilo, Paula Cohen e Gustavo Machado, dirigida por Pedro Granato. Muito pelo contrário. Valorizando cada aspecto da cena, a eficiente direção de Granato conduz o espetáculo ao paradoxo de se manter datado enquanto atualiza os personagens a uma precisa tradução do contemporâneo.
Se o texto, por muitas vezes, permanece aprisionado a um linguajar de outrora, é pela interpretação e a maneira como os corpos traduzem as personas que a atualização chega ao maior preciosismo. Gero Camilo elabora um vocabulário intenso unindo voz, gestualidade e postura, enquanto Paula Cohen desconstrói a linearidade dramática da personagem traduzindo-a a pura subjetividade e subtexto. Muitas vezes, as falas de Cohen são incompreensíveis e atropeladas, mas o que pode parecer incômodo inicialmente, aos poucos confere outros princípios ao entendimento de como pode ser a construção de um personagem.
Em ambos, o travesti Veludo e a prostitua Neusa Sueli, deixam de ser personagens consagrados interpretados por bons atores e passam a se apresentar arquétipos. Ali estão ainda Gero e Paula, reconhecíveis e idiossincráticos, cada qual como previmos ser, contudo despidos de suas próprias essências e compostos pela persona de seus personagens. Há mais na puta e no travesti desenhados do que meramente a apresentação de personagens dramáticos.
O que parece simples e óbvio revela-se imensamente complexo se confrontado ao trabalho de Gustavo Machado. Este, mais tradicional, acaba por muitas vezes construindo estereótipos rígidos, próprios de uma escola interpretativa que constitui o tipo como princípio de elaboração. Não se trata, todavia, de uma má realização do ofício, apenas, em tal tradicionalismo, revelam-se claramente ao público a diferença entre a maleabilidade da construção arquetípica e a rigidez do tipo característico.
Driblando tantas questões, a direção de Pedro Granato efetua o mais precioso movimento: ser despercebida. Sem malabarismos exibicionistas, o diretor conduz delicadamente os atores ao melhor de suas capacidades, e se afasta, generosamente, de qualquer exposição para determinar ao espetáculo sua existência na presença do intérprete. Mantendo o texto e suas características datadas, Granato ainda vence o desafio de tornar o passado natural em outro momento. E gera uma montagem incapaz de comparações históricas, precisa na atualidade de sua expressão e na maneira de lidar com os códigos simbólicos.
Navalha na Carne, em cartaz no Sesc Paulista, é uma estimulante aula de como o contemporâneo pode abrigar a história sem o pedantismo da releitura, de como a interpretação pode ser destituída do naturalismo simplista do virtuosismo técnico, de como a direção se releva infinitamente essencial ao mentir sua ausência. Deveria sair das salas de teatro para invadir de vez as salas das academias. Ao seu exemplo, teríamos um futuro muito mais instigante.
Se o texto, por muitas vezes, permanece aprisionado a um linguajar de outrora, é pela interpretação e a maneira como os corpos traduzem as personas que a atualização chega ao maior preciosismo. Gero Camilo elabora um vocabulário intenso unindo voz, gestualidade e postura, enquanto Paula Cohen desconstrói a linearidade dramática da personagem traduzindo-a a pura subjetividade e subtexto. Muitas vezes, as falas de Cohen são incompreensíveis e atropeladas, mas o que pode parecer incômodo inicialmente, aos poucos confere outros princípios ao entendimento de como pode ser a construção de um personagem.
Em ambos, o travesti Veludo e a prostitua Neusa Sueli, deixam de ser personagens consagrados interpretados por bons atores e passam a se apresentar arquétipos. Ali estão ainda Gero e Paula, reconhecíveis e idiossincráticos, cada qual como previmos ser, contudo despidos de suas próprias essências e compostos pela persona de seus personagens. Há mais na puta e no travesti desenhados do que meramente a apresentação de personagens dramáticos.
O que parece simples e óbvio revela-se imensamente complexo se confrontado ao trabalho de Gustavo Machado. Este, mais tradicional, acaba por muitas vezes construindo estereótipos rígidos, próprios de uma escola interpretativa que constitui o tipo como princípio de elaboração. Não se trata, todavia, de uma má realização do ofício, apenas, em tal tradicionalismo, revelam-se claramente ao público a diferença entre a maleabilidade da construção arquetípica e a rigidez do tipo característico.
Driblando tantas questões, a direção de Pedro Granato efetua o mais precioso movimento: ser despercebida. Sem malabarismos exibicionistas, o diretor conduz delicadamente os atores ao melhor de suas capacidades, e se afasta, generosamente, de qualquer exposição para determinar ao espetáculo sua existência na presença do intérprete. Mantendo o texto e suas características datadas, Granato ainda vence o desafio de tornar o passado natural em outro momento. E gera uma montagem incapaz de comparações históricas, precisa na atualidade de sua expressão e na maneira de lidar com os códigos simbólicos.
Navalha na Carne, em cartaz no Sesc Paulista, é uma estimulante aula de como o contemporâneo pode abrigar a história sem o pedantismo da releitura, de como a interpretação pode ser destituída do naturalismo simplista do virtuosismo técnico, de como a direção se releva infinitamente essencial ao mentir sua ausência. Deveria sair das salas de teatro para invadir de vez as salas das academias. Ao seu exemplo, teríamos um futuro muito mais instigante.
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