Antro Particular

20 maio 2007

CINISMO NA VIRADA CULTURAL

Logo nos primeiros meses da gestão José Serra, então prefeito eleito de São Paulo, reuni-me na Secretaria de Relações Internacionais por conta da organização da Festa da Música, aqui na Capital. E foi durante a reunião que soube da vontade do prefeito em trazer para cá as Noites Brancas, evento cultural europeu no qual a população tem acesso a manifestações artísticas durante o período de um dia.

Serra deixou o município e ocupou a cadeira estadual. E dentre outras bagagens levou à Secretaria Estadual de Cultura o evento, denominado aqui por Virada Cultural.

Em sua segunda versão, mais organizada, a capital recebeu artistas diversos espalhados em mais de quarentas pontos da cidade. Parques, escolas, museus, praças... Houve a preocupação em abranger as áreas centrais e principalmente as periféricas.

No entanto, o gigantismo levou a equívocos como o infeliz show dos Racionais na Praça da Sé. A opção se complica quando confrontamos a existência do palco com o fato de que eventos de grande porte foram suspensos da praça pela sua falta de capacidade estrutural em suportar tamanho peso, correndo risco do piso afundar sobre si mesmo, sobre a passagem subterrânea do metrô e as catacumbas da catedral.

A busca populista pelo imediato reconhecimento numérico das atrações demonstra o quanto a coordenação do evento está distante da origem européia.

Em Paris, as Noites Brancas são comandadas por atrações públicas e privadas. As mais interessantes, no entanto, passam longe das oficiais. Estão nas garagens, cafés, livrarias, ônibus, metrôs e até mesmo lavanderias, onde artistas se juntam e organizam pequenas mostras de seus trabalhos, sem a preocupação de grandes públicos ou arrecadações financeiras, apenas pelo prazer em participar e assumir para a si a possibilidade de divertir e dialogar com uma cultura mais heterogênea.

A distância dada ao evento, em Ribeirão Preto, afastando-o do público desprovido de capacidade de locomoção, seja por qual motivo for, denota a persistência do Governo do Estado na construção de uma ação mais propícia às páginas de jornal do que à população em si.

E enquanto se xinga e reclama sobre a falta de procura dos espaços disponíveis, continuam os artistas distanciados da massa e da possibilidade de encontrar e fomentar um outro público que não o habitual recheado por amigos, parentes e poucas almas interessadas.

Todos gostamos de ser incluídos, de receber convites oficiais, de ver nossos nomes destacados na mídia. Como se a chancela do governo determinasse ao nosso trabalho o reconhecimento que imaginamos merecer.

Poucos são os artistas que aproveitam esses momentos anonimamente, nas portas de suas casas, com seus vizinhos sentados em cadeiras caseiras, despretensiosos frente aos vinte pares de mãos a lhes aplaudir.

Ao exigirmos do governo nossa diferenciação sobre os demais, a tal inclusão, estaremos de fato nos afastando da possibilidade de sermos simplesmente quem somos.

A aclamada Virada Cultural nem bem começou e já se tornou industrial, mercadológica, oportunista. Que me perdoem os artistas (maioria, infelizmente), mas o verdadeiro artista é aquele que jamais abre mão de poder dizer.

E enquanto esperamos os palcos monumentais nas praças, a cultura, lá fora, se faz na frente de uma mera máquina de lavar.