26 março 2009
25 março 2009
sugestão da semana...
COMPLEXO SISTEMA em Curitiba: por Luciana Romagnolli (Caderno G, jornal Gazeta do Povo)
Recorrendo ora às simbologias e à ausência de palavras, ora ao diálogo em que se confrontam um torturador e o torturado, a peça não é de fácil apreensão ou decodificação. A primeira imagem mostra um homem coberto por um capuz e preso a inúmeras e longas amarras. Ele se desvencilha. E as ações seguintes são conduzidas para cenas de agressões físicas.
Em resumo, um homem de terno, a quem logo se identificará como o representante da ordem (ou do "sistema"), tortura um jovem libertário. A música, composta por Patrick Grant, do Living Theater, para esta montagem, sublinha o clima tenso, de perigo. Mas também aparece como um instante de delicadeza ofertado ao preso em meio à virulência, resgatando sua sensibilidade para logo detoná-la novamente (o tal sistema de enfraquecimento da sensibilidade, de que trata o título).
Não seria preciso sentir tanta dor, sugere o torturador, querendo cooptar o jovem. "Sentir-se vivo dói", responde o torturado, criticando a perfeição estúpida do outro: "Deve ser desesperador só enxergar o que te mostram". Só é possível existir pela originalidade, bradará ainda o preso.
Suas frases ecoam, provocando o espectador a abandonar a passividade e a permanecer mentalmente ativo durante o espetáculo. Quando acaba, deixa uma plateia impressionada, ainda a traçar as conexões.
24 março 2009
ainda sobre o festival...
COMPLEXO SISTEMA em Curitiba: Não se sai indiferente com a Cia. Antro Exposto - por Valmir Santos
Desde o princípio, com uma voz ofegante ao microfone, temos a citação a Thomas, ou mesmo reverência assumida. Tal discípulo, Ruy Filho concebe um espetáculo estilhaçado em leituras, em camadas que passam pela música, pelas artes visuais, pela performance.
A arquitetura da Casa Vermelha, seu pé direito alto, sua vastidão de fundo, servem perfeitamente à narração espacial valorizada tanto quanto os atores, o texto, a luz e a música, vozes que se pretende sincronizadas com o desejo de não se perder ao menos um fio de fábula. Como se fosse estendida ao público uma corda mínima por meio da qual ele possa transitar no painel de distorções que se ergue.
Isso não quer dizer concessões, mas “a simplificação que complica”, para citar a dramaturgia também assinada por Ruy Filho. O estranhamento não diminui. Não há propriamente personagens, mas figuras. O prólogo, se é que podemos chamar assim, já explode em significados com suas inúmeras tiras de elásticos presas/soltas de um corpo.
O pretexto de visitar a relação da vítima de tortura com seu algoz desdobra-se em outros textos. Esse miolo vem em ondas de violência e afeto, incongruências que vão aproximando os arquétipos em jogo. Tocar ou escutar o violoncelo, por exemplo, pode ser o principal elo. E seu maior paradoxo.
Há um fértil terreno onírico como ponto de fuga ou mesmo para referendar a opressão. Transcende-se a esfera individual até a superestrutura da sociedade, como no instante em que se expõe o círculo de homens em torno de um único cilindro de oxigênio, atávicos.
Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade cria uma profusão de imagens expressionistas sem fazer uso de ferramentas tecnológicas audiovisuais. Inevitável o paralelo com Thomas e seu domínio operístico da cena em grande escala, palco proporcional. Aqui, a via é a do despojamento com sofisticação conceitual, dos espaços não convencionais como o do Satyros, em São Paulo, onde a Antro Exposto atualmente está em cartaz, ou ainda num dos barracões do Centro Cultural Rio Verde, na Vila Madalena também paulistana.
