ANTUNES FILHO: Os riscos de um verdadeiro criador
Postado na hospedagem anterior do blog na terça-feira, 21 de junho de 2005
04:02:23
Antunes Filho adentra o ano de 2005 com duas estréias de novos trabalhos, coisa rara no repertório dos últimos anos. Antígona, em cartaz em São Paulo, no Sesc Consolação; e Foi Carmem Miranda, apresentado no Festival de Curitiba, antes de ir ao Japão. Ambos os trabalhos refletem um amadurecimento no caminho que o diretor vem construindo e o fechamento de seu método de interpretação. Deslineares, há mais descobertas na montagem de Carmem Miranda do que Antígona.
Em Antígona já não basta ao diretor a encenação simples da tragédia. Antunes propõe uma rede de referências externas ao texto original para compor uma abordagem própria. Utilizando-se dos preceitos de Tadeusz Kantor para a composição da cena, verticaliza ainda mais a concepção ao determinar para o papel de narrador o próprio Baco. Criando três pilares de sustentação da montagem a serem observados: o texto, a estética e o conceito. Contudo, ao público que vai ao teatro assistir Antunes e não Antígona, o programa da peça é no todo mais interessante e instigante do que o resultado no palco.
A escolha por reescrever a peça é correta quando a dramaturgia propõe uma visão própria que não a do autor. Cortes excessivos, entretanto, determinam o enfraquecimento do enredo que passa a constituir-se pelas ações principais dando ao espetáculo certo ar jornalístico. A peça ganha em ritmo, mas é uma pena que subestima a capacidade interpretativa de Juliana Galdino em suportar a construção da tragédia em todas as camadas. Fica um gosto de querer assisti-la mais.
A encenação busca na combinação estética de um espetáculo esvaziado de signos e elementos fortalecer as personagens enquanto arquétipos universais, porém a opção pela estética de Tadeusz Kantor não sustenta o vazio proposto e a simplificação esbarra na mera representação de personagens estereotipados roubados de suas criações como figuras de livros, sem a profundidade de personas pertencentes a um ambiente específico. As interpretações dos coros são irregulares e poluem a limpeza desejada com os mesmo gestos de sempre. A falta de um melhor desenvolvimento da estética apropriada explicita ainda mais a distância entre atores e direção.
Baco, por sua vez, surge apolíneo, burguês, desfigurado de seu primitivismo natural em postura elegante e ereta digna da educação européia do início do século passado. Seguido por bacantes cuja ritualização orgiástica se manifesta no ingênuo simbolismo de levantar as saias revelando os corpos das atrizes, enquanto a violência libertadora dos cânticos dionisíacos fora substituída por lamentações fúnebres de condolências ao drama de Antígona. Apesar da ousadia da proposta, não funciona.
A procura de Antunes pela encenação trágica não conquista ao espetáculo a inventividade qual propõe em sua interpretação da peça. Antunes perdeu a mão ao peso da Grécia, dos gregos, de Sófocles, mas não errou ao escolher a tragédia como discurso sobre o contemporâneo.
Em Foi Carmem Miranda a transformação da menina na artista de porte internacional é levada ao inesperado. Antunes estabelece um jogo preciso entre direção e interpretação de tal maneira que chega a incomodar o público por estar a passos de uma nova ruptura em seu trabalho. Opta por mostrar uma Carmem Miranda melancólica, solitária, silenciada. Quando o texto se faz necessário, as vozes saem em fonemol, enquanto em off escutamos a discografia da cantora.
Sincero, inteligente e audacioso, a combinação com o Butoh conduz a personagem a descobrir no próprio corpo sua vocação. Nada mais fascinante do que o instante em que os movimentos do teatro japonês se transformam nos trejeitos tropicais; ou a descoberta da carnavalização de uma dança e vestimenta sensuais que irão conquistar culturas e se tornar representantes de uma época.
Antunes consegue lapidar de uma personagem histórica o arquétipo para a solidificação de um mito para, então, construir uma tragédia sobre a vida e o indivíduo. Em Foi Carmem Miranda, assistimos o que há de mais interessante na produção de Antunes nos últimos anos, e com aromas de ares novos, vento fresco próprio das criações geniais.
O que mais me atrai em Antunes Filho é isso, sua capacidade de arriscar, de se enfrentar enquanto artista, de errar e superar em seguida. Quando erra, só nos deixa o silêncio da espera pelo próximo trabalho e a torcida para que seja em breve. Quando acerta, o silêncio hipnótico da iluminação, da descoberta de um novo mundo, e a certeza de ser de fato um dos mais importantes diretores de teatro. Ainda que atorduado pelo que vi em Foi Carmem Miranda, tenho ao menos a certeza de que Antunes é, como poucos, nosso maior mestre. E é sempre bom viver na mesma época que os mestres.
