Antro Particular

02 fevereiro 2009

SEM EGO, O ARTISTA ESTÁ FADADO AO DESAPARECIMENTO

Tenho lido muita coisa do filósofo alemão Jügen Habermas e sua contribuição sobre teoria da Ação Comunicativa. Por ser ele sociólogo também, juntei, aos estudos e ensaios, muita reflexão filosófica associada a um alto teor de preocupação social. Segundo Habermas, a democracia nada mais é do que o fim e meio da emancipação individual e social, estando na nossa capacidade em nos examinarmos por conversas e diálogos os instrumentos para alcançarmos autonomia de julgamento sobre os fatos e assim chegarmos a liberdade.

O que tenho percebido no discurso comunicativo de jovens artistas e outros nem tão novos, é o despojamento do próprio ego. Explico: a necessidade de reconhecimento imediatista, disponibilizado pelas mídias mais superficiais, conduziu os artistas à construção de uma persona que satisfaça os interesses externos, em detrimento aos seus anseios reais. Não se trata de simplificar a questão pela venda ou submissão. Vamos mais longe sobre isso...

Optar ser artista é acreditar ter a capacidade de gerar discursos, cuja verdade inicial, portanto individual e própria, serve a todos como lhe serve, que seus argumentos e percepções são verdadeiramente necessários para levar o público (alienado ou ausente ou incapaz ou meramente desinteressado, tanto faz) a conhecer o que lhe escapa sobre a humanidade e a história, em si mesmo e os acontecimentos.

Valorizar, portanto, sua egolatria, significa dar profundidade e credibilidade a suas inquietações tornando-as diálogos sinceros e próprios ao coletivo democrático imaginado por Habermas. Em nenhuma outra profissão ou função social poderemos nos atribuir a capacidade em ser divergentes da verdade. Um advogado prostra-se aos fundamentos da Lei, um médico aos procedimentos, um engenheiro à precisão do cálculo. O artista a ninguém, contudo. Apenas a si mesmo e suas idiossincrasias para gerar pressupostos filosóficos e estéticos. Por isso é fundamental sua crença na onipotência de seu discurso.

Infelizmente, como mencionei, a vaidade ególatra dos artistas atuais está mais na busca por sua aceitação e reconhecimento público do que necessariamente em sua capacidade em ser um indivíduo, em ser único. E aí reside a problemática em si. Sem sua individualização e separação do coletivo, os discursos oferecidos são replicações de falas comuns, portanto, incapazes de atribuir ao ouvinte as capacidades próprias do diálogo e da ação comunicativa.

Se, como demonstra Habermas, a comunicação e a palavra são os principais instrumentos para constituir a democracia, e se nossos artistas (parâmetros comportamentais e de idéias estabelecidos pelas mídias) estão cada vez mais distantes da verdade de suas inquietações, caminhamos, então, para a elaboração de uma sociedade vazia de diálogos e discursos. Dessa maneira, o artista, hoje, serve mais à destruição da comunicação do que ao seu avanço e leva a arte a ser, dentre tantas outras manifestações do homem, uma das mais ferozes inimigas da construção efetiva de democracia.

Se um artista abandona sua egolatria, tudo aquilo que lhe torna realmente artista, em nome da noção efêmera e errônea de pertencimento, traduzindo seu trabalho em explanações do superficialismo do bem-comum coletivo, por que eu deveria levá-lo a sério?

Artista é aquele que simplesmente caminha, sem olhar ao lado, sem preocupar-se com o abraço e aplauso, e incomodamente abusivo no olhar olhos desconhecidos.

4 Comments:

  • "Artista é aquele que simplesmente caminha, sem olhar ao lado, sem preocupar-se com o abraço e aplauso, e incomodamente abusivo no olhar olhos desconhecidos."

    e não preciso "dizer" mais nada!!!

    abraços!!!

    By Anonymous Anônimo, at 2:06 AM  

  • Se poesia é "subjective truth that has an objective reality to it, because somebody has realized it. Then you call it poetry later...” (Allen Ginsberg), ela, assim como qualquer outra forma de arte depende, antes de mais nada, desse "sujeito" e de "suas" "verdades subjetivas"... Pena que isso parece ser cada vez mais raro e que o que mais encontramos por ai são "artistas" tentando nos vender cópias das "verdades subjetivas" dos outros...

    By Blogger Thomaz Junqueira, at 6:39 PM  

  • Olá Ruy, cá estou participando de suas considerações pertinentes e atuais sobre a liberdade não linear que nos remete a uma comunicação distorcida, desejo motivado não pela busca de uma verdade coletiva, proposta por Habermas, mas pela relação unilateral que se estabelece recentemente entre “emissor-receptor”. Artisticamente, no entanto, não consigo perceber a convergência entre a valorização e o resgate do “ego perdido”, com a credibilidade e profundidade de seu discernimento crítico. O que sinto é que apenas o controle do ego em questão não é mecanismo suficiente para dar credibilidade a uma construção estável de uma coletividade democrática. Essa fragilidade também é destacada por Bauman quando afirma que existe uma prioridade para relacionamentos virtuais, fazendo com que não saibamos mais sustentar laços verdadeiros. Os nossos artistas estão sim cada vez mais distantes de suas verdades, contudo, as inquietações de hoje fazem com que todos os egos, resgatados ou não, sejam dependentes de uma postura ultra moderna no processo de recuperação humanista de uma democracia verdadeiramente coletiva. Obrigado pela discussão , Beijos, Abeia.

    By Anonymous Anônimo, at 8:32 PM  

  • Se um artista se torna puro ego, falamos do mal radical de Kant, é autofágico, auto destrutivo e o que sobra: a casca - mais nada...triste. Fake como o genial Gerald Thomas. Genial, mas fake, puro ego e super-ego construído por pancake.

    Helen

    By Anonymous Anônimo, at 6:12 PM  

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