ADUBO: O teatro candango e a morte de todos os dias
Os brasilienses do grupo TUCAN (Teatro Universitário Candango) trazem para o palco do CCSP o espetáculo Adubo ou a Sutil Arte de Escoar pelo Ralo. O texto parte do atropelamento do cão Balu para trilhar variações sobre a morte e como a encaramos.
Ora arrancando risos encabulados, ora suspendendo a respiração do público via poesia, a grande destreza do espetáculo está na capacidade múltipla dos atores de se jogar em cenas tão distintas e em ritmo tão frenético. O trabalho eficiente da direção de Hugo Rodas consegue ir além de imagens óbvias para compor universos distintos em uma narrativa não-linear.
Desde a Grécia antiga, a morte é assunto do teatro. Os rituais dionisíacos de destroçar a caça, realizados pelas bacantes, sugerem códigos da transformação do indivíduo em personagem, na substituição da persona própria pela composição de outra, onde tudo passa a ser permitido e relido.
O teatro tem como características próprias a realização estética pelo valor vivo do ator e a pulsação conjunta com o público, a manifestação concreta da criação em tempo presente. Talvez por isso a morte seja desde sempre um dos seus maiores discursos ao lado do amor. A impossibilidade de experienciar a morte faz do teatro instrumento para a busca de sua compreensão. A cada personagem morto sobre um palco renasce um ator, uma consciência, uma vida.
Hoje temos a presença da morte "cotidianizada" pelos noticiários. Perdemos a propriedade do mistério no convívio superficial com a mesmice, com os fatos comuns, ainda que não entendamos qual ser seu significado maior. Isso para os que ainda acreditam haver o que ser descoberto.
Há algo de triste no aceitar a morte. Há algo de errado em entender a morte. A história moderna é feita de guerras e massacres tanto quanto a antiga, contudo nos embriagamos em imagens de violência e opressão e restringimos nossa esperança ao fato de não sermos nós os corpos dentro da tevê. Satisfazemo-nos em nossas poltronas macias observando e sugando a morte alheia na manutenção de um imaginário de horror, sofrimento e pecado.
Morremos todos os dias ao ir dormir? Ou morremos a cada manhã que re-acordamos? Rindo da desagradável impossibilidade de controlar a morte, Adubo... conduz o público a questionar a vida. Não estar morto é estar vivo, e isso por si só é muita coisa. E viver é antes de tudo existir em relação, ou seja, colocar-se constantemente em presença consciente.
Verdadeiramente morremos todos os dias duas vezes. Deitamos sem acréscimos, levantamos para não viver. Elegemos como desnecessária a consciência febril dos fatos que deveriam ser prioritários. Esquecemos o ontem e o antes. Olhamos para um vir que aponta incansavelmente o inexistir ou existir eterno.
E se a morte é a maior realidade, trazer pela consciência a presença da vida parece uma romântica e inútil luta contra o óbvio. Assim nos matamos. E levamos juntos o mundo e a história que de algum modo deixa de ser construída para ser experimentada por osmose, sem controle, sem sabor.
Ora arrancando risos encabulados, ora suspendendo a respiração do público via poesia, a grande destreza do espetáculo está na capacidade múltipla dos atores de se jogar em cenas tão distintas e em ritmo tão frenético. O trabalho eficiente da direção de Hugo Rodas consegue ir além de imagens óbvias para compor universos distintos em uma narrativa não-linear.
Desde a Grécia antiga, a morte é assunto do teatro. Os rituais dionisíacos de destroçar a caça, realizados pelas bacantes, sugerem códigos da transformação do indivíduo em personagem, na substituição da persona própria pela composição de outra, onde tudo passa a ser permitido e relido.
O teatro tem como características próprias a realização estética pelo valor vivo do ator e a pulsação conjunta com o público, a manifestação concreta da criação em tempo presente. Talvez por isso a morte seja desde sempre um dos seus maiores discursos ao lado do amor. A impossibilidade de experienciar a morte faz do teatro instrumento para a busca de sua compreensão. A cada personagem morto sobre um palco renasce um ator, uma consciência, uma vida.
Hoje temos a presença da morte "cotidianizada" pelos noticiários. Perdemos a propriedade do mistério no convívio superficial com a mesmice, com os fatos comuns, ainda que não entendamos qual ser seu significado maior. Isso para os que ainda acreditam haver o que ser descoberto.
Há algo de triste no aceitar a morte. Há algo de errado em entender a morte. A história moderna é feita de guerras e massacres tanto quanto a antiga, contudo nos embriagamos em imagens de violência e opressão e restringimos nossa esperança ao fato de não sermos nós os corpos dentro da tevê. Satisfazemo-nos em nossas poltronas macias observando e sugando a morte alheia na manutenção de um imaginário de horror, sofrimento e pecado.
Morremos todos os dias ao ir dormir? Ou morremos a cada manhã que re-acordamos? Rindo da desagradável impossibilidade de controlar a morte, Adubo... conduz o público a questionar a vida. Não estar morto é estar vivo, e isso por si só é muita coisa. E viver é antes de tudo existir em relação, ou seja, colocar-se constantemente em presença consciente.
Verdadeiramente morremos todos os dias duas vezes. Deitamos sem acréscimos, levantamos para não viver. Elegemos como desnecessária a consciência febril dos fatos que deveriam ser prioritários. Esquecemos o ontem e o antes. Olhamos para um vir que aponta incansavelmente o inexistir ou existir eterno.
E se a morte é a maior realidade, trazer pela consciência a presença da vida parece uma romântica e inútil luta contra o óbvio. Assim nos matamos. E levamos juntos o mundo e a história que de algum modo deixa de ser construída para ser experimentada por osmose, sem controle, sem sabor.
2 Comments:
Nossa, agora q vi e seu blog está muito bacana.
Lembra de mim? Trabalhamos juntos na SMC!!!
Bom, aproveita e passa para conhecer o meu blog www.loislaneid.blogspot.com
e o da minha cia de teatro, q inclusive vc precisa assistir,
www.ciadesencontrarios.blogspot.com
By Janaina Fainer, at 6:39 PM
Oi, Ruy.
É só pra te falar que seu blog está muito bom. Tá uma delícia de ler.
No último artigo, o do "adubo", adorei a reflexão, o jeito como ela
foi se desenvolvendo.
Não é tão fácil ultimamente, ver críticas ou observações sobre teatro
que apontem "de" e "para" outras perspectivas, que revelem da parte de
quem escreve uma certa abertura, uma humanidade mais apurada e menos
bitolada naquele mundinho da especialização.
Bom, tá dito.
Parabéns.
Beijo grande,
By Anônimo, at 3:16 AM
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