Antro Particular

07 dezembro 2005

EM DÚVIDA ENTRE O SIM E O NÃO? : texto de Denis Mizne

Postado na hospedagem anterior do blog no sábado, 8 de outubro de 2005
02:51:38


ESTE TEXTO ME FOI ENVIADO POR UMA AMIGA. POR TRATAR A QUESTÃO DO DESARMAMENTO A PARTIR DE ESTATÍSTICAS E PESQUISAS, E SER O AUTOR DIRETOR DO INSTITUTO SOU DA PAZ, CUJA SERIEDADE E IMPORTÂNCIA SÃO INDISCUTÍVEIS, TRATO DE INCLUÍ-LO AQUI.

ABRAÇOS

RUY FILHO


EM DÚVIDA ENTRE O SIM E O NÃO?

Prezados,

Me chamo Denis Mizne, sou Diretor Executivo do Instituto Sou da Paz e trabalho e estudo na área de segurança pública há 8 anos. Nestes oito anos, em decorrência de meu trabalho não só no Sou da Paz, mas como pesquisador no Instituto de Combate ao Crime das Nações Unidas para América Latina, Chefe de Gabinete do Ministério da Justiça do Governo anterior (para deixar claro) e como membro de uma série de Conselhos na área de segurança pública, incluindo o Conselho Nacional Anti Drogas, o Conselho Interdisciplinar de Segurança Pública do Estado de São Paulo e o Conselho de Acompanhamento das Estatísticas Criminais da Polícia Paulista, tive a oportunidade de conviver de perto com os maiores especialistas no assunto e ter contato com diversas pesquisas e experiências concretas, bem sucedidas, de combate à violência.

Não coloco estes "títulos" acima para usar de argumento de autoridade, mas para que vocês, que não me conhecem, possam saber de onde vem as informações que passo abaixo:

Em 2003 quase 40 mil brasileiros foram assassinados com armas de fogo. Isto significa 108 mortes por dia. Coloca o nosso país como o país que mais mata com armas de fogo no mundo, inclusive comparando com países que estão em guerra. Isto pode não significar nada, mas chama a atenção de que algo precisa ser feito para conter esta verdadeira epidemia que atinge, primordialmente, os jovens, homens, pobres, moradores de periferias e favelas das grandes cidades brasileiras.

Com este contexto em mente, coloco alguns pontos para reflexão abaixo, tentando ser bastante objetivo:

1. Quem mata no Brasil?

Quando imaginamos um homicídio, sempre pensamos em um ladrão invadindo a nossa casa e tirando a nossa vida quando ia roubar algo, ou disparando um revolver contra nosso carro ao tentar nos assaltar no trânsito. Este tipo de crime se chama latrocínio - matar para roubar. Por mais absurdo que pareça, este tipo de crime corresponde à apenas 5% do total de vítimas de assassinatos no Estado de São Paulo. Basta olhar a página de estatísticas da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo www.seguranca.gov.br e checar.

Da onde vem os outros 95%? Obviamente que nos outros 95% não há apenas mocinhos matando mocinhos. Temos cerca de mais 5% oriundos de mortes cometidas pela policia e mais uma porcentagem significativa de mortes cometidas entre quadrilhas de traficantes em sua disputa por pontos. Mas, de acordo com o DHPP - Divisão de Homicídios da Polícia - a causa número 1 de morte em nosso Estado é exatamente o conflito entre cidadãos sem histórico criminal, que morrem no final de semana, à noite, perto de bares, há menos de 1 km de suas casas. 60% morrem ha menos de 500 metros de onde moram. Um estudo do Núcleo de Estudos da Violência da USP aponta que neste tipo de crime, em 46% das vezes, autor e vítima se conhecem e se matam por motivos absolutamente fúteis. Veja que o DHPP separa este tipo de crime de TODO E QUALQUER CRIME QUE ENVOLVA A QUESTÃO DA DROGA.

Temos, portanto, uma sociedade onde, pela ausência do Estado, pelos inúmeros conflitos que imperam em nossas periferias, pela prevalência da cultura da violência e da disponibilidade de armas de fogo, se mata e se mata muito. Por causa de brigas de bar, brigas de trânsito, discussão porque um mexeu com a mulher do outro etc... Fatos que, se não houvesse uma arma presente, não gerariam morte. Poderia haver uma briga, uma discussão, mas não uma tragédia.

2. Mas há muitos bandidos que matam, estupram, seqüestram... Com que armas eles cometem estes crimes?

A Secretaria de Segurança de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, analisaram as armas apreendidas com criminosos. Veja, não armas entreguem voluntariamente, mas armas que estavam nas mãos de pessoas que estavam cometendo os crimes graves a que me refiro acima!

Destas armas, em SP, mais de 90% eram revolveres ou pistolas de calibre permitido e 78% eram produzidas no Brasil. Em Minas, o número passa de 99% de armas curtas e no Rio, estado onde o crime é o mais organizado do país, chega a 80% de armas curtas e 76% brasileiras. O que isto significa?

Que as armas usadas pelos bandidos não são os fuzis, metralhadoras, etc... Que são contrabandeadas! Este tipo de arma é usado pelas grandes quadrilhas do crime organizado, para brigas entre si ou contra a polícia, mas raramente são usadas em assaltos ou crimes contra cidadãos comuns. Muitos dos senhores, assim como eu, já foram assaltados ou conhecem quem já foi. Pergunto: alguém conhece alguém que foi assaltado no farol com uma AR15 ou uma AK47? A arma que nos assusta e mata é, primordialmente o 38 da Taurus, produzido e vendido legalmente em nosso país.

