ALÉM DA ROUANET
Não importa a origem de um projeto ou o real envolvimento com a comunidade, é impraticável a realização de uma atividade cultural, hoje, sem ser viabilizada através de lei de incentivo federal, estadual ou municipal. Mas, de modo geral, a Lei Rouanet é ainda o principal mecanismo requerido.
A questão mais relevante, porém esquecida das discussões, é se esse nosso modelo de mecenato serve às finalidades de fomentar e democratizar o acesso aos eventos culturais. Obviamente que não.
Alguns dados são estarrecedores. Segundo o IBGE, 92,5% dos municípios brasileiros não possuem sala de cinema, 20% não possuem biblioteca pública e somente 5,6% possuem orquestras municipais. Os números revelam a falta de políticas para a cultura e uma vertiginosa desconexão entre as esferas públicas. Ainda que o Ministério da Cultura traga à mesa de debates conceitos amplos de sociabilização da cultura, como os traçados por Antônio Negri, entre outros, os secretários municipais permanecem mudos ao diálogo proposto, mantendo as escolhas dos projetos condicionadas aos interesses dos diretores de marketing.
Assistimos passivos, às vontades do mercado, a Cultura fugir da esfera de proposições dialéticas para se submeter aos interesses e serviços das empresas. Cada vez mais produtores percebem a facilidade do dialogar com grandes corporações, apreendendo os vocábulos, orientando-se por suas metas. Adequamo-nos rapidamente às salas de reuniões, ao invés de os trazermos ao ambiente da experimentação.
A ilusão de ser a inscrição na Rouanet a solução para a viabilização de uma idéia, cria a cultura do inatingível. Em 2004, o MinC obteve 7.360 projetos submetidos à valiação, dos quais 5.748 foram aprovados. Dentre esses, apenas 1.923 conseguiram patrocínio, espalhados, sobretudo, nas grandes capitais do sudeste.
Na maneira como a Rouanet se propõe, volta-se mais a sustentabilidade de um projeto do que propriamente ao seu acesso. E enquanto os artistas e profissionais da cultura correm por construir pseudas-seguranças por salários irreais, à produção resta o elevar estratosférico das cifras, buscando assegurar os ganhos no montante captado. Pois é fato a não proporcionalidade do público à quantidade de eventos em oferta. Mais caros, menos empresas potencialmente disponíveis, maiores dificuldades para a captação, mais projetos sem patrocínio, mais projetos voltados aos interesses de corporações.
O aumento dos custos gera distúrbios óbvios. Quem são os pagantes de shows a R$ 100,00 ou teatros a R$ 50,00? Quem perde com isso são as mesmas pessoas que já não tinham condições de freqüentar teatros, cinemas, shows, museus. A Rouanet acaba aumentando, na verdade, a abrangência da população excluída.
É preciso ir além da produção de projetos com os recursos públicos. Re-entender semanticamente esse ‘Público’. Sem a inclusão cultural, o indivíduo situa-se aprisionado em uma bolha que o suspende da participação social de sua comunidade. E sem sua participação, a democracia não se concretiza no seu discurso mais primário, o de existir a todos para igualar em direitos as diferenças. Cabe aos artistas buscar alternativas, e ao governo a compreensão de ser a população esquecida igualmente cidadã.
A questão mais relevante, porém esquecida das discussões, é se esse nosso modelo de mecenato serve às finalidades de fomentar e democratizar o acesso aos eventos culturais. Obviamente que não.
Alguns dados são estarrecedores. Segundo o IBGE, 92,5% dos municípios brasileiros não possuem sala de cinema, 20% não possuem biblioteca pública e somente 5,6% possuem orquestras municipais. Os números revelam a falta de políticas para a cultura e uma vertiginosa desconexão entre as esferas públicas. Ainda que o Ministério da Cultura traga à mesa de debates conceitos amplos de sociabilização da cultura, como os traçados por Antônio Negri, entre outros, os secretários municipais permanecem mudos ao diálogo proposto, mantendo as escolhas dos projetos condicionadas aos interesses dos diretores de marketing.
Assistimos passivos, às vontades do mercado, a Cultura fugir da esfera de proposições dialéticas para se submeter aos interesses e serviços das empresas. Cada vez mais produtores percebem a facilidade do dialogar com grandes corporações, apreendendo os vocábulos, orientando-se por suas metas. Adequamo-nos rapidamente às salas de reuniões, ao invés de os trazermos ao ambiente da experimentação.
