SANTIDADE: a alma decepcionada frente à realidade
Com o término da montagem, a crítica sobre o espetáculo não estará mais disponível no site do Guia da Semana.
Um Zé Celso nu, escancarando a idade. Uma cama. Dois outros corpos jovens. Dezenas de pufes espalhados pelo corredor central do Teatro Oficina, recebendo com vinho e hóstia o público disposto a enfrentar o frio e reencontrar Santidade, primeiro texto de José Vicente de Paula, censurado em 1968, e atualizado nas referências de espaço, idéias e comportamentos. Não poderia ser de outra forma, tratando-se do Oficina.
Os dois jovens atores são Fransérgio Araújo e Haroldo Costa. Na peça, personagens irmãos. Zé Celso faz o estilista Ivo. E basta cruzarmos com seus olhos para que a cena e tudo mais, então, faça sentido. Não houve ainda melhor ator do Oficina que ele próprio. A fala, o sorriso, a ironia cadenciada na malícia dos trocadilhos, a expressividade viva do estar junto ao público. O viver teatro rege a cena, e dela reconstrói o dionisíaco. Se o texto é realista, pouco importa. Nada é mais real que Zé Celso em um palco.
Falhas no som, marcações desnecessárias, falta de unidade nas interpretações. Mas a direção de Marcelo Drummond traduz a necessidade de ouvirmos atentamente o que Zé Vicente diz, mostrando que a retórica da contracultura dos anos 70 se mantém pertinente e não solucionada.
Semanas atrás, Gilles Lipovetsky, lançou em São Paulo o livro A Sociedade da Decepção. Nele, o sociólogo-filósofo francês aborda as características do excesso no modo como vivemos. E aponta, como sobrevivência ao capitalismo desenfreado, dois suportes de sustentação do indivíduo: o consumo, instrumento ilusório de inclusão, e a fé, relação cada vez mais abandonada, como meios para suprirmos a constante inevitável permanência da decepção na sociedade hipermoderna.
Santidade parece ter sido escrito em parceria com Lipovetsky. O prazer intrinsecamente ligado às decepções morais e sociais. Um michê (Haroldo) ex-seminarista amante de um estilista. Personagens sobrevivendo escondidos em artifícios de consumo do corpo. Seja pelo sexo, drogas ou pela moda, disfarce cultural-estético de busca de afirmação junto ao meio. Traduzindo, portanto, a perda do valor individual do ser, agora sustentado pela capitalização do homem-mercadoria, substituível, efêmero. Já o diácono (Fransérgio) em busca de maior compreensão da realidade expressa a urgência e fragilidade da fé para sobreviver a um universo amplo de decepções.
Zé Vicente acerta quarenta anos antes a solidão com a qual a nossa sociedade, condescendente ao capitalismo neoliberal, entrega-se às decepções como estados inevitáveis e compreensíveis.
Se por um lado as decepções são de fato imperativas na busca incessante do ser humano em se satisfazer, por outro a fé, que destituída das instituições, poderia ser o elo de superação, rendeu-se ao misticismo mercadológico, enquanto assistimos ao papa retomar o discurso conservador.
Mergulhar nas falas de Zé Vicente escancara ainda mais a inconsistência da dramaturgia atual, onde o discurso se perde em técnica e falta de reflexão, em textos oferecidos ao público sem a menor preocupação em ir além de mensagens rasas. Zé Vicente, tanto quanto Zé Celso, está além da massa e da constância morna atual. O Oficina recoloca em cena um dos autores mais atuais da nossa sociedade, enquanto escancara, na face nua de Zé Celso, que o teatro sobrevive a tudo, a todos e ao tempo, ainda que poucos sejam de fato os responsáveis por essa sobrevivência.
Os dois jovens atores são Fransérgio Araújo e Haroldo Costa. Na peça, personagens irmãos. Zé Celso faz o estilista Ivo. E basta cruzarmos com seus olhos para que a cena e tudo mais, então, faça sentido. Não houve ainda melhor ator do Oficina que ele próprio. A fala, o sorriso, a ironia cadenciada na malícia dos trocadilhos, a expressividade viva do estar junto ao público. O viver teatro rege a cena, e dela reconstrói o dionisíaco. Se o texto é realista, pouco importa. Nada é mais real que Zé Celso em um palco.
