Antro Particular

07 dezembro 2005

BIENAL DE VENEZA: Regina José Galindo e a estetização da dor feminina

Postado na hospedagem anterior do blog na segunda-feira, 4 de julho de 2005
02:01:05


Chega de Veneza o nome da contemplada com a premiação Leão de Ouro. Regina José Galindo, 31 anos, nasceu e trabalha na Guatemala. É artista plástica e poeta, tendo importância como escritora dentre a nova geração de seu país. Nada mais coerente nesta que é uma das Bienais mais femininas da história. E se feminina, feminista inevitavelmente, ainda que não condicionada aos meros valores de militância histórica das décadas passadas. Veneza está consumida pelo feminino questionador e autocrítico já na escolha das curadoras, na opção pelas artistas engajadas. Não basta querer os direitos e igualdades do mundo macho, é preciso se portar mulher, se rever mulher para consolidar uma reflexão política sobre o feminismo sem se desassociar de suas diferenças e individualidades.

É o que Regina consegue claramente nos dois vídeos apresentados. Um deles apresenta a artista mergulhando os pés em uma bacia com sangue para registrar sua caminhada pela cidade. Os passos vermelhos são os ecos da atitude contestadora que chegam mesmo a macular a escadaria do "Congresso", frente a um grupo de militares. O outro mostra a cirurgia de reconstituição do hímen da artista, como denúncia às culturas onde a virgindade ainda se coloca obrigatória, muitas vezes levando a punições como apedrejamento em praças públicas.

Não bastasse a violência do discurso apropriado pela artista, Regina elabora uma performance onde se flagela mais de 300 vezes, lembrando as 394 mulheres assassinadas na Guatemala entre 2004 e 5. Para um dos jurados da 51ª Bienal de Veneza, o prêmio se justifica "por haver sabido dar vida a uma ação corajosa contra o poder, em seu tríptico de performance e documentação".

Há nas ações de Regina o assumir para o próprio corpo as dores e distorções culturais do universo feminino. Ainda que as ações remetam quase que imediatamente a outras artistas, como Marina Abramovich e Orlan, ainda assim, são fortes e justificáveis. Se por um lado a história da performance já registrara ações similares, por outro a importância se revela pela atualidade da repetição do gesto.

Tanto os vídeos quanto a performance tratam de expor um discurso sobre a mulher que não se esgotou. Ainda alvo de todos os tipos de segregações e discriminações, cabe a própria mulher definir o que é nos dias de hoje "ser mulher". Em casa, no trabalho, na política, na arte.

O que Regina conquista não é só o prêmio mais importante da Bienal. Conquista o valor de uma arte politizada que retorna à importância dentro dos pavilhões de exposição em um momento onde o homem-macho conduz o mundo ao caos racional e irracional. Enfim, sem ter aqui a possibilidade de assistir os trabalhos, só me resta parabenizar os jurados pela ousadia de entregar o prêmio a mãos tão jovem e tão lúcida. Que nossa Bienal seja contaminada pelos ventos venezianos e possamos igualmente sermos surpreendidos por discursos de artistas que possuem de fato o que dizer. Estou ansioso e curioso ao que há de vir...


PRENSADO A MIS ENTRAÑAS PERMANECE

Prensado a mis entrañas
permanece.

Hace un año vive conmigo
chupando mi sangre
mi sudor
mi sexo.

He intentado un aborto
pero este amor
no conoce la muerte.

(de Regina José Galindo)