São imagens, antes, construídas por meio da ação física dos seis atores, dos objetos (como o aro de bicicleta a evocar Duchamp), dos corpos disformes (embates verbal e físico entre Diego Torraca e Guilherme Gorski em suas inversões de carrasco), do manequim sobressalente, das pilastras e das paredes da Casa Vermelha, do desenho de luz arrojado... Todos esses elementos são sublinhados com autonomia, mas só se traduzem quando em conjunto.
Exceção a um item: a música. Ela exacerba, descola-se do todo. Não está em xeque a trilha pulsante de autoria do diretor musical do lendário grupo norte-americano The Living Theatre, Patrick Grant, crucial para a proposta - ele esteve em São Paulo com os criadores brasileiros. Mas a encenação parece incorporá-la sem edição, sem respiro. Essa música dominante às vezes resulta transferência de sensação que afasta o espectador. A analogia com a tortura, afinal, não precisa ser ao pé da letra.
No mais, não se sai indiferente dessa ousada experiência cênica, dessa ilha de desordens que é Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade. Um espetáculo brutal, que acessa áreas subreptícias do mascaramento humano em suas banalizações do mal e do bem. Em última instância, à arte compete essa mediação.
texto originalmente publicado no blog oficial do Festival de Curitiba.
Complexo Sistema por Nelson de Sá - publicado em 11 de março
Sem os recursos de produção que Gerald Thomas já teve um dia _e que ainda levanta, de vez em quando ao menos_ Ruy Filho cria imagens de grande efeito em "Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade".
Em cartaz nos subterrâneos dos Satyros, o espetáculo enfrenta a precariedade do lugar e sai vitorioso. Alguns instantâneos imprimem profundamente, casos do corpo (de ator) preso a todos os cantos do teatro e da bicicleta juvenil amassada, como que atropelada por um caminhão.
O espaço é especialmente significativo por indicar uma trilha de diferenciação entre Ruy Filho e sua influência assumida, Gerald.
Naquele subterrâneo, para além de Gerald, as cenas de tortura remetem ao universo pop americano, PG-13, e ao mesmo tempo ao jogo realista bruto das encenações de Rodolfo Garcia Vazquez. Deixei o teatro, já madrugada, com a cabeça cheia de conexões também com a Sadako de "Ring", com Damien Hirst e outros.
Foi a minha maneira de fugir à obviedade que remetia "Complexo Sistema" a Gerald, à "Classe Morta" e outras tantas referências. Reconheço a qualidade, mas não consigo me entusiasmar com aquilo que, em Ruy, remete abertamente a criadores anteriores.
Sei bem que é um dos melhores caminhos para todo artista em formação. Lembro sempre que Antunes foi assistente de Ziembinski e Ruggero Jacobbi, que Zé Celso assistiu ao Boal. Que Luiz Fernando Marques aprendeu com Antonio Araújo, Cibele Forjaz com Zé e infindáveis outros exemplos.
Aliás, Shakespeare, pelo que leio, estudou à maneira de então, primeiro copiando integralmente os textos clássicos, depois alterando, por fim criando plenamente.
Ruy Filho, me parece, está no final da transformação, ainda sob angústia da influência mas já priorizando traços próprios e fortes, que não é possível relacionar a quem quer que seja. Lenise, que percebe essas coisas como ninguém, me alerta do jovem diretor há tempos.
"Complexo Sistema", às quartas e quintas, segue em cartaz só até a semana que vem.
Complexo Sistema fotografado e comentado por Leca Perrechil
Confira abaixo algumas fotos dos primeiros minutos do espetáculo. Tá certo que deu vontadezinha de fotografar até o fim, pelas imagens esteticamente bem executadas da encenação, mas…
O Fringe finalmente começa a ficar melhorzinho… pelo menos pra mim.


