A QUEDA - OS ÚLTIMOS DIAS DE HITLER: a humanidade entre o monstro e o suicídio
Postado na hospedagem anterior do blog na sexta-feira, 1 de julho de 2005
01:23:42
Há nas lágrimas de Hitler a acidez corrosiva da monstruosidade. E por três ou quatro instantes, ao se ver encurralado por traições, corrupções e derrotas, o ator suíço Bruno Ganz nos conduz, no filme A Queda, à inquietação de sentirmos pena do ditador alemão. Algo de errado, então! Hitler fora um dos mais sanguinários líderes na história moderna, e nos flagramos sofrendo a dor de sua destruição? Trabalho de um magistral ator e de um roteiro primoroso elaborado a partir das memórias da secretária de Hitler, Traudl Junge.
Sempre que me deparo com estas personagens me recordo de algumas matérias e entrevistas de anos atrás, quando um grupo de neurocientistas afirmou que a evolução cerebral no homem pode ser determinada por sua capacidade em ser cruel. Para tanto, buscavam provar a existência do que denominaram por maldade como fator da humanização no próprio sistema biológico. Experiências em neuro-sensores modernos demonstraram proximidades na área estimulada pelo desejo e pela maldade. No microscópio, a necessidade de destruição das células velhas pelas novas para a manutenção dos órgãos. No macro, o confronto entre a mãe e feto durante a gestação, enquanto o novo corpo obriga o corpo-receptáculo a se deformar e transformar de acordo com suas exigências. A maldade compreendida teoricamente por um prisma bioquímico.
E vão adiante. As mesmas ações quais sofremos por ordem natural, observadas na condução primitiva da construção social. Igualmente, como que por reflexibilidade, a humanidade se articula por confrontos e sistematizações de poder. As guerras nada mais seriam, então, que a exteriorização da necessidade humana em impor ao entorno o desejo pelo poder. E o poder, a necessidade vital em consumir à força o outro, em determinar ao grupo vontades individuais.
A princípio a teoria deixa em aberto a seguinte questão: seremos nós no futuro subjugados e aniquilados a nossa própria crueldade? Seria Hitler uma espécie de antevisão da evolução humana?
Não preciso dizer o quanto essas questões se revelaram inquietantes. Decidi esquecer as entrevistas, ligar a televisão. Zappiando pelos canais defrontei com algo ainda pior. Por que tantos programas voltados à violência, ao sofrimento, à dor? De certa forma, o homem sente prazer em assistir a dor. Há na dor alheia a superação do próprio sofrimento cotidiano, de nossas depressões. Ao assistir o drama somos conduzidos ao espelhamento da nossa realidade, e a vendo mais bruta, agressiva, compreendemos nossos problemas como algo menores. A capacidade da mídia em inverter percepções. A realidade na tela é mais real que a vista pela janela.
Mas e Hitler nisso?
Durante as duas horas no cinema, assistindo A Queda, fui recordando as afirmações científicas, a mídia, o sistema de reconstrução da história com suas parcialidades de quem a narra. A proposta de Edgar Morin de que é preciso compreender o egoísmo como fator necessário para que não abandonemos nossa parcela na movimentação da história. Frente ao enlouquecimento de Hitler, pensei quantas seriam as pessoas que assistiam "mais uma história trágica", como se fosse ela inevitável. Quantas as pessoas que retornaram para suas vidas paralisadas pela ordem reinante e que passarão a aceitá-las, pois, afinal, têm a sorte por não terem vivenciado a Segunda Guerra.
Enquanto isso, os neonazistas ressurgem em todos os cantos, suportados na ideologia de um monstro que, ao se suicidar e desaparecer, fez-se mito. Enquanto isso, a mídia distribui aos espectadores e leitores doses cada vez maiores de sofrimento e tragédia. Enquanto isso, o egoísmo é fundamento de uma individualidade distorcida e irresponsável.
Hitler fora um dos piores monstros da história por ter por princípio a segregação racial e étnica. Nos esquecemos disso? É tão diferente o que vemos com os negros? É tão mais profundo do que as guerras santas estimuladas nos Bálcãs e Oriente Médio? Ou quanto ao sistema financeiros gerando Áfricas e Nordestes? Ou os mendigos assassinados no centro de São Paulo pela polícia militar? O índio morto em álcool e fogo enquanto dormia? Aos deputados corruptos?
Mudam-se as gerações, passa-se o tempo. O homem conduz a humanidade cada vez mais ao abismo e para sua destruição. E aprendemos a gostar dessa sensação pelo cinema, pela tevê, pela cultura pop melodramática. O sofrimento é lucrativo e as dores são vendidas junto ao Ibope e ao Oscar. Crescemos e seguimos à evolução apontada pelos cientistas. Hitler reflete o pior de nós mesmos, o que um futuro destituído de valores e sentimentos nos transformará. Não fossem as artes, os beijos, as crianças, o pôr-do-sol, acho que preferiria continuar macaco.