A ilusão de ser a inscrição na Rouanet a solução para a viabilização de uma idéia, cria a cultura do inatingível. Em 2004, o MinC obteve 7.360 projetos submetidos à valiação, dos quais 5.748 foram aprovados. Dentre esses, apenas 1.923 conseguiram patrocínio, espalhados, sobretudo, nas grandes capitais do sudeste.
Na maneira como a Rouanet se propõe, volta-se mais a sustentabilidade de um projeto do que propriamente ao seu acesso. E enquanto os artistas e profissionais da cultura correm por construir pseudas-seguranças por salários irreais, à produção resta o elevar estratosférico das cifras, buscando assegurar os ganhos no montante captado. Pois é fato a não proporcionalidade do público à quantidade de eventos em oferta. Mais caros, menos empresas potencialmente disponíveis, maiores dificuldades para a captação, mais projetos sem patrocínio, mais projetos voltados aos interesses de corporações.
O aumento dos custos gera distúrbios óbvios. Quem são os pagantes de shows a R$ 100,00 ou teatros a R$ 50,00? Quem perde com isso são as mesmas pessoas que já não tinham condições de freqüentar teatros, cinemas, shows, museus. A Rouanet acaba aumentando, na verdade, a abrangência da população excluída.
É preciso ir além da produção de projetos com os recursos públicos. Re-entender semanticamente esse ‘Público’. Sem a inclusão cultural, o indivíduo situa-se aprisionado em uma bolha que o suspende da participação social de sua comunidade. E sem sua participação, a democracia não se concretiza no seu discurso mais primário, o de existir a todos para igualar em direitos as diferenças. Cabe aos artistas buscar alternativas, e ao governo a compreensão de ser a população esquecida igualmente cidadã.
11 Comments:
Ruy
Consegui levantar grande parte da verba da produção da minha peça PIANTAO via doação de pessoas físicas, que podem destinar até 6% do imposto de renda.
Essa é um alternativa pouco explorada, acredito por desconhecimento e também pelo maior trabalho na captação, pois se necessita de muita gente para se levantar o mesmo valor que poderia ser obtido junto a uma só empresa.
Acho que uma campanha de divulgação para o grande público, informando que eles também podem apoiar projetos culturais, teria um grande efeito, já que teriam certeza que o imposto estaria sendo bem aplicado.
Já o fato de só poderem se utilizar da isenção fiscal da Lei Roaunet empresas tributadas pelo regime de lucro real, restringe o universo a somente as grandes empresas, que devido a um planejamento tributário consideram essa verba como um adicional aos seus planos de marketing. E esta verba gerida por MKT acaba sendo destinada só a eventos de grande visibilidade.
Uma possibilidade para minimizar o fato que o patrocinio não chega a quem mais precisa dele, seria impor um "pedágio" de 50% sobre este excedente de doações acima de um determinado valor (ex: R$300 mil). Esta verba iria para um fundo destinado exclusivamente a construção, manutenção e divulgação de espaços com salas de pequeno porte (exemplo: salas de até 120 lugares) de grande interesse dos que mais necessitam de apoio para seus projetos artisticos.
Mas grande maioria das empresas, médias e pequenas, que poderiam apoiar os artistas locais, mas se enquadram no regime de lucro presumido, ficam de fora da lei Roaunet. Só podem patrocinar utilizando-se de isenção fiscal de ICMS, ISS ou IPTU caso exista alguma política estadual ou municipal para apoio a cultura. Aí a coisa complica pois envolve todo o sistema tributário, como incluir estas empresas? Acredito que se conseguissemos resolver esta questão teriamos uma quantidade imensa de empresas apoiando a cultura e se utilizando da lei para divulgar as marcas da mesma forma que as grandes empresas já fazem.
Abs
Mauro Hirdes
sedrih@yahoo.com
By Anônimo, at 10:04 AM
Sobre o quesito Rouanet, dou minha resposta: Não, porque as quantias de incentivo fiscal, vale dizer, dinheiros públicos devidos pelas PJs - por que não se incluem as PFs? -, ficam nas mãos dos empresários. Assim, ficam estes com a atribuição estapafúrdia, dividida com essa praga de "produtores culturais" (ó céus!), de escolherem o que bem quiserem. Já houve até um que sugerisse algumas "mudanças" num texto de peça teatral inspirado em "Hamlet", "porque era triste demais" (não o texto, digo, o enredo)!
