RICARDO III: a face que prefirimos ocultar
Ricardo III foi escrita por W. Shakespeare nos anos 1592-3. Um dos nove dramas históricos do dramaturgo inglês, a peça retrata o momento após a morte do Rei Henrique, ao final de 30 anos de batalha entre os clãs York e Lancaster pelo controle do trono. Ricardo, deformado e coxo, traça um elaborado plano de conspirações e assassinatos para chegar à coroa.
A peça retrata como a política se consolida no poder e suas artimanhas para co-existir ao presente e futuro. Esta revolução na abordagem dramatúrgica conduz o pensamento teatral renascentista ao entendimento do Homem como produto do meio político e social do qual é parte, distanciando-o da sociedade agrária e teocrática medievais.
Ilustrar a construção do pensamento político enquanto metáfora de como a sociedade se organiza e consolida é uma das principais características responsáveis por fazer de Ricardo III um personagem típico de nossos parlamentos, rosto semelhante a tantos diariamente estampados nos jornais. Não há novidade na falta de moralidade. O interessante está na circunstância de assistir ao que vivenciamos hoje abordado em fatos tão distantes.
A explicação em si é mais complexa. O desejo pelo poder é responsável pela corrupção da alma ou faz parte do humano a disponibilidade pelo corromper-se? Um desejo, inerente estado individual de sobrevivência, cria inevitavelmente recursos próprios pelos quais a sua importância sobressai ao valor de outro desejo. Portanto, não estará igualmente na base do Poder a disponibilidade pelo se corromper?
Em Ricardo III, Shakespeare diz que sim, e faz disso arma para nos alertar sobre a fragilidade de nossa humanidade. Somos todos igualmente corruptíveis e nos diferenciamos dos monstros apenas pela ganância e abrangência dos nossos sonhos e desejos.
Aos interessados pela histórica, é preciso citar ainda a curiosa filmagem realizada por Al Paccino, em 1996, misturando making of, pré-produção da montagem teatral, cenas teatrais, o suposto filme realizado e investigações históricas dos fatos e personagens.
Já a montagem teatral de Ricardo III, dirigida por Jô Soares, com elenco global estrelar, que inclui Marco Ricca no papel principal, Glória Menezes e Denise Fraga, traz elementos calcados na perspectiva do diretor. Ou seja, como não poderia deixar de ser, Jô explora os momentos de cinismo e ironia do personagem - um misto de monstro e sedutor - determinando ao espetáculo maior leveza e dramaticidade, ao invés de intensificar a crueldade e o tom trágico com o qual o texto normalmente é explorado.
Com uma ótima tradução que contribui para a compreensão do enredo sem, entretanto, perder o ritmo da poesia shakesperiana, a peça é sustentada principalmente na instigante interpretação de Marco Ricca como protagonista.
Falta, contudo, melhor ajuste ao restante do elenco principal e apoio. E se por um lado Jô consegue primar pela qualidade da palavra, por outro a direção de cena se manifesta tímida e previsível, com certo ar de teatro de repertório e academicismo de um suposto modernismo, mas na verdade já conservador.
De qualquer maneira, mesmo não sendo excepcional, é uma ótima oportunidade para o público se encontrar com Shakespeare.
A peça retrata como a política se consolida no poder e suas artimanhas para co-existir ao presente e futuro. Esta revolução na abordagem dramatúrgica conduz o pensamento teatral renascentista ao entendimento do Homem como produto do meio político e social do qual é parte, distanciando-o da sociedade agrária e teocrática medievais.
Ilustrar a construção do pensamento político enquanto metáfora de como a sociedade se organiza e consolida é uma das principais características responsáveis por fazer de Ricardo III um personagem típico de nossos parlamentos, rosto semelhante a tantos diariamente estampados nos jornais. Não há novidade na falta de moralidade. O interessante está na circunstância de assistir ao que vivenciamos hoje abordado em fatos tão distantes.
A explicação em si é mais complexa. O desejo pelo poder é responsável pela corrupção da alma ou faz parte do humano a disponibilidade pelo corromper-se? Um desejo, inerente estado individual de sobrevivência, cria inevitavelmente recursos próprios pelos quais a sua importância sobressai ao valor de outro desejo. Portanto, não estará igualmente na base do Poder a disponibilidade pelo se corromper?
Em Ricardo III, Shakespeare diz que sim, e faz disso arma para nos alertar sobre a fragilidade de nossa humanidade. Somos todos igualmente corruptíveis e nos diferenciamos dos monstros apenas pela ganância e abrangência dos nossos sonhos e desejos.
Aos interessados pela histórica, é preciso citar ainda a curiosa filmagem realizada por Al Paccino, em 1996, misturando making of, pré-produção da montagem teatral, cenas teatrais, o suposto filme realizado e investigações históricas dos fatos e personagens.
