BIENAL DE VENEZA: Regina José Galindo e a estetização da dor feminina
Postado na hospedagem anterior do blog na segunda-feira, 4 de julho de 2005
02:01:05
Chega de Veneza o nome da contemplada com a premiação Leão de Ouro. Regina José Galindo, 31 anos, nasceu e trabalha na Guatemala. É artista plástica e poeta, tendo importância como escritora dentre a nova geração de seu país. Nada mais coerente nesta que é uma das Bienais mais femininas da história. E se feminina, feminista inevitavelmente, ainda que não condicionada aos meros valores de militância histórica das décadas passadas. Veneza está consumida pelo feminino questionador e autocrítico já na escolha das curadoras, na opção pelas artistas engajadas. Não basta querer os direitos e igualdades do mundo macho, é preciso se portar mulher, se rever mulher para consolidar uma reflexão política sobre o feminismo sem se desassociar de suas diferenças e individualidades.
É o que Regina consegue claramente nos dois vídeos apresentados. Um deles apresenta a artista mergulhando os pés em uma bacia com sangue para registrar sua caminhada pela cidade. Os passos vermelhos são os ecos da atitude contestadora que chegam mesmo a macular a escadaria do "Congresso", frente a um grupo de militares. O outro mostra a cirurgia de reconstituição do hímen da artista, como denúncia às culturas onde a virgindade ainda se coloca obrigatória, muitas vezes levando a punições como apedrejamento em praças públicas.
Não bastasse a violência do discurso apropriado pela artista, Regina elabora uma performance onde se flagela mais de 300 vezes, lembrando as 394 mulheres assassinadas na Guatemala entre 2004 e 5. Para um dos jurados da 51ª Bienal de Veneza, o prêmio se justifica "por haver sabido dar vida a uma ação corajosa contra o poder, em seu tríptico de performance e documentação".
Há nas ações de Regina o assumir para o próprio corpo as dores e distorções culturais do universo feminino. Ainda que as ações remetam quase que imediatamente a outras artistas, como Marina Abramovich e Orlan, ainda assim, são fortes e justificáveis. Se por um lado a história da performance já registrara ações similares, por outro a importância se revela pela atualidade da repetição do gesto.
Tanto os vídeos quanto a performance tratam de expor um discurso sobre a mulher que não se esgotou. Ainda alvo de todos os tipos de segregações e discriminações, cabe a própria mulher definir o que é nos dias de hoje "ser mulher". Em casa, no trabalho, na política, na arte.
O que Regina conquista não é só o prêmio mais importante da Bienal. Conquista o valor de uma arte politizada que retorna à importância dentro dos pavilhões de exposição em um momento onde o homem-macho conduz o mundo ao caos racional e irracional. Enfim, sem ter aqui a possibilidade de assistir os trabalhos, só me resta parabenizar os jurados pela ousadia de entregar o prêmio a mãos tão jovem e tão lúcida. Que nossa Bienal seja contaminada pelos ventos venezianos e possamos igualmente sermos surpreendidos por discursos de artistas que possuem de fato o que dizer. Estou ansioso e curioso ao que há de vir...
PRENSADO A MIS ENTRAÑAS PERMANECE
Prensado a mis entrañas
permanece.
Hace un año vive conmigo
chupando mi sangre
mi sudor
mi sexo.
He intentado un aborto
pero este amor
no conoce la muerte.
(de Regina José Galindo)
02:01:05
Chega de Veneza o nome da contemplada com a premiação Leão de Ouro. Regina José Galindo, 31 anos, nasceu e trabalha na Guatemala. É artista plástica e poeta, tendo importância como escritora dentre a nova geração de seu país. Nada mais coerente nesta que é uma das Bienais mais femininas da história. E se feminina, feminista inevitavelmente, ainda que não condicionada aos meros valores de militância histórica das décadas passadas. Veneza está consumida pelo feminino questionador e autocrítico já na escolha das curadoras, na opção pelas artistas engajadas. Não basta querer os direitos e igualdades do mundo macho, é preciso se portar mulher, se rever mulher para consolidar uma reflexão política sobre o feminismo sem se desassociar de suas diferenças e individualidades.
É o que Regina consegue claramente nos dois vídeos apresentados. Um deles apresenta a artista mergulhando os pés em uma bacia com sangue para registrar sua caminhada pela cidade. Os passos vermelhos são os ecos da atitude contestadora que chegam mesmo a macular a escadaria do "Congresso", frente a um grupo de militares. O outro mostra a cirurgia de reconstituição do hímen da artista, como denúncia às culturas onde a virgindade ainda se coloca obrigatória, muitas vezes levando a punições como apedrejamento em praças públicas.
Não bastasse a violência do discurso apropriado pela artista, Regina elabora uma performance onde se flagela mais de 300 vezes, lembrando as 394 mulheres assassinadas na Guatemala entre 2004 e 5. Para um dos jurados da 51ª Bienal de Veneza, o prêmio se justifica "por haver sabido dar vida a uma ação corajosa contra o poder, em seu tríptico de performance e documentação".
Há nas ações de Regina o assumir para o próprio corpo as dores e distorções culturais do universo feminino. Ainda que as ações remetam quase que imediatamente a outras artistas, como Marina Abramovich e Orlan, ainda assim, são fortes e justificáveis. Se por um lado a história da performance já registrara ações similares, por outro a importância se revela pela atualidade da repetição do gesto.
Tanto os vídeos quanto a performance tratam de expor um discurso sobre a mulher que não se esgotou. Ainda alvo de todos os tipos de segregações e discriminações, cabe a própria mulher definir o que é nos dias de hoje "ser mulher". Em casa, no trabalho, na política, na arte.
O que Regina conquista não é só o prêmio mais importante da Bienal. Conquista o valor de uma arte politizada que retorna à importância dentro dos pavilhões de exposição em um momento onde o homem-macho conduz o mundo ao caos racional e irracional. Enfim, sem ter aqui a possibilidade de assistir os trabalhos, só me resta parabenizar os jurados pela ousadia de entregar o prêmio a mãos tão jovem e tão lúcida. Que nossa Bienal seja contaminada pelos ventos venezianos e possamos igualmente sermos surpreendidos por discursos de artistas que possuem de fato o que dizer. Estou ansioso e curioso ao que há de vir...
PRENSADO A MIS ENTRAÑAS PERMANECE
Prensado a mis entrañas
permanece.
Hace un año vive conmigo
chupando mi sangre
mi sudor
mi sexo.
He intentado un aborto
pero este amor
no conoce la muerte.
(de Regina José Galindo)
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