CURTO CIRCUITO: não basta falar sobre um palco
Literatura e teatro. Próximas e distintas, cada vez mais a contaminação entre as duas linguagens consolida a importância de se compreender a cena como discurso estético. Próximas enquanto materiais criativos, visto que ambas trabalham, em certo sentido, na elaboração de imagens pela narrativa.
Cabe aos bons livros induzir a nossa capacidade imaginativa para gerar as imagens que compõem os percalços da aventura ou emoções dos personagens, por exemplo. E é do teatro a tradução e materialização das imagens que se formulam na construção dos pensamentos e situações. Imagens... Os livros a nos permitirem criar, o teatro a nos oferecer traduções.
Ao tempo em que ambas são também igualmente distantes ao observamos pelo prisma da estética, quando, então, a narrativa é fundamento essencial de distinção.
A dramaturgia contemporânea tem trazido de volta à cena a palavra narrada, seja pela valorização do narrador - personagem ou em off - seja pela fala em primeira pessoa a contar fatos e sentimentos em vez de encená-los por ações.
O deslocamento da ação para a fala que se faz então como única ação resulta na abordagem de uma cena que compreende o intérprete como imagem narrativa por sua capacidade real em ocupar o palco. Ou seja, o corpo do ator por si só é antes instrumento de elaboração estética da cena.
Tal conflito conceitual pode ser enxergado claramente em "Curto Circuito", de Fernando Bonassi. O escritor-dramaturgo possui a característica de associar palavras e conceitos durante o correr do texto que lembra, em certo sentido, o ritmo da escrita automática surrealista.
O ritmo em si se mostra justamente na coerência associativa (e não no aleatório do sistema surreal), em como Bonassi utiliza a seqüencialidade de frases, com seus antônimos descritivos de estados e condições, para que os universos de suas personagens literárias e dramáticas se configurem dentro de situações determinadas, quase sempre voltadas a entender os mecanismos sóciopolíticos de diferenciação e exclusão entre os iguais, sobretudo o indivíduo urbano.
Em "Curto Circuito", o escritor se aventura também à direção. Aparentemente, tudo justifica essa incursão para dentro das coxias. Afinal, ninguém melhor que o próprio escritor para destrinchar as palavras a serem ditas.
No entanto, a cena se revela frágil sobre o palco. Pouco vai além dos artifícios cênicos habituais na busca por ilustrar um pensamento. O que é pouco. Na disputa entre escritor e diretor, Bonassi não consegue se livrar da caneta e acaba por diminuir as possibilidades de apropriação e desconstrução do texto em si.
A falta de diálogo entre as duas linguagens faz com que o texto de Bonassi surja no palco feito crônica limitada a apresentação dentro de um contexto construído que, nesse caso, explicita a fragilidade no tratar a linguagem teatral ao metaforizar em cena um espaço cenográfico que nos remete de imediato a outro palco.
"Curto Circuito" entra em curto ao se apegar aos modelos tradicionais de interpretação, fortalecendo o tom cronista da linguagem textual, resultando em um espetáculo mais próximo ao recital de crônicas que se sucedem dialogando e variando sobre um tema-chave, do que propriamente com a linguagem do teatro.
Cabe aos bons livros induzir a nossa capacidade imaginativa para gerar as imagens que compõem os percalços da aventura ou emoções dos personagens, por exemplo. E é do teatro a tradução e materialização das imagens que se formulam na construção dos pensamentos e situações. Imagens... Os livros a nos permitirem criar, o teatro a nos oferecer traduções.
Ao tempo em que ambas são também igualmente distantes ao observamos pelo prisma da estética, quando, então, a narrativa é fundamento essencial de distinção.
A dramaturgia contemporânea tem trazido de volta à cena a palavra narrada, seja pela valorização do narrador - personagem ou em off - seja pela fala em primeira pessoa a contar fatos e sentimentos em vez de encená-los por ações.
O deslocamento da ação para a fala que se faz então como única ação resulta na abordagem de uma cena que compreende o intérprete como imagem narrativa por sua capacidade real em ocupar o palco. Ou seja, o corpo do ator por si só é antes instrumento de elaboração estética da cena.
Tal conflito conceitual pode ser enxergado claramente em "Curto Circuito", de Fernando Bonassi. O escritor-dramaturgo possui a característica de associar palavras e conceitos durante o correr do texto que lembra, em certo sentido, o ritmo da escrita automática surrealista.
O ritmo em si se mostra justamente na coerência associativa (e não no aleatório do sistema surreal), em como Bonassi utiliza a seqüencialidade de frases, com seus antônimos descritivos de estados e condições, para que os universos de suas personagens literárias e dramáticas se configurem dentro de situações determinadas, quase sempre voltadas a entender os mecanismos sóciopolíticos de diferenciação e exclusão entre os iguais, sobretudo o indivíduo urbano.
Em "Curto Circuito", o escritor se aventura também à direção. Aparentemente, tudo justifica essa incursão para dentro das coxias. Afinal, ninguém melhor que o próprio escritor para destrinchar as palavras a serem ditas.
No entanto, a cena se revela frágil sobre o palco. Pouco vai além dos artifícios cênicos habituais na busca por ilustrar um pensamento. O que é pouco. Na disputa entre escritor e diretor, Bonassi não consegue se livrar da caneta e acaba por diminuir as possibilidades de apropriação e desconstrução do texto em si.
A falta de diálogo entre as duas linguagens faz com que o texto de Bonassi surja no palco feito crônica limitada a apresentação dentro de um contexto construído que, nesse caso, explicita a fragilidade no tratar a linguagem teatral ao metaforizar em cena um espaço cenográfico que nos remete de imediato a outro palco.
"Curto Circuito" entra em curto ao se apegar aos modelos tradicionais de interpretação, fortalecendo o tom cronista da linguagem textual, resultando em um espetáculo mais próximo ao recital de crônicas que se sucedem dialogando e variando sobre um tema-chave, do que propriamente com a linguagem do teatro.
4 Comments:
Quando vamos ao teatro...dizemos...vamos ver uma peça...não dizemos vamos ouvir, cheirar, tocar. Também podemos juntar tudo...mas normalmente vamos ver.
Alguns trabalhos na Inglaterra eram feitos assim: Um paragrafo inteiro do texto era transformado em poucos movimentos após três dias de trabalho. Eu nunca vi isso no teatro brasileiro. Não estou falando de mímica...ahahahahaha...de jeito nenhum.
abraço Rui
Pancho
By Anônimo, at 10:50 AM
Adorei seu texto na Gazeta de Ribeirão.
Beijos!!!
By Anônimo, at 4:02 AM
Pancho, querido
A grande questão mesmo é que as pessoas parecem abandonar um estudo sobre as linguagens. O teatro padece disso também. Como se tudo coubesse e bastasse subir no palco para ser teatro. Se fosse tão simples assim...
Beijos
By Ruy Filho, at 4:06 AM
Oi, Vanessa
obrigado...!
By Ruy Filho, at 4:06 AM
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