Antro Particular

13 dezembro 2005

NOVA DRAMATURGIA: ainda entre Gerald Thomas e Zé Celso

A dramaturgia tem dado as caras em todos os cantos na cidade de São Paulo. CCBB, CCSP, Auditório da Folha de S. Paulo, Funarte, Senac, Teatro do Centro da Terra, Casa das Rosas, Espaço dos Satyros... Teatros, salas de leitura, espaços alternativos. Iniciativas individuais, mostras organizadas, trabalhos de grupo como a Cia. dos Dramaturgos. Seja qual for o mote a ser explorado no universo da cena, é difícil encontrar um projeto na cidade desconectado da produção dramatúrgica recente. Isso é muito positivo. O teatro tem perdido espaço para captações mais rentáveis, público para os complexos de salas de cinema, e as leituras de alguma maneira formam pessoas interessadas pelo teatro, para um futuro que visto de hoje se desenha aos artistas triste e solitário.

E frente a tantos acontecimentos o mais escutado é a expressão “nova dramaturgia”. Pois bem, vamos a ela. Logo duas questões me surgem: a técnica e a qualidade dessas dramaturgias.

Quanto à técnica pouco se pode criticar. Variadas, as peças se elaboram em condições diferentes e processos particulares, o que significa uma injustiça avaliá-las por um mesmo viés. De certo modo, a dramaturgia apresentada tem se revelado capaz de contar uma história, representar o homem em sua atualidade urbana e se constituir literatura de fácil comunicação.

Já a qualidade pode ser sim discutida. E muita. E não a compreendo aqui pelo prisma de bom ou mau, melhor ou pior, por não se tratar de gosto e empatias estéticas. Apesar das características próprias de cada criação, aspectos tais capazes de assinar uma autoria, a impressão é de se estar sempre à frente de um mesmo trabalho. Redundante, circular, a nova dramaturgia pouco se aprofunda nas questões quais se apóia, gerando textos superficiais e decepcionantemente próximos. Há uma certa aceitação temática desse homem solitário, da busca pelo sentimento perdido, do amor destruído pela violência do dia-a-dia, da incapacidade em ir além dos sofrimentos para a criação de um outro estado social. Discussões desde de sempre e que devem continuar, pois cabe à Arte o confronto com o inatingível do Homem.

Contudo o que se assiste ou ouve nas apresentações das dramaturgias atuais é uma esgotável fórmula desses aspectos construídos em boa técnica mas sem capacidade criativa para ir além da obviedade no tratamento das questões. Não há proposta estética tão pouco um olhar verdadeiro sobre o texto teatral. Volta-se freqüentemente, e quase sempre, a uma construção híbrida entre o naturalismo pobre do diálogo e a representação cênica do palco italiano dentro de uma tradição tbcista.

Essa nova dramaturgia quer ser reconhecida, ser alguém, e para isso busca por parâmetros o mais próximo ao reconhecível publicamente, ao rasteiro da linguagem dramática para estabelecer junto ao espectador a compreensão de suas mensagens. Ora, poucas são essas mensagens. E não é por acaso que não se tem os espaços de apresentação dos textos com fila de pessoas interessadas. Os dramaturgos se satisfazem com vinte pessoas espalhadas nas poltronas. A crítica enfatiza a situação argumentando ser a dramaturgia contemporânea uma arte complexa. E é, de fato. Mas não o que se produz neste instante. O teatro está chato por ser invariavelmente óbvio. Restam as comédias de apelo popular e as produções com personalidades de colunas sociais.

Perdoem-me os dramaturgos amigos, mas as criações atuais são mais propícias ao universo televisivo do que aos palcos. Poucos são verdadeiramente os que conseguem transpor para o papel discussões tão comuns de forma criativa.

O ano de 2005 elegeu Por Elise como um dos melhores espetáculos, e Grace Passô recebeu da crítica elogios dignos de genialidade. Ora tida como novo caminho para a dramaturgia ora como um novo Guimarães Rosa, a dramaturgia de Grace mostra claramente a opção da crítica em querer a qualquer preço algo que consiga tapar o vazio artístico apropriadamente ignorado na geração recente. Eleita pela simplicidade com que constrói a narrativa, há que se fazer entretanto uma distinção essencial entre simplicidade e superficialidade. A infeliz comparação com Guimarães Rosa, por exemplo, determina ainda mais os aspectos frágeis do texto. O romancista minero não tratou a palavra com simplicidade alguma, pelo contrário, na exigência de uma língua simples foi capaz de gerar imagens complexas e poéticas. Grace não realiza isso. A dramaturgia de Por Elise se confronta com o esvaziamento e a superficialidade onde a suposta poesia surge pelo melodrama de suas personagens. E não vai além disso.