By Anônimo, at 11:01 PM
Talvez a mídia, a iniciativa privada e o governo teria que parar um pouquinho de encher meu saco com o pan e se importar com educar o povo brasileiro para se importar com a educação e ler...isso não quer dizer acabar com o esporte...simplesmente distribuir melhor.
Outro ponto importânte é o vício de esmola. Chega de bolsa família e lei do incêntivo...esmola pura que vicía o povo...é preciso criar uma forma para cada um ganhar o seu. Talvez mais uma vez atravéz da educação.
parabéns Rui pela matéria, adoro teus textos.
abraço
By Anônimo, at 11:04 PM
Às vezes acho que o mundo só anda para trás, ou pelo menos o mundo brasileiro. Criaram esses mecanismos para levantar dinheiro para, em princípio, viabilizar projetos de artistas que não teriam outra maneira de reaizá-los. No entanto, a maioria dos filmes, peças etc, de "grandes" produtores e com "grandes" figurões que vejo anunciados por aí apresentam a bandeirinha da lei Rouanet ou lei de incentivo a cultura (não sei se são a mesma coisa, me perdoem pela ignorância). Isso tudo virou uma linguagem de mercado e quem se submete a por a mão nesses dinheiros trabalhará com os punhos amarrados para fins específicos. Continuo preferindo a liberdade do mundo paralelo, onde, apesar da pouca audiência, se encontram campos férteis. Lá sim há espaço para todos e um imenso vazio.
By Anônimo, at 10:31 AM
Bom, se o dinheiro não vai pra arte, de todo e bem aplicado como deveria, como não vai da mesma forma pra saúde, pra educação, pra fechar buraco de rua, para o esporte, pra cuidar de estrada, pra matar a fome, o dinheiro está indo de todo, e como não deveria ser para o bolso beneficiado (e diga-se de passagem, beneficiário, também) de poucos. E isso a gente já sabe. E agora? Cale-se e ame-o? Morra e cale-se? Ame-o, e o deixe? Mudou o quê? A cara da ditadura? Ela colocou mais pó de arroz, foi isso...? Ninguém mais encontra gente morta em vala, e os militares parecem peças de museu? Deixam a gente falar por isso mesmo... pra ficar mais fácil pra eles fazerem o que quiserem? A net, então, veio contribuir facultativamente, né? Tem saída, não tem, qual é a nossa, afinal? Quando se tem um congresso onde mulher chora por ter sido chamada de feia, troca-se socos e ponta-pés por pontos de vista díspares, não se resolve porra nenhuma, e ainda se leva quase dez paus pra casa todo mês, fora verbas e outros objetivos não explicados, o que se quer? Dizer que atores conseguem levar a peça nas costas sem diretor? Cadê o diretor do espetáculo? Ca-dê?
O que vai provar para o cidadão comum que ele é roubado na cara dura todo dia? O que/ quem é capaz de provar isso? Há tempo por parte do cidadão, para ele sentar e tentar entender que é ele o roubado, e não o contrário, quando atrasa suas contas, e a maioria, honesta que é, quase arranca os cabelos por culpa? Algumas fazem merda. E entram para o mundo do crime.
O cidadão vai abrir mão do futebol e da pinga de todo santo domindo, depois de uma semana de cão, pra entender que somos todos roubados?
Onde é mesmo o lugar de ladrão? Tem como sair de lá, ou eles já são previamente blindados?
Não vou dar uma de não-lúcida e pedir uma nave. Eu quero a verdade, só isso. E ela se resume em "quem é o diretor?". Pode ser mais de um, não me importa.
beijo
By Anônimo, at 6:51 PM
Mauro,
você tem razão quando fala que o incentivo via pessoa física não é muito difundido. Algumas empresas já começaram a trabalhar com essa possibilidade junto a seus funcionários.
A questão, entretanto, não é a capacidade de captar, e sim o destino do emprego de recursos incentivados, seja físico ou jurídico.
De alguma maneira, independentemente da captação, a utilização da lei não adequa os projetos para sua maior difusão.
