Antro Particular

07 dezembro 2005

ENTRE O PT E A DASLU: o rascunho de um país sem dono

Postado na hospedagem anterior do blog na terça-feira, 19 de julho de 2005
16:05:13


No começo do ano, sentado em uma mesa de bar, em São Paulo, dizia a François Tanguy, diretor de teatro francês, enquanto brindávamos nossas caipirinhas, crescer minha sensação, cada dia mais, de que falta ao brasileiro a noção de propriedade do Brasil, de se ver dono das terras, praias, paisagens. Mas também de sua história, seus problemas, suas decisões, seu futuro. Conversávamos sobre minha teoria de uma independência conquistada não pelo povo mas ganha, e a implantação na genética de nossa cultura de que tudo aqui, portanto, não é dele propriamente, livrando-o de responsabilidades, acertos e erros.

O caso Daslu reflete a hipocrisia dominante no país e desenha o quão podre é nossa elite. Defensores calorosos, Fiesp, OAB, argumentam suas solidariedades como diretrizes humanitárias iguais para todos. Os ridículos novos-ricos em seus carros importados à frente da loja-palaciana riem aos repórteres, atribuindo as fraudes a pequenos deslizes, prontos a colaborarem adicionando aos seus vastos guarda-roupas mais alguns milhares de reais em tecido contrabandeado.

A Daslu ri de qualquer tentativa de moralizar este país. Caçoa de nossas leis e se impõe aos meandros jurídicos pela sua força em... vender roupas? Que nação pode ser duradoura quando uma loja de socialite tem mais poder que o legislativo?

A Daslu ignora tudo e qualquer um. Deixa explícito pelo tratamento a seus próprios funcionários sua opinião pelos não-elitizados escolhidos pelas revistas de fofocas. E as organizações defensoras determinam publicamente que ao povo só cabe o silêncio e a distância do palácio de cetim.

Que a Fiesp tem como única preocupação o fortalecimento e enriquecimento da classe empresarial, isso é obvio, mesmo quando defende os trabalhadores, esta é sua origem. E até aí, cada setor que lute por si. A OAB? Onde está quando a população é lesada pelos corruptos? Ou quando a Daslu não paga seus funcionários?

O direito a defesa é uma conquista democrática, mas as subversões e crimes não podem ter pesos diferentes balanceados pela condição social do criminoso. A Daslu não vai além disso: uma rede criminosa, quadrilha! E, desde a descoberta de suas ações, qualquer mero comprador de gravata ou meia-calça, o seu cúmplice. Eliana deve cumprir na cadeia como tantos ladrões de galinha lá estão. Mas também os clientes que, cientes das fraudes, corroboram as atitudes da empresária, incentivando outras existentes por aí. Acho quase impossível acreditar que os clientes risonhos igualmente não sejam sonegadores ou empresários corruptos que se divertem com as capacidades quais possuem em burlar as leis pelo mero prazer em "ser melhor".

Está na hora do brasileiro olhar o seu país, ser dono do seu país... Ir às ruas novamente - e sem o apelo manipulador da Rede Globo - e exigir atitudes, respostas, soluções. Deixar a empresária assistindo novela em televisão de plasma, servida à champagne por incontáveis empregados a seus amigos, é abandonar a construção de uma política igualitária.

Se não somos capazes ou corajosos de gritarmos contra uma dona de boutique, o que faremos quanto ao caixa dois assumido pelo PT? Assistir que a mesma elite que defende a empresária determine uma punição ao partido? Por que não se aplica a lei que determina a cassação? Por ser o partido do presidente? Ou por frases como a de José Dirceu ao se imaginar no banco dos réus das CPIs: "arrasto o Brasil junto!".

Que Brasil? O deles? O nosso, certamente.

Nosso silêncio nos conduz a um futuro óbvio: escravizados por políticos e empresários sem caráter, abandonados à sorte de um capitalismo corrupto, vestidos em flanelas velhas corroídas pela vergonha de sermos parte de um país sem respeito, cuja responsabilidade é de qualquer um, menos nossa.

O Brasil está um passo, não de iniciar, mas de descobrir sua falência moral. E parece que poucos se preocupam de fato com isso.