Antro Particular

07 dezembro 2005

FAMA E FESTIVAL CULTURA NOVA MÚSICA BRASILEIRA: a industrialização do efêmero

Postado na hospedagem anterior do blog na segunda-feira, 3 de outubro de 2005
03:04:06

Que o Brasil é um país musical, isto todos sabemos. Ritmos, estilos, instrumentistas, compositores, intérpretes. Seria infinita uma lista comportando os nomes reconhecidos, pois, a todo instante, talentos surgem das mais diversas maneiras, e a história da musica brasileira se expande a todo vapor. Ou ao vapor?

Cresce também o interesse pela industrialização dessa história. Uma corrida pelo novo, pela descoberta. Ou pela construção instantânea?

Nem sempre preparados ou com tanta capacidade quais são vendidos, nomes desaparecem das prateleiras com a mesma velocidade com que surgem. É necessário dedicar a própria vida ao acompanhamento da industria fonográfica se quisermos estar bem informados. Não é o meu caso, e me parece que tampouco o de alguns críticos por aí. Enfim, permito-me ao descobrimento pela mídia. Sei ser pouco, mas o que fazer?

E mesmo assim, essa indústria efêmera bate à minha porta e me atenta para este momento, quando nunca tão presente esteve a música na cena cultural. Após movimentos surgidos pela necessidade de produzir discursos estéticos que enfrentassem uma tradição que se perpetuava e a repressão cultural conduzida pela ditadura, nossa música circulou em altos e baixos, pelo surgimento de uma cena rock popularizada nos anos 80, a germinação de um pop limitado mas igualmente popular. Com o esgotamento desses valores, artistas, agora com seus vinte e tantos anos de carreira, e que não souberam se reciclar, abrem espaço para o popularesco saltar entre estilos conduzidos pela indústria. Lambada, axé, sertanejo, brega romântico, funk, rap, eletrônico, forró... Ufa! Fica a sensação de que outros estilos virão e irão... Aos jovens de quinze anos não sobram ídolos para uma vida inteira, apenas nomes quinzenais. E para ajudar, tome ainda a importação de besteiróis pop-rock internacionais, com direito a entrevistas em horário nobre e capas de cadernos culturais.

Na corrida pela criação ou descoberta de novos ídolos, a televisão correu com duas propostas diferentes: pela Rede Globo, o Fama; pela Tv Cultura, o Festival Cultura: A Nova Música do Brasil. Diferentes? Bom, já pelo nome dos programas percebemos suas intenções. Enquanto a Globo produz ao público mais um artista relâmpago, a Cultura se autoriza a determinar a nova música. Para o espectador "popular" e o "esclarecido", dois vitoriosos e nenhuma novidade.

De Ilhéus, Bahia, aos 26 anos, Fábio Souza é o eleito pelo público no Fama. Afinado, técnico, o baiano convence o público com a proposta de ser mais um cantor romântico. Luta por isso durante todo o reality show, chegando por vezes a ouvir dos jurados-professores-preparadores que deveria buscar abranger mais seu repertório estético. Mas o público o quer assim, feito Fábio Jr. e tantos outros. E a possibilidade da novidade é esquecida e aceita pela indústria pela promessa de milhares de fãs e vendas de CDs. Afinal, é o que importa, não é? Para que artistas que não são vendáveis? Ou para que artistas?

Pela Tv Cultura: Danilo Moraes, cuja carreira inclui atuações junto a Chico César, Ceumar, Wandi - apresentador do Festival, e seu pai -, e a produção de trilhas para o seriado Ilha Rá-Tim-Bum - produção da Tv Cultura. Que leva os prêmios 1ª Colocado e Melhor Arranjo (Swami Jr.) com a música Contabilidade. O arranjo sofisticado dá sustentação à letra composta por trocadilhos com as mazelas modernas produzidas pelo neoliberalismo. Mas não passa muito disso, e a poesia óbvia, então, elege-se para a história da música brasileira, sem muito que acrescentar. Seria assim, não fosse a impressionante vaia ao ser anunciada vencedora. Bom, riscos de quem optou por trabalhar para um público mais informado. A Globo não correu esse risco...