COMPLEXO SISTEMA em Curitiba: Indicado para fãs de Gerald Thomas - por Rober Machado
A relação entre dominador e dominado é o fio condutor da peça. Cenas de tortura alternam-se com cenas de delírio, construindo aos poucos um ambiente que vai resultar num interessante diálogo entre os dois personagens. Até isso acontecer, o torturado tem o rosto coberto com uma máscara e somente o torturador mostra seu rosto. O poder dominante tem uma face bem conhecida enquanto o dominado não pode apresentar uma opinião, não pode agir como quiser, apenas se submeter a uma situação que não pode controlar. Quando mostra seu rosto, passa a ter uma personalidade e emitir opiniões, passa a ser alguém.
Essas são as linhas gerais, existem vários detalhes que o espectador vai estabelecer as conexões na sua mente, fazendo-o pensar em diversas possibilidades.
A dupla central de atores faz um ótimo trabalho, entregam-se com intensidade a seus papéis, lutam física e mentalmente.
A trilha sonora é assinada por Patrick Grant, do grupo Living Theater, que já compôs trilhas para espetáculos de Bob Wilson e Gerald Thomas. A música é quase onipresente na peça, ambientando e conduzindo as cenas. Chega a lembrar uma ópera onde ninguém canta. Uma encenação poderosa, que aproveita muito bem o espaço cênico. Enfim, Ruy Filho é um nome para se prestar atenção daqui por diante.
ZOOLÓGICO DE VIDRO: o correto em demasia atrapalha o sonho

Alguns mais contemporâneos sofrem ainda a presença recente de sua existência. É o caso de Zoológico de Vidro, tantas vezes encenado por aí como À Margem da Vida, de 1943. Tennessee Williams, consagrado autor americano, leva para o palco personagens perdidos em suas próprias incapacidades de ação. É a América pós-depressão, de guerras mundiais e tantas outras desconfigurações do sujeito em meio ao social deformado pela indústria e urbanidade das metrópoles.
Ulysses Cruz assina a direção da nova montagem que se propõe festejar os 30 anos de carreira de Cássia Kiss. Conhecemos a atriz por personagens grandiosos, de novelas e seriados televisivos, com sua capacidade de elaborar minuciosamente tantos tipos durante as últimas décadas.
Contudo, algo sai da ordem. Algo se estranha no espetáculo apresentado. Nada de superficialidade, tampouco de erros absurdos. Pelo contrário. Cássia Kiss muitas vezes passa um pouco da representação proposta e esbarra em certo tom caricatural na construção da matriarca. Algo semelhante ocorre também com os outros atores em tantos outros momentos, o que pode ser entendido como norte estipulado pela direção dentro da concepção original.
Não está no exagero das interpretações o elemento estranho ao qual me refiro. Opções são pessoais. A questão é outra. Tudo é tão bem equalizado para formar o espetáculo que, ao fim, falta-lhe certo sabor. A tentativa de levar a atriz das novelas para o público que a assiste pela televisão dá ao correto previsibilidade e cansaço. Não há o frescor da ousadia, da proposição de reinvento, da leitura além do óbvio.
Ao escolher Tennessee Williams, Cássia Kiss foi até o cerne de um dos autores mais inquestionáveis no desenhar de personagens, sobretudo femininos. E cobrou de si a capacidade do risco e da escolha.
Entretanto, nada aconteceu. Está lá um espetáculo razoavelmente bem acabado, com uma ruga ou outra no painel ao fundo, boa afinação da iluminação azul e o desenho preciso das plataformas, porém figurativas demais. Tudo devidamente correto e impreciso. Para quem quer reencontrar o autor, Zoológico de Vidro o traz caricato e ainda sim pertinente. Aos fãs da atriz, uma certa decepção frente ao olhar mais apurado. Aos que sentiam falta de Ulysses em nossos palcos, fica a saudade dos seus primeiros trabalhos.
21 março 2009
Complexo Sistema de Enfraquecimento da Sensibilidade - festival de curitiba
* ensaios, estudos e preparações
* apresentação de sexta-feira - fotos Patrícia Cividanes