01:23:42
Há nas lágrimas de Hitler a acidez corrosiva da monstruosidade. E por três ou quatro instantes, ao se ver encurralado por traições, corrupções e derrotas, o ator suíço Bruno Ganz nos conduz, no filme A Queda, à inquietação de sentirmos pena do ditador alemão. Algo de errado, então! Hitler fora um dos mais sanguinários líderes na história moderna, e nos flagramos sofrendo a dor de sua destruição? Trabalho de um magistral ator e de um roteiro primoroso elaborado a partir das memórias da secretária de Hitler, Traudl Junge.
Sempre que me deparo com estas personagens me recordo de algumas matérias e entrevistas de anos atrás, quando um grupo de neurocientistas afirmou que a evolução cerebral no homem pode ser determinada por sua capacidade em ser cruel. Para tanto, buscavam provar a existência do que denominaram por maldade como fator da humanização no próprio sistema biológico. Experiências em neuro-sensores modernos demonstraram proximidades na área estimulada pelo desejo e pela maldade. No microscópio, a necessidade de destruição das células velhas pelas novas para a manutenção dos órgãos. No macro, o confronto entre a mãe e feto durante a gestação, enquanto o novo corpo obriga o corpo-receptáculo a se deformar e transformar de acordo com suas exigências. A maldade compreendida teoricamente por um prisma bioquímico.
E vão adiante. As mesmas ações quais sofremos por ordem natural, observadas na condução primitiva da construção social. Igualmente, como que por reflexibilidade, a humanidade se articula por confrontos e sistematizações de poder. As guerras nada mais seriam, então, que a exteriorização da necessidade humana em impor ao entorno o desejo pelo poder. E o poder, a necessidade vital em consumir à força o outro, em determinar ao grupo vontades individuais.
A princípio a teoria deixa em aberto a seguinte questão: seremos nós no futuro subjugados e aniquilados a nossa própria crueldade? Seria Hitler uma espécie de antevisão da evolução humana?
Não preciso dizer o quanto essas questões se revelaram inquietantes. Decidi esquecer as entrevistas, ligar a televisão. Zappiando pelos canais defrontei com algo ainda pior. Por que tantos programas voltados à violência, ao sofrimento, à dor? De certa forma, o homem sente prazer em assistir a dor. Há na dor alheia a superação do próprio sofrimento cotidiano, de nossas depressões. Ao assistir o drama somos conduzidos ao espelhamento da nossa realidade, e a vendo mais bruta, agressiva, compreendemos nossos problemas como algo menores. A capacidade da mídia em inverter percepções. A realidade na tela é mais real que a vista pela janela.
Mas e Hitler nisso?
Durante as duas horas no cinema, assistindo A Queda, fui recordando as afirmações científicas, a mídia, o sistema de reconstrução da história com suas parcialidades de quem a narra. A proposta de Edgar Morin de que é preciso compreender o egoísmo como fator necessário para que não abandonemos nossa parcela na movimentação da história. Frente ao enlouquecimento de Hitler, pensei quantas seriam as pessoas que assistiam "mais uma história trágica", como se fosse ela inevitável. Quantas as pessoas que retornaram para suas vidas paralisadas pela ordem reinante e que passarão a aceitá-las, pois, afinal, têm a sorte por não terem vivenciado a Segunda Guerra.
Enquanto isso, os neonazistas ressurgem em todos os cantos, suportados na ideologia de um monstro que, ao se suicidar e desaparecer, fez-se mito. Enquanto isso, a mídia distribui aos espectadores e leitores doses cada vez maiores de sofrimento e tragédia. Enquanto isso, o egoísmo é fundamento de uma individualidade distorcida e irresponsável.
Hitler fora um dos piores monstros da história por ter por princípio a segregação racial e étnica. Nos esquecemos disso? É tão diferente o que vemos com os negros? É tão mais profundo do que as guerras santas estimuladas nos Bálcãs e Oriente Médio? Ou quanto ao sistema financeiros gerando Áfricas e Nordestes? Ou os mendigos assassinados no centro de São Paulo pela polícia militar? O índio morto em álcool e fogo enquanto dormia? Aos deputados corruptos?
Mudam-se as gerações, passa-se o tempo. O homem conduz a humanidade cada vez mais ao abismo e para sua destruição. E aprendemos a gostar dessa sensação pelo cinema, pela tevê, pela cultura pop melodramática. O sofrimento é lucrativo e as dores são vendidas junto ao Ibope e ao Oscar. Crescemos e seguimos à evolução apontada pelos cientistas. Hitler reflete o pior de nós mesmos, o que um futuro destituído de valores e sentimentos nos transformará. Não fossem as artes, os beijos, as crianças, o pôr-do-sol, acho que preferiria continuar macaco.
1 Comments:
oi ruy, seu texto ma fez refletir sobre muitas questões, uma delas, que tem me tomado tempo, é a problemática do poder como motivação para todo tipo de atrocidade. de hitler a jefferson parecem todos tomados pelo êxtase do poder. isso talvez mantenha as criaturas longe do dilema da morte. enquanto se preocupam em acumular, crescer, nesse exercício cego de virilidade, eles burlam a morte. no fim das contas toda nossa vida parece uma construção inútil para nos mantermos longe daquelas perguntinha básicas: quem somos, de onde viemos, para onde vamos.
cadê meu antidepressivo.
enviado em 2/7/2005 00:40:00
By Anônimo, at 1:12 AM
Postar um comentário
<< Home