Antro Particular

20 junho 2007

ABAJUR LILÁS: a ausência do outro

Se Nelson Rodrigues escancarou as portas dos casarões da classe média carioca, Plínio Marcos, do lado de fora, jogou pedras em nossas janelas, pelas mãos de prostitutas, gays, gigolôs e toda uma fauna urbana típica de grandes centros. Nem mesmo sua morte, em 1999, afastou de nossas proteções os ataques de seus diálogos. Basta andarmos pelas ruas do centro de São Paulo, subirmos a Rua Augusta, para darmos de frente com meninas nas calçadas, portas de boates que levam às entranhas do submundo quais preferimos ignorar existir.

Ou então, sentarmo-nos nos teatros da praça Roosevelt, ao sabor dos Satyros e Bortolotto, para reencontrarmos a aura crua de Plínio Marcos. O tom provocativo da linguagem explícita, da vontade indecente, da amargura viva traduzida em teatro tendo por referência o universo das ruas e subvidas.

Remontar Plínio é sempre uma aventura. Reler por suas peças uma sociedade que só fez verticalizar seus problemas morais, preconceitos, diferenças é senão o desafio maior, ao menos a problemática de como adaptar uma escrita tão especificamente pessoal. Plínio saberia como enxergar a sociedade tal com está, certamente. Por isso buscamos nele a tradução. Para compreender o espetáculo qual assistimos cúmplices e silenciosamente.

É com essa importância, e ainda mais por ser a nova montagem de Abajur Lilás fruto de um discurso universitário, que vejo a potência da proposta de trazê-la novamente aos palcos.

Com direção de Marco Antônio Brás, o TUSP apresenta-a em duas versões, ainda que a mesma. Heavy e Light. Cuja diferença essencial situa-se na construção atmosférica da cena pela utilização da trilha sonora. Popular ou clássica, respectivamente.

No entanto, muitos são os equívocos da encenação. A começar pela mesmice da cenografia. A cama redonda centralizada à cena explicita o quarto-dormitório onde as prostitutas também encontram seus clientes. Enquanto a pintura lilás da mobília e objetos dá o tom óbvio do trocadilho com o título da peça, mas pouco ou quase nada oferece em significado narrativo. Realizados também por Sylvia Moreira, os figurinos são, entretanto, o maior equívoco. Na tentativa de compor épocas distintas às três prostitutas, mais lembram um show desconexo de moda cafona, figurando ainda mais as personagens nas personalidades já explicitadas em suas falas.

Algo grita ainda mais aos desacertos plásticos.

É nítida a falta de uma direção que conduza os atores, tão distintos em estilos e maturidades, ao objetivo de representar o texto. Lutando por conta própria, cada um à sua maneira busca formas de lidar com seu personagem. Nesse embate solitário, Nathália Lorda e Flávia Couto costuram as cicatrizes de um processo sem direção e desenham consistentemente suas participações.

Expor Plínio Marcos sobre o palco exige coragem. Muito já foi feito e dito. Muito ainda pode ser encontrado. Mas para isso é preciso estar livre de pré-conceitos, das amarras fáceis das fórmulas prontas. O Tusp finge não perceber a ausência de uma voz guia, abstendo-se da sua responsabilidade. Entrega aos leões os atores, feitos objetos substituíveis à demanda de mercado, enquanto parece esquecer que Plínio trazia a marginalia pros bares e salas de teatro. E cria em seu próprio universo a marginalização daqueles quais, em tese, deveria preparar e formar.

Se não há um avanço na formação desses intérpretes ou a preocupação em ir além do efetuar outra montagem para o cumprir de cronogramas, é fato ser o processo de pouca valia. Infelizmente, o que se assiste é a conseqüência desse abster-se da pesquisa. Novamente atores em recente inclusão profissional são largados à sorte do esforço pelo mero tentar fazer, e não unidos no prazer do aprender para inventar.

A montagem de Abajur Lilás não é um fato isolado. Nada é tão simplista assim. Muitos são os trabalhos focados nos aspectos questionados aqui. Poucos são os atores e atrizes que conseguem fugir das armadilhas.

Décadas atrás ser atriz determinava à garota carteira profissional igual à prostituta. Hoje as atrizes se prostituem sem escolha em trabalhos fraudulentos, na busca pelo mínimo espaço mercadológico, quase como única possibilidade de sobrevivência ao grotesco sistema de inclusão mercadológico. São tratadas novamente por produtos a venda, material de consumo imediato, cafetinadas por renomados e respeitados nomes do teatro. E parece que ninguém está disposto a falar sobre isso!

2 Comments:

  • Nóoooo
    Nóoooooo
    Nóoooooooo
    Sem comentários...
    Apenas um:
    Obrigada por falar

    By Blogger thaisampr, at 1:34 PM  

  • Enquanto não houver um planejamento de pesquisa e educação a fundo...os atores...as dores...os atores serão como nossos pedreiros. Trabalharão com havaianas ao invés de botas e sem capacete de segurança...tudo feito nas coxas.
    beijo
    Pancho

    By Anonymous Anônimo, at 10:44 PM  

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