04:02:23
Antunes Filho adentra o ano de 2005 com duas estréias de novos trabalhos, coisa rara no repertório dos últimos anos. Antígona, em cartaz em São Paulo, no Sesc Consolação; e Foi Carmem Miranda, apresentado no Festival de Curitiba, antes de ir ao Japão. Ambos os trabalhos refletem um amadurecimento no caminho que o diretor vem construindo e o fechamento de seu método de interpretação. Deslineares, há mais descobertas na montagem de Carmem Miranda do que Antígona.
Em Antígona já não basta ao diretor a encenação simples da tragédia. Antunes propõe uma rede de referências externas ao texto original para compor uma abordagem própria. Utilizando-se dos preceitos de Tadeusz Kantor para a composição da cena, verticaliza ainda mais a concepção ao determinar para o papel de narrador o próprio Baco. Criando três pilares de sustentação da montagem a serem observados: o texto, a estética e o conceito. Contudo, ao público que vai ao teatro assistir Antunes e não Antígona, o programa da peça é no todo mais interessante e instigante do que o resultado no palco.
A escolha por reescrever a peça é correta quando a dramaturgia propõe uma visão própria que não a do autor. Cortes excessivos, entretanto, determinam o enfraquecimento do enredo que passa a constituir-se pelas ações principais dando ao espetáculo certo ar jornalístico. A peça ganha em ritmo, mas é uma pena que subestima a capacidade interpretativa de Juliana Galdino em suportar a construção da tragédia em todas as camadas. Fica um gosto de querer assisti-la mais.
A encenação busca na combinação estética de um espetáculo esvaziado de signos e elementos fortalecer as personagens enquanto arquétipos universais, porém a opção pela estética de Tadeusz Kantor não sustenta o vazio proposto e a simplificação esbarra na mera representação de personagens estereotipados roubados de suas criações como figuras de livros, sem a profundidade de personas pertencentes a um ambiente específico. As interpretações dos coros são irregulares e poluem a limpeza desejada com os mesmo gestos de sempre. A falta de um melhor desenvolvimento da estética apropriada explicita ainda mais a distância entre atores e direção.
Baco, por sua vez, surge apolíneo, burguês, desfigurado de seu primitivismo natural em postura elegante e ereta digna da educação européia do início do século passado. Seguido por bacantes cuja ritualização orgiástica se manifesta no ingênuo simbolismo de levantar as saias revelando os corpos das atrizes, enquanto a violência libertadora dos cânticos dionisíacos fora substituída por lamentações fúnebres de condolências ao drama de Antígona. Apesar da ousadia da proposta, não funciona.
A procura de Antunes pela encenação trágica não conquista ao espetáculo a inventividade qual propõe em sua interpretação da peça. Antunes perdeu a mão ao peso da Grécia, dos gregos, de Sófocles, mas não errou ao escolher a tragédia como discurso sobre o contemporâneo.
Em Foi Carmem Miranda a transformação da menina na artista de porte internacional é levada ao inesperado. Antunes estabelece um jogo preciso entre direção e interpretação de tal maneira que chega a incomodar o público por estar a passos de uma nova ruptura em seu trabalho. Opta por mostrar uma Carmem Miranda melancólica, solitária, silenciada. Quando o texto se faz necessário, as vozes saem em fonemol, enquanto em off escutamos a discografia da cantora.
Sincero, inteligente e audacioso, a combinação com o Butoh conduz a personagem a descobrir no próprio corpo sua vocação. Nada mais fascinante do que o instante em que os movimentos do teatro japonês se transformam nos trejeitos tropicais; ou a descoberta da carnavalização de uma dança e vestimenta sensuais que irão conquistar culturas e se tornar representantes de uma época.
Antunes consegue lapidar de uma personagem histórica o arquétipo para a solidificação de um mito para, então, construir uma tragédia sobre a vida e o indivíduo. Em Foi Carmem Miranda, assistimos o que há de mais interessante na produção de Antunes nos últimos anos, e com aromas de ares novos, vento fresco próprio das criações geniais.
O que mais me atrai em Antunes Filho é isso, sua capacidade de arriscar, de se enfrentar enquanto artista, de errar e superar em seguida. Quando erra, só nos deixa o silêncio da espera pelo próximo trabalho e a torcida para que seja em breve. Quando acerta, o silêncio hipnótico da iluminação, da descoberta de um novo mundo, e a certeza de ser de fato um dos mais importantes diretores de teatro. Ainda que atorduado pelo que vi em Foi Carmem Miranda, tenho ao menos a certeza de que Antunes é, como poucos, nosso maior mestre. E é sempre bom viver na mesma época que os mestres.
1 Comments:
“FOI CARMEN MIRANDA”
Teatro dança de Antunes Filho abre Festival de Teatro de Curitiba.
Por João Roberto de Souza
Antunes diz fazer uma união do samba com o Butoh neste “espetáculo musical” definido pelo diretor, que homenageia Carmen Miranda e Kazuo Ohno um dos criadores do butoh - na passagem de seu 100o aniversário.
