CONSEQÜÊNCIA DE UM DOMINGO COMUM...
Postado na hospedagem anterior do blog na segunda-feira, 8 de agosto de 2005
07:04:23
Nada mais chato que o domingo. Invariavelmente. As melhores sessões de cinema se tornam tardes demais, as de teatro, cedo demais. E a programação na televisão é inexistente.
Contudo, única saída para quem não quer reabrir algum livro, lá estou, frente aos programas de auditório me odiando por estar assim. Zappiando eternamente. Hipnotizado. De repente, algo me estimula, conduz a um mínimo fio de pensamento. A mesmice dos programas gera na atenção um código comum. No Gugu, supostos trabalhadores falam de supostos abusos e humilhações sofridos nos trabalhos. No Pânico, um discurso simulando indignação pela proibição em transmitir o quadro Sandálias da Humildade.
A memória traz de volta uma expressão de alguém já esquecido. "Vícios da democracia". E alterno entre os programas tentando entender o que em mim se constrói. Mas não é possível manter qualquer reflexão, pois mesmo com as janelas do apartamento fechadas, uma turma realiza um churrasco urbano na calçada. Poucos metros nos separam. Insuficientes para afastar também o som que chega em minha sala em uma altura inacreditável. Pagodes da pior espécie e axé pra acompanhar a gordura pingando sobre o carvão. Vícios da democracia. Novamente a frase martelando...
O que faz com que os chefes humilhem seus funcionários, que supostos humilhados se defendam em rede nacional sem provas e testemunhas das humilhações sofridas, que personagens televisivos ataquem gratuitamente personalidades de forma ostensiva e ridicularizante apenas com o intuito de gerar polêmica e audiência, que os carros sejam equipados com potências sonoras capazes de obrigar toda uma rua a ouvir as músicas escolhidas por alguns durante um dia inteiro, é o sentido errôneo difundido após a ditadura militar que democracia e liberdade significam termos o direito de fazer o que quisermos, quando quisermos.
Compreendo a liberdade como um direito pleno de existência. Com idiossincrasias, defeitos, vontades opostas, incoerências e individualidade para ser e se expressar.
Entretanto é um erro acreditar que a democracia se consolida no momento em que essa liberdade é usufruída de maneira a estabelecer incômodos e imposições de vontades. Mesmo o contrário tem direito a existir. E se a liberdade, em seu primeiro instante, instaura-se na capacidade em gerar o reconhecimento aos direitos do indivíduo, a democracia, por sua vez, surge como a organização destes direitos. Leis, códigos éticos. A democracia rege a organização das liberdades para que o coletivo consiga sobreviver ao indivíduo.
Infelizmente não vivenciamos a isso. As pessoas agem cada vez mais de acordo com seus desejos desprovidos de reflexões sobre as conseqüências das ações tomadas. Incredulidade no comando político do país, descrença numa ética de convivência, infelicidade latente desesperançada de um futuro. De alguma forma, o brasileiro perdeu o sentimento pelo próximo. Caindo na armadilha do "não estar nem aí", "eu quero, eu faço", "o problema é dos outros", "os incomodados que se mudem". Da lei de Gerson! No trânsito, na fila do banco, no caixa de supermercado, na conta do restaurante, nos cds piratas, nas barracas de camelôs, nos flanelinhas. Nas mais pequeninas coisas.
O brasileiro se perde de si mesmo. De uma noção de conjunto, de sociedade, de povo, de nação. Perde o sentido da verdadeira democracia. E sem ela, despede-se de sua liberdade que se restringe aos mínimos gestos para satisfação de desejos momentâneos.
Mala com dinheiro, cueca com dólar, depoimentos mentirosos, documentos rasgados, roubados, corrupções. E como se fosse uma brincadeira profética cruel, a história recente do Brasil é descoberta, aos poucos, conduzida, corrompida e dirigida por uma empresa cujo nome é nada menos do que DNA.
Não há como exigir um futuro outro que não igual ao presente que vivemos enquanto não soubermos administrar nossas liberdades de maneira a estabelecer uma democracia sólida e eficiente. Indiferentes a isso, continuaremos a assistir políticos que acham aceitável a corrupção como sistematização da máquina pública e partidária. E pessoas que não vêem nada de mais ligar o mais alto possível o som de seus rádios. Vícios da democracia...
Que as liberdades existam sim. Não em nome de leis jurídicas, pois estas são mutáveis, condicionadas ao tempo. Por uma ética ao próximo, sem moral, sem parâmetros religiosos. Apenas pela capacidade em admitir o outro como indivíduo. Nem mais, nem menos. E então sim desenharemos nossa verdadeira democracia. Do contrário, estamos fadados aos domingos com programas televisivos idiotas, às brigas entre vizinhos, aos políticos de sempre.
Compreender a democracia não como um direito oferecido, mas uma conquista política sempre em processo de lapidação. E política se faz nos pequenos gestos, na rotina do dia-a-dia. Negamos o futuro a nós mesmo. E, hoje, somos todos culpados por Brasília, sem perspectiva de irmos além do que lá está.
Talvez esteja exagerando. Talvez esteja apenas precisando de um pouco de silêncio.
07:04:23
Nada mais chato que o domingo. Invariavelmente. As melhores sessões de cinema se tornam tardes demais, as de teatro, cedo demais. E a programação na televisão é inexistente.
