HÁ BULA PARA NELSON RODRIGUES
O pernambucano Nelson Rodrigues (1912-80) é sinônimo do homem carioca, no meio século passado. Jornalista, escreveu crônicas e peças teatrais, e é considerado unanimemente o mais importante dramaturgo brasileiro. Sua obra acompanha a modernização da linguagem no teatro, de Ziembinski a Antunes Filho, e deste às dezenas de espetáculos em cartaz, ano após ano, com diretores e companhias consagradas e amadores grupos espalhados pelo país.
É impossível contabilizar as encenações. De alguma maneira, Nelson Rodrigues se tornou a face brasileira no desenho de personagens cuja única regra sempre fora ir além da moralidade católica para surpreender o espectador em artimanhas repletas de desejo, sarcasmo, hipocrisia e morte.
Contradizer, então, a aceitação histórica de genialidade, seria por demais ousadia minha. Mas trago algumas inquietações.
Pouco tempo atrás, Ribeirão Preto teve organizado uma festa funk na qual o ingresso feminino se dava gratuitamente com a falta da vestimenta íntima, verificada tecnicamente através de um espelho direcionado sob as minissaias. Muitas dessas jovens eram menores de idade, e algumas, ainda, deixadas no baile pelos próprios pais.
Se escrito por Nelson Rodrigues, talvez os pais entrassem para dançar com suas filhas, e não antes que escondidos ele ou ela retirasse a peça dentro do carro, à força ou como sedução juvenil. Um amor inquieto, um estupro, a prostituição, a morte estariam associados à ação. Mero pretexto para escancarar a vergonha e corrupção humana na classe média brasileira.
Nada disso. O funk ribeirãopretano fora apenas uma diversão de meia-noite, aceita pela sociedade e pais, nas quais garotas e garotos se jogaram ao prazer da dança e erotismo sem outras preocupações ou metáforas sobre a conduta social.
Exemplo mínimo, apenas, e a questão: como tratar então, na cena contemporânea, a dialética nelsonrodriguiana, as perspectivas psicológicas pelas quais personagens e situações são erguidos na narrativa, se vivemos um mundo desprovido de contradições morais (e não vou estabelecer aqui o que é certo ou errado pois não se trata mais disso) e quaisquer tipos de repressão institucionalizada junto aos valores familiares?
Mudamos para melhor e pior, e a liberdade, como não poderia deixar de ser, trouxe excessos e desvios. Os tais inevitáveis vícios da democracia de que tanto fala Arnaldo Jabor.
Voltando ao teatro... É do contemporâneo a busca incessante por traduzir a cena por aspectos outros que não o da interpretação submetida ao psicológico, como a escola stanislavskiana, na qual o personagem é elaborado pelo desenho de sua persona.
E é sobre tais aspectos da cena realista que Nelson Rodrigues cria sua dramaturgia, e por onde está sua maior força de diálogo com o público, na tentativa de veracidade sobre as situações apresentadas no palco.
Como traduzir Nelson Rodrigues ao nosso tempo é um desafio ácido que inclui desde a recriação da linguagem cênica e narrativa até a redesenhar suas personagens no que pode haver de mais próximo ao que nos tornamos. Do contrário, levamos Nelson a duas armadilhas: restringi-lo ao comodismo histórico de uma época apresentando-o ingênuo frente aos fantasmas e segredos que hoje nos perseguem.
É impossível contabilizar as encenações. De alguma maneira, Nelson Rodrigues se tornou a face brasileira no desenho de personagens cuja única regra sempre fora ir além da moralidade católica para surpreender o espectador em artimanhas repletas de desejo, sarcasmo, hipocrisia e morte.
Contradizer, então, a aceitação histórica de genialidade, seria por demais ousadia minha. Mas trago algumas inquietações.
Pouco tempo atrás, Ribeirão Preto teve organizado uma festa funk na qual o ingresso feminino se dava gratuitamente com a falta da vestimenta íntima, verificada tecnicamente através de um espelho direcionado sob as minissaias. Muitas dessas jovens eram menores de idade, e algumas, ainda, deixadas no baile pelos próprios pais.
Se escrito por Nelson Rodrigues, talvez os pais entrassem para dançar com suas filhas, e não antes que escondidos ele ou ela retirasse a peça dentro do carro, à força ou como sedução juvenil. Um amor inquieto, um estupro, a prostituição, a morte estariam associados à ação. Mero pretexto para escancarar a vergonha e corrupção humana na classe média brasileira.
Nada disso. O funk ribeirãopretano fora apenas uma diversão de meia-noite, aceita pela sociedade e pais, nas quais garotas e garotos se jogaram ao prazer da dança e erotismo sem outras preocupações ou metáforas sobre a conduta social.
Exemplo mínimo, apenas, e a questão: como tratar então, na cena contemporânea, a dialética nelsonrodriguiana, as perspectivas psicológicas pelas quais personagens e situações são erguidos na narrativa, se vivemos um mundo desprovido de contradições morais (e não vou estabelecer aqui o que é certo ou errado pois não se trata mais disso) e quaisquer tipos de repressão institucionalizada junto aos valores familiares?
Mudamos para melhor e pior, e a liberdade, como não poderia deixar de ser, trouxe excessos e desvios. Os tais inevitáveis vícios da democracia de que tanto fala Arnaldo Jabor.
Voltando ao teatro... É do contemporâneo a busca incessante por traduzir a cena por aspectos outros que não o da interpretação submetida ao psicológico, como a escola stanislavskiana, na qual o personagem é elaborado pelo desenho de sua persona.
E é sobre tais aspectos da cena realista que Nelson Rodrigues cria sua dramaturgia, e por onde está sua maior força de diálogo com o público, na tentativa de veracidade sobre as situações apresentadas no palco.
Como traduzir Nelson Rodrigues ao nosso tempo é um desafio ácido que inclui desde a recriação da linguagem cênica e narrativa até a redesenhar suas personagens no que pode haver de mais próximo ao que nos tornamos. Do contrário, levamos Nelson a duas armadilhas: restringi-lo ao comodismo histórico de uma época apresentando-o ingênuo frente aos fantasmas e segredos que hoje nos perseguem.
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