O que se viu em Curitiba, foi um espetáculo frágil, sem profundidade nenhuma, onde o estereotipo de Carmen imperou do começo ao fim. Ficaram de fora deste espetáculo a emoção, a vida e a alegria que Carmen imprimiu na alma dos brasileiros aos olhos do mundo. Restaram só os balangandãs !!!
Um caminho curto escolhido para falar de uma de nossas maiores intérpretes/artistas, embora de origem portuguesa, que chegou onde nenhum outro artista conseguiu até hoje, enaltecendo a imagem e a música brasileira.
O mito Carmen Miranda merecia uma homenagem a sua altura - artista que venceu em Hollywood, em uma época em que não existia globalização nem internet.
Todo o sucesso e carisma da grande mulher que subiu nas tamancas de plataforma e mostrou o que que a bahiana tem, com seu estilo incomparável que inspirou inclusive a moda na época, foi banalizado pelo diretor paulista.
O título do espetáculo “Foi Carmen Miranda” soava a todo tempo depreciativo ao grande mito de Carmen. Todos perguntavam, foi... porque foi?
Carmen Miranda é!!
Sua obra está aí, em discos, filmes, livros, com uma legião de fãs em todo o mundo.
Que homenagem póstuma é essa? Carmen merece algo muito melhor e maior.
Todos aguardavam uma “obra” daquele que com “Macunaíma”, “Nova Velha História”, entre outras obras, tornou-se referência nas artes cênicas nacional.
O que se viu na noite de estréia foi uma debandada geral na platéia pelos convidados, muito desconforto e ranger de cadeiras...
O espetáculo é de difícil digestão, esta incursão pelo teatro-dança realizada pelo Centro de Pesquisa Teatral do SESC-SP, foi um verdadeiro desastre.
Antunes vestiu as atrizes no início do espetáculo como um dejavú das tias de “Toda Nudez Será Castigada” da obra de Nelson Rodrigues.
Sentadas em cadeiras no fundo do palco, imóveis olhavam para um microfone dos anos de 1945-50 que estava no centro do palco, ao som de uma música de Carmen Miranda, o único movimento que fizeram após toda a imobilidade na cena, ao término da música foi aplaudir, e aplaudir e aplaudir...”dramático e teatral”.
A encenação “coreográfica”, se é que tinha uma, é pobre e não trazia nada mais que caminhadas e corridas em círculo.
O que se viu foi um trabalho bastante amador, onde o seu encenador seguia regras ditas em um livro sobre encenação de butoh, descrita por algum crítico de dança, que o fez como tese ou monografia.
Lá estava o “fantasma” de Carmen Miranda sem rosto, andando de um lado para outro deixando seus objetos como os balagandãs, tamancos, pedaços de tecidos de paetês, um arranjo de bananas, etc...
Estes objetos esquecidos pelo fantasma foram a única coisa que se viu de Carmen no espetáculo. Há! Quase, o fantasma passa pelo palco com um pôster de Carmen Miranda nas mãos, e não fosse o detalhe abaixo da foto, o nome escrito CARMEN MIRANDA, ninguém saberia que aquela foto seria da Carmen. Aliás, ninguém sabe quem é Carmen Miranda no Brasil, não é?
Foi aí que o clímax do ambiente do teatro piorou, chamar a platéia de um bando de burros, mas ele faz mais, quando traz ao palco a foto de La Argentina também com legenda. Então aí foi demais.
Falando de Kazuo Ohno e butoh, não se poderia esquecer La Argentina, a bailarina espanhola de flamenco que inspirou Ohno a dançar, o episódio é tão famoso quanto o echarpe de Isadora Duncan.
Nas cenas em que descreve o butoh, ele coloca uma música japonesa e lá vão os gestos estereotipados do butoh.
Faz quebras terríveis na trilha, do som de “O que que a Bahiana tem?”, para tambores japoneses, bem educativo para o público. Lá vem butoh !
E foi um tal de turbante pra cá, turbante pra lá, bonequinhas de plástico vestidas de Carmen Miranda, até que a atriz que fazia uma das Carmens, se estrebucha no chão e tem um ataque... seria de nervos?
O constrangimento da platéia então chegava ao seu ápice...e logo veio o final, Antunes Filho colocou as atrizes Carmen com os dois pôsteres em cena um ao lado do outro e vem lá uma “passista” Carmen com uma bandeira de porta bandeira de escola de samba, desenhado um tamanco gigante e escrito Carmen Miranda. E tudo isso ao som de uma bateria de escola de samba, sem esquecer o confete.
O espetáculo que será mostrado ao Kazuo Ohno no Japão, jamais deveria ter sido convidado para fazer a abertura oficial do maior evento de artes cênicas do país.
Para comemorar o 100o aniversário de Ohno, seria mais prudente Antunes Filho ter lhe enviado um cartão de felicitações.
enviado em 21/6/2005 10:42:00
By Anônimo, at 1:10 AM
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