Falhas no som, marcações desnecessárias, falta de unidade nas interpretações. Mas a direção de Marcelo Drummond traduz a necessidade de ouvirmos atentamente o que Zé Vicente diz, mostrando que a retórica da contracultura dos anos 70 se mantém pertinente e não solucionada.
Semanas atrás, Gilles Lipovetsky, lançou em São Paulo o livro A Sociedade da Decepção. Nele, o sociólogo-filósofo francês aborda as características do excesso no modo como vivemos. E aponta, como sobrevivência ao capitalismo desenfreado, dois suportes de sustentação do indivíduo: o consumo, instrumento ilusório de inclusão, e a fé, relação cada vez mais abandonada, como meios para suprirmos a constante inevitável permanência da decepção na sociedade hipermoderna.
Santidade parece ter sido escrito em parceria com Lipovetsky. O prazer intrinsecamente ligado às decepções morais e sociais. Um michê (Haroldo) ex-seminarista amante de um estilista. Personagens sobrevivendo escondidos em artifícios de consumo do corpo. Seja pelo sexo, drogas ou pela moda, disfarce cultural-estético de busca de afirmação junto ao meio. Traduzindo, portanto, a perda do valor individual do ser, agora sustentado pela capitalização do homem-mercadoria, substituível, efêmero. Já o diácono (Fransérgio) em busca de maior compreensão da realidade expressa a urgência e fragilidade da fé para sobreviver a um universo amplo de decepções.
Zé Vicente acerta quarenta anos antes a solidão com a qual a nossa sociedade, condescendente ao capitalismo neoliberal, entrega-se às decepções como estados inevitáveis e compreensíveis.
Se por um lado as decepções são de fato imperativas na busca incessante do ser humano em se satisfazer, por outro a fé, que destituída das instituições, poderia ser o elo de superação, rendeu-se ao misticismo mercadológico, enquanto assistimos ao papa retomar o discurso conservador.
Mergulhar nas falas de Zé Vicente escancara ainda mais a inconsistência da dramaturgia atual, onde o discurso se perde em técnica e falta de reflexão, em textos oferecidos ao público sem a menor preocupação em ir além de mensagens rasas. Zé Vicente, tanto quanto Zé Celso, está além da massa e da constância morna atual. O Oficina recoloca em cena um dos autores mais atuais da nossa sociedade, enquanto escancara, na face nua de Zé Celso, que o teatro sobrevive a tudo, a todos e ao tempo, ainda que poucos sejam de fato os responsáveis por essa sobrevivência.
2 Comments:
Ruy
Tive oportunidade de assistir Santidade sábado passado e também recomendo este belo espetáculo.
A qualidade do texto de Zé Vicente não foi nenhuma surpresa pois já havia assistido por 2 vezes O Assalto, montado pelo próprio Oficina com a mesma interpretação competente do Fransergio e do Haroldo.
Foi a primeira vez que estive no salão principal do Oficina e que assisti a interpretação do Zé Celso, e realmente não há como não se impressionar. Mas continuo preferindo a encenação de o ASSALTO na pequena sala superior do Oficina ou no Satyros.
A diferença é que em Santidade, a partir da segunda metade a performance dos atores, que escalam as arquibancadas e travam seus diálogos a mais de 20 metros um do outro, é priorizada frente ao diálogo cara a cara (uma preferência minha neste tipo de texto).
Seria bom você alertar os seus leitores que o Oficina tem como projeto, além de reapresentar as 2 peças mencionadas, montar toda a obra de Zé Vicente.
Abraço.
Mauro Hirdes
(sedrih@yahoo.com)
By Anônimo, at 10:36 AM
Oi, Mauro
valeu pela complementação das informações. Como o espaço no Guia é limitado a quantidas de caracteres, muito sempre fica de fora.
De qualquer maneira, agora já está devidamente avisado.
Abraços,
RUY FILHO
By Ruy Filho, at 11:33 AM
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