Já a montagem teatral de Ricardo III, dirigida por Jô Soares, com elenco global estrelar, que inclui Marco Ricca no papel principal, Glória Menezes e Denise Fraga, traz elementos calcados na perspectiva do diretor. Ou seja, como não poderia deixar de ser, Jô explora os momentos de cinismo e ironia do personagem - um misto de monstro e sedutor - determinando ao espetáculo maior leveza e dramaticidade, ao invés de intensificar a crueldade e o tom trágico com o qual o texto normalmente é explorado.
Com uma ótima tradução que contribui para a compreensão do enredo sem, entretanto, perder o ritmo da poesia shakesperiana, a peça é sustentada principalmente na instigante interpretação de Marco Ricca como protagonista.
Falta, contudo, melhor ajuste ao restante do elenco principal e apoio. E se por um lado Jô consegue primar pela qualidade da palavra, por outro a direção de cena se manifesta tímida e previsível, com certo ar de teatro de repertório e academicismo de um suposto modernismo, mas na verdade já conservador.
De qualquer maneira, mesmo não sendo excepcional, é uma ótima oportunidade para o público se encontrar com Shakespeare.
2 Comments:
Olá Ruy;
Dessa vez discordamos, e bem de longe. Assisti à montagem apresentada na FAAP, com direção do JÔ, e me pareceu tão superficial quanto as suas entrevistas hoje em dia, no programa diário da Globo. O próprio Marco Ricca me pareceu superficial e estereotipado e, excetuando Ary França, não vi ninguém se salvar com alguma interpretação que fosse digna de menção. Quanto à montagem, cheia de luz e espaços abertos no grande palco da FAAP, me parece diferir do ambiente cheio de conversas ao pé de ouvido e de tramas às escuras, próprias da história de Ricardo III.
Achei que nada ali alcança o mínimo de profundidade e veracidade que Shakespeare e Ricardo merecem.
By Anônimo, at 1:06 AM
Oi, Semerjian. tem uma coisa curiosa sobre essa montagem do Jô, a de visões completamente distintas. De alguma maneira, parece-me que as apresentação são bem incontantes em mantér suas qualidades e defeitos. Quando assisti a peça, realmente me impressionei com o Ricca, pois vi um trabalho preciso. Já o restante, inclusive o Ary, estava mais para meros leitores do texto, praticamente sem interpretação alguma. Cansaço talvez? É possível... De qualquer maneira, fui após o falecimento de um aparentado do elenco. Talvez isso tenha influênciado um pouco.
Outros me disseram que não gostaram da montagem. Alguns defederam o Ricca.
A controvérsia é bem ampla...
Sobre a direção, é como escrevi no artigo, não gosto. Acho que realmente se propõe a ser moderna sem muito conhecimento da linguagem teatral de hoje. Acaba se esteriotipando dentro de um padrão de muita luz e pouco cenário. Apesar de achar o figurino do Cássio interessante.
Quanto a profundidade do Shakespeare, é nitido que o Jô se propôs a facilitar o texto. E de alguma forma, as pessoas saíam atingidas. Isso não me incomoda.
Lembro-me do Hamlet do Peter Brook, quando o diretor também facilitou o texto, tirou o excesso trágico do texto, e optou por uma versão inclusive modificada da trama. Foi incrível.
De alguma maneira, sem comparação entre Jô e Brook (foi apenas uma citação defensiva minha!), eles recuperam algo que acredito ser primordial em Shakespeare: humor, diversão.
Não devemos nos esquecer que Shakespeare, mais do que qualquer coisa, era um dramaturgo irônico e provocativo, que criava seus textos para um público que o assistia aos gritos e bebedeiras. O tom irônico é fundamental, portanto.
A tal profundidade da cena, acho que não existia enquanto encenação naquela época, tampouco devia ser prioridade para ele, cujo intuito maior não era sequer alertar criticamente a platéia, mas provocar a realeza e nobreza falando de suas podridões.
Basta entendermos que a originalidade de Shakespeare não estava na escrita de algo novo, e sim na colagem de histórias medievais quais se apropriava espertamente. O que não diminui qualidade, pelo contrário. Essa atitude só vai ser entendida no séc. xx, enquanto instrumento de criação e conceituação estética. Ele já usava e entendia isso no século XVI.
Enfim, acho que a montagem do Jô, ainda que cheia de macetes moderninhos, consegue ao menos trazer ao público de hoje o texto, de maneira natural, divertida e agradável, para deixar que a história surja com seus desagravos e desprazeres sobre o homem e a sociedade.
Nesse ponto, parece-me que o Jô está mais próximo de Shakespeare que muitos outros por aí, com suas vozes empostadas, suas profundidades trágicas e seus cenários minuciosos.
Beijos
RUY FILHO
By Ruy Filho, at 11:12 AM
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