Continuam as pessoas sem recursos sem a possibilidade de usufruir os bens culturais.
Atenção, pois diferencio bens culturais de produtos culturais, mais isso é uma outra (e boa) discussão.
Abraços,
RUY FILHO
By Ruy Filho, at 2:38 AM
Arnaldo, realmente a inclusão (definitiva) de produtores culturais dentro do processo artístico, tem se tornado um desistímulo criativo.
A submissão aos meandros do capital anulam da arte a sua possibilidade de imperfeição, e eliminam assim a capacidade maior em ser um processo aberto de diálogo.
Nessa tentativa ególatra, onde artistas valem menos que produtores culturais, e o que importa é o resultado de um produto e não a abrangência discursiva de um processo, perdemos todos, públicos e artistas.
A Lei Rouanet me parece estimular ainda mais esta prática, exaltando a captação vinculada ao incentivo fiscal, ao invés de estimular a conscientização da participatividade responsável e de visões de mundo cúmplices entre artistas e empresários.
Fazer como para mudar?
Beijos
RUY FILHO
By Ruy Filho, at 2:49 AM
Pancho, querido, a mídia não existe mais, está falida e condicionada ao poder.
A iniciativa (?) privada... Bem, sofremos a época das ONGs e assistencialismos de inclusão que mais se revelam ilusionistas e fabricação de indivíduos frustantes, uma vez que acresenta no mercado cultural meninos e meninas dentro das necessidades próprias do momento, e não na concretização de seus sonhos.
Nunca ouvi falar de diretores de cinema que saíram da Cidade de Deus... Mas há dois ou três atores por aí, galgando seus espaços em papéis menores, esteriotipados por personagens negros. São ótimos para suprir a falta da raça na televisão, e ainda colocam as emissoras como boas amigas da nossa sociedade. Protagonistas? Nem pensar...
Quanto ao esporte, quem já praticou seriamente algum sabe de sua importância na construção de indivíduos e cidadãos. Nem o caso, agora, de discutirmos isso. Mas a nova lei para o esporte vai gerar a mesma crise de profissionalização que a Lei Rouanet criou na cultura. E será que isso é tão positivo assim? Afinal, nosso maior esporte profissional, o futebol, é o que é, com seus escandalos e falcatruas; enquanto o volei, ainda amador, continua exemplo. Mas isso partiu dos atletas.
Jamais teríamos isso dentro da cultura, quando o que importa é o sucesso e reconhecimento pessoal e não coletivo.
Abraços, figura...
By Ruy Filho, at 2:59 AM
José Gatto,
é isso mesmo! Talvez o melhor caminho seja optarmos pela via alternativa. Tenho falado sobre Produção Criativa... Mas é preciso entender que a coisa não se dará a curto prazo. E que temos que encontrar um caminho do meio para o agora.
Abraços.
By Ruy Filho, at 3:01 AM
Ana,
É exatamente isso! Afinal, não são os políticos outra coisa se não o reflexo de nós.
Pergunte a qualquer pessoa na rua: se tiver a possibilidade de virar deputado o que faria? A resposta silenciosa de milésimos de segundo é sempre um primeiro sorriso.
A tal do jeitinho brasileiro?
Aí vale a pena ler o livro de Fernanda Borge sobre isso. E vamos descobrir que não.
Há algo de mais profundo na alma brasileira, e lá dentro, certamente se encontra a voz da alienação social.
Tenho pensado sobre isso...
Precisamos sentar para discutir ao brasileiríssimo sabor de cafés.
Apareça no Gerald.
Beijos.
By Ruy Filho, at 3:06 AM
Ruy,
Gostei bastante do seu texto: simples, claro e direto ao ponto.
Você sabe que minha opinião é a mesma: a essência da questão é mesmo a falta de acesso da população a bens, produtos e experências culturais.
Segundo matéria de capa da Ilustrada há duas semanas, de 2005 para 2006 houve aumento do número de filmes produzidos no Brasil... e a quantidade total de espectadores caiu. Ou seja, estamos fazendo mais filmes (e consumindo mais $ público) para cada vez menos pessoas!
Este é apenas um de inúmeros exemplos.
Na segunda-feira, quando estiver de volta ao escritório, mandarei a você 2 materiais sobre essa questão.
Abração,
Lárcio
By Anônimo, at 8:24 PM
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