CONTABILIDADE

Felicidade se conta com conta-gotas / Razão inversa das lágrimas que revertemos / Parco retorno de um investimento tão incerto / Que é de se pensar se vale a pena / Igualdade se conta no contracheque / Acionistas espocando a silibina / Especulando tanto que arde / A alta do preço do preservativo de baixa qualidade / Fraternidade se conta em genocídios / Homens fardados em missões saneadoras / E as estatísticas em frenética hemorragia / Manchando os aventais dos eleitores / Na nossa era / Na nossa era / Os varões exibem vis calculadoras / Na nossa era / Na nossa era / Carros, cartões de crédito, metralhadoras / Um milhão a mais um milhão a menos / Um milhão a mais um milhão a menos / Dez milhões a mais dez milhões a menos / Cem milhões a mais cem milhões a menos

A indústria avança sobre a cultura. E nos cinemas a vida de Zezé de Camargo e Luciano, passa em longa-metragem em Dois Filhos de Francisco. Salas lotadas por um público variado em busca de assistir e se aproximar de um dos maiores ídolos da música atual. Zezé é sem dúvida o que podemos chamar por artista. Se por um lado não inova, por outro tem a paixão e a necessidade compulsiva de criar, presentes apenas nos verdadeiros artistas. Não é possível imaginá-lo de outra maneira, que não com seu violão e uma caneta. Se o tal sertanejo qual diz representar passa longe do que serve a este estilo, é outro caso. E o filme ganha de todos a crítica de ser o "mais lindo, emocionante...". E a música brasileira volta ao Oscar depois de Caetano Veloso ter se apresentado no palco mais industrializado do mundo. Caetano que vem se especializando em trilhas cinematográficas, sem muita expressão, é verdade, ainda preso pelos moldes da industria e de filmes comerciais cuja finalidade é expandir a atuação dos canais televisivos. Já faz tempo que Caetano aprendeu a vender em milhão, basta convivermos com isso.

O curioso é que não se critica o filme, determinando sua importância ao fato de tratar-se de Zezé. O estratagema das industrias cinematográfica e musical, funciona. E o que pode ser de fato uma ótima história e um bom filme, pouco importa. Vale por ser sobre quem é.

Pena, ainda falando de Caetano, que a mesma crítica cinematográfica tenha passado em branco sobre o documentário de Jom Tob Azulay, que registra a turnê original dos Doces Bárbaros, em 1976. Nas telas, o documento emociona e esclarece aos amantes da música brasileira revelando em fatos uma história que vem sendo abandonada. Seria preciso que jurados e públicos assistissem ao filme para compreender nossa história musical e, então, refletir sobre o que ouvimos hoje para se esperar, de fato, um aprimoramento da nossa percepção. Mas quem tem tempo, não é mesmo? Mais fácil chorar com as letras de Zezé, ou, quando muito, falar exibido que gostou da trilha de Caetano, ou que foi ao festival. E assim caminha nossa música, entre vazios e quaisquer coisas.

Notícias antigas, na verdade. Afinal falo de uma indústria... E duas são as promessas para embalar nosso reveillon: o novo trabalho de Maria Rita, agora assumindo a influência de Elis Regina, sua mãe, menos voltado ao marketing gigantesco de novo gênio, de revelação, em busca de uma identidade artística (e o que pode haver de mais interessante do que acompanhar a busca por uma trajetória de um novo artista?); e o CD com músicas italianas de ninguém menos que Roberto Jefferson. Vale tudo dentro de uma gravadora, há espaço para todos. Tudo bem. Mas depois dos resultados que produziram mais um "Famoso" e que decidiram qual é nossa nova música, infelizmente prevejo um futuro triste aos nossos ouvidos. Alguém tem dúvida de qual disco será o mais comentado e escutado neste final de ano?

1 Comments:

  • Ruy,
    Excelente seu artigo..... Parabéns!!
    É por essas e outras que jamais abro mão da boa e velha MPB de Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius, entre outros ícones da música brasileira.....
    Super beijo, liza.

    enviado em 3/10/2005 09:02:00

    By Anonymous Anônimo, at 1:33 AM  

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