Mas bandidos não compram armas em loja, não é mesmo? Claro que não. Então de onde vem estas armas?
Segundo pesquisa divulgada esta semana pela secretaria de segurança do Rio de Janeiro, publicada no jornal o Globo de terça feira www.oglobo.com.br , 61% DAS ARMAS USADAS POR CRIMINOSOS NO RIO DE JANEIRO FORAM COMPRADAS EM LOJAS POR ALGUÉM SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS. Ou seja, as armas usadas por criminosos são brasileiras, fabricadas legalmente, entram no mercado legalmente, especialmente pelas mãos de cidadãos de bem e vão parar nas mãos de nossos inimigos. Para que vocês tenham uma idéia, aqui em SP, mais uma vez de acordo com a Secretaria de Segurança, entre 93 e 2000 mais de 100 mil armas foram roubadas. Armas legais, compradas em lojas para nos defender e que foram exatamente abastecer o inimigo... Isto significa 40 armas por dia, todos os dias!

3. Arma e segurança do lar

O FBI fez uma pesquisa dentro do Uniformed Crime Report de 2001 que mostra que para cada vez que uma arma foi usada com sucesso em legítima defesa, 185 vezes uma arma foi usada para matar alguém comum, não criminoso, em um homicídio, suicídio ou acidente. Isto num país que ama armas, onde as pessoas podem ser treinadas desde pequenas, etc... Imagina no Brasil. Poderia citar mais 20 pesquisas nacionais e internacionais mas sei que vocês têm pouco tempo e já escrevi demais. Peço, contudo, que pensem no momento em que um bandido invade uma casa. Ele não avisa que está chegando, não liga para marcar hora... O elemento surpresa é seu maior aliado e ele já chega armado, preparado, acostumado com estas situações e com sangue frio para matar se for preciso. A menos que você durma ou fique em casa com a arma carregada e sempre a postos (o que nem o pessoal do NÃO recomenda, dado o risco absurdo de acidentes fatais), a vantagem vai ser sempre dele. Se você ameaçar pegar a arma isto só aumentará a violência do bandido. Ou seja, uma arma em casa é só risco.

Aliás a maioria das pessoas que tem arma em casa nunca chega a usar. Quando é surpreendida, perde a arma para o bandido, que entra com uma e sai com duas, aumentando, como vimos acima, o seu arsenal às nossas custas. Não é que seja impossível alguém se dar bem, é que as chances são tão, tão pequenas e aumentam tanto a possibilidade de armar o bandido ou aumentar o poder de fogo dele ou colocar em riscos filhos ou netos, que ter uma arma em casa é sinônimo de medo e risco e não de tranqüilidade e segurança.

4. O que de fato vai acontecer se o SIM for aprovado?

Em primeiro lugar teremos uma redução do número de homicídios fúteis e acidentes com armas de fogo. Lembrando que os homicídios fúteis constituem uma enorme parcela do total de homicídios, já significa salvar alguns milhares de vidas. Aliás, em 2004, ano em que entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, foi o primeiro ano em treze anos consecutivos, em que as mortes por arma de fogo caíram em nosso país. 3.234 pessoas morreram a menos que em 2003, revertendo uma tendência histórica no país. O que mais, além do Estatuto poderia ser responsável por esta queda em todo o território nacional? Com certeza, como atestam estudos da Unesco www.unesco.org.br, Ministério da Saúde e do Centro de Estudos Brasileiros de Oxford, o Estatuto do Desarmamento teve grande participação neste fato. Aliás, hoje mesmo, dia 6 de outubro, o Estadão publica na capa do caderno Metrópole uma outra pesquisa do Ministério da Saúde, apontando a queda do número de internações nos hospitais por armas de fogo após a promulgação do Estatuto e da Campanha de Recolhimento de Armas.
Além de continuar e intensificar a redução dos homicídios fúteis e acidentes, a proibição fará com que se feche a principal porta de entrada de armas para criminosos, que como vimos extensivamente acima, se abastecem das armas dos cidadãos comuns. Isto quer dizer que eles não terão armas? Não, quer dizer que pelo menos ficará mais difícil e mais caro, aumentando o risco a que o bandido está submetido. Lembre-se que se o Não ganhar, não muda nada. Tudo fica como está e o bandido continuará tão armado quanto está hoje...

Último ponto: há uma desinformação sendo divulgada em relação a pseudocerteza que o bandido teria, se o SIM, for vitorioso, de que ninguém terá arma e ele assaltará com mais facilidade. ISTO É MENTIRA!

Quem tem arma em casa hoje, continuará tendo mesmo se o SIM ganhar! Não há confisco, há proibição do Comércio! De fato a pessoa não poderá comprar munição, mas pode comprar hoje até 50 por ano. Se comprar 50 balas - que de acordo com a CBC duram de 15 a 20 anos se bem guardadas - poderá defender sua casa de 50 invasões de criminosos pelos próximos 15 a 20 anos. Se ele quiser treinar, basta ir a um clube de tiro que venderá munição (todos continuam funcionando após o SIM) e poderá treinar lá que é o local adequado, guardando sua munição para as 50 vezes em que sua casa for invadida. Ou seja: se hoje o bandido tem medo de armas para entrar numa casa, continuará tendo após a vitória do SIM. (eu pessoalmente acho que se 40 armas são roubadas por dia, que arma atrai bandido e não o afasta, mas este argumento é para quem acredita que o bandido precisa ter algum grau de incerteza) Isto vale para os ambientes rurais, onde o estatuto aliás, permite a compra de uma arma longa e munição, caso a propriedade esteja em local afastado de um grande centro urbano. Ou seja, os proprietários rurais também não ficarão abandonados como faz crer o programa do não.

Um abraço,
Denis Mizne
Diretor Executivo
Instituto Sou da Paz