Contudo, única saída para quem não quer reabrir algum livro, lá estou, frente aos programas de auditório me odiando por estar assim. Zappiando eternamente. Hipnotizado. De repente, algo me estimula, conduz a um mínimo fio de pensamento. A mesmice dos programas gera na atenção um código comum. No Gugu, supostos trabalhadores falam de supostos abusos e humilhações sofridos nos trabalhos. No Pânico, um discurso simulando indignação pela proibição em transmitir o quadro Sandálias da Humildade.
A memória traz de volta uma expressão de alguém já esquecido. "Vícios da democracia". E alterno entre os programas tentando entender o que em mim se constrói. Mas não é possível manter qualquer reflexão, pois mesmo com as janelas do apartamento fechadas, uma turma realiza um churrasco urbano na calçada. Poucos metros nos separam. Insuficientes para afastar também o som que chega em minha sala em uma altura inacreditável. Pagodes da pior espécie e axé pra acompanhar a gordura pingando sobre o carvão. Vícios da democracia. Novamente a frase martelando...
O que faz com que os chefes humilhem seus funcionários, que supostos humilhados se defendam em rede nacional sem provas e testemunhas das humilhações sofridas, que personagens televisivos ataquem gratuitamente personalidades de forma ostensiva e ridicularizante apenas com o intuito de gerar polêmica e audiência, que os carros sejam equipados com potências sonoras capazes de obrigar toda uma rua a ouvir as músicas escolhidas por alguns durante um dia inteiro, é o sentido errôneo difundido após a ditadura militar que democracia e liberdade significam termos o direito de fazer o que quisermos, quando quisermos.
Compreendo a liberdade como um direito pleno de existência. Com idiossincrasias, defeitos, vontades opostas, incoerências e individualidade para ser e se expressar.
Entretanto é um erro acreditar que a democracia se consolida no momento em que essa liberdade é usufruída de maneira a estabelecer incômodos e imposições de vontades. Mesmo o contrário tem direito a existir. E se a liberdade, em seu primeiro instante, instaura-se na capacidade em gerar o reconhecimento aos direitos do indivíduo, a democracia, por sua vez, surge como a organização destes direitos. Leis, códigos éticos. A democracia rege a organização das liberdades para que o coletivo consiga sobreviver ao indivíduo.
Infelizmente não vivenciamos a isso. As pessoas agem cada vez mais de acordo com seus desejos desprovidos de reflexões sobre as conseqüências das ações tomadas. Incredulidade no comando político do país, descrença numa ética de convivência, infelicidade latente desesperançada de um futuro. De alguma forma, o brasileiro perdeu o sentimento pelo próximo. Caindo na armadilha do "não estar nem aí", "eu quero, eu faço", "o problema é dos outros", "os incomodados que se mudem". Da lei de Gerson! No trânsito, na fila do banco, no caixa de supermercado, na conta do restaurante, nos cds piratas, nas barracas de camelôs, nos flanelinhas. Nas mais pequeninas coisas.
O brasileiro se perde de si mesmo. De uma noção de conjunto, de sociedade, de povo, de nação. Perde o sentido da verdadeira democracia. E sem ela, despede-se de sua liberdade que se restringe aos mínimos gestos para satisfação de desejos momentâneos.
Mala com dinheiro, cueca com dólar, depoimentos mentirosos, documentos rasgados, roubados, corrupções. E como se fosse uma brincadeira profética cruel, a história recente do Brasil é descoberta, aos poucos, conduzida, corrompida e dirigida por uma empresa cujo nome é nada menos do que DNA.
Não há como exigir um futuro outro que não igual ao presente que vivemos enquanto não soubermos administrar nossas liberdades de maneira a estabelecer uma democracia sólida e eficiente. Indiferentes a isso, continuaremos a assistir políticos que acham aceitável a corrupção como sistematização da máquina pública e partidária. E pessoas que não vêem nada de mais ligar o mais alto possível o som de seus rádios. Vícios da democracia...
Que as liberdades existam sim. Não em nome de leis jurídicas, pois estas são mutáveis, condicionadas ao tempo. Por uma ética ao próximo, sem moral, sem parâmetros religiosos. Apenas pela capacidade em admitir o outro como indivíduo. Nem mais, nem menos. E então sim desenharemos nossa verdadeira democracia. Do contrário, estamos fadados aos domingos com programas televisivos idiotas, às brigas entre vizinhos, aos políticos de sempre.
Compreender a democracia não como um direito oferecido, mas uma conquista política sempre em processo de lapidação. E política se faz nos pequenos gestos, na rotina do dia-a-dia. Negamos o futuro a nós mesmo. E, hoje, somos todos culpados por Brasília, sem perspectiva de irmos além do que lá está.
Talvez esteja exagerando. Talvez esteja apenas precisando de um pouco de silêncio.
2 Comments:
Pela primeira vez em seu "antroparticular"... com certeza, de agora adiante, assídua leitora.
Parabéns!!
enviado em 8/8/2005 08:21:00
By Anônimo, at 1:21 AM
Não acho que seja exagero seu. Concordo em gênero, número e grau. Enquanto a maioria continuar lidando com os fatos como se não tivessem nada haver com eles, não mudaremos em nada. É realmente triste ver como as pessoas não demonstram respeito, como se a democracia as entregasse o direito de agir simplesmente como "der na telha". Repito, concordo em gênero, número e grau, infelizmente. Gostaria MUITO de dizer e acreditar que você está errado, mas...
enviado em 8/8/2005 14:27:00
By Anônimo, at 1:22 AM
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