Esta caricatura conduzida pela interpretação eufórica da crítica sobre as capacidades da produção dramatúrgica recente é verificada de maneira mais generalizada. Poucos são os artigos responsáveis e conseqüentes a esse respeito. E se estabelece a convenção do silencio sobre a nova produção pela cumplicidade e companheirismo que só fazem impedir público e artistas de avançarem de fato sobre como pode ser a arte dramatúrgica. Nos debates, nos encontros, a hipocrisia latente se revela em aplausos e tapas de sucesso nas costas amigáveis. Nos corredores, nos e-mails e telefonemas, as críticas são duras frente à banalidade da nova dramaturgia.

De modo geral o Brasil ainda se prende a algumas poucas vertentes dramatúrgicas. Nelson Rodrigues, Plínio Marcos ainda são de fato os conselheiros dos que se aventuram na escrita teatral. E os textos novos não fogem a eles, raras exceções. Há que se fazer uma distinção entre escrever para teatro e ter a dramaturgia como arte. O país está repleto de escritores, alguns muito bons. Artistas, entretanto, estão em extinção.

Apimentando ainda mais a discussão trago então dois outros parâmetros: Gerald Thomas e José Celso Martinez Corrêa.

Por que a dramaturgia de Gerald não é considerada? O que determina aos críticos e estudiosos que o texto de suas peças não valem por si só? Acompanhar o Gerald tem me apresentado também a possibilidade de perceber a complexa rede de sua criação textual. A importância da dramaturgia em sua encenação é sem dúvida determinante e complementar. Mas ainda se tem os espetáculos dele como se fossem improvisações sobre temas, onde o diretor conduz os atores em uma performance. Gerald está longe de ser apenas um encenador. A dramaturgia de seus espetáculos trata a linguagem escrita como sua encenação trata o ator: desconstruindo a formatação histórica clássica, estabelecendo parâmetros de investigação com outras linguagens, criando sistemas próprios de percepção e realização. Gerald Thomas talvez seja o primeiro no Brasil a desafiar a tradição e entender que cabe muito mais ao texto depois da poesia concreta, de Samuel Beckett, de Joyce, Kafka, Gertrud Stein e tantos outros. E sua dramaturgia corre por caminhos imprevistos, em desconstruções da própria literalidade do texto. Não haveria sua encenação não fosse sua dramaturgia, mas parece que aos dramaturgos, tudo que foge de ser linear e sustentado por uma construção do compreensível imediato não é dramaturgia. Gerald Thomas é acima de tudo também um dramaturgo, e como tal, aparados os preconceitos com seu trabalho, certamente um dos mais contemporâneos entre nós. Muitos me odiarão por ler este texto. Ao menos conto com a capacidade crítica de poucos como Rubens Rewald. Gerald traz a tona a dramaturgia de um teatro que une o cotidiano do mundo e as perspectivas do homem contemporâneo, optando por construir espetáculos que se servem a qualquer um e nenhuma específica cultura. Acima de tudo, Gerald é um homem do teatro, entendendo-se o teatro como o mundo.

Este é o aspecto principal qual a nova dramaturgia almeja, ser universal, dizer as verdades do mundo, escrever a história dos homens de hoje. E está longe de conseguir mais do que obviedades. Em outro sentido, a cultura brasileira perde na nova dramaturgia espaço de manifestação enquanto característica única. Não interessa aos dramaturgos em ação a discussão sobre a própria língua, sobre o discurso, a retórica. Como se bastasse ter um texto tecnicamente bem escrito. Não que um texto de teatro deva se prender a pensar sua construção ao fator da cultura. Não é isso. Mas é também.

E nesse âmbito, depois de Oswald de Andrade, apenas José Celso Martinez Corrêa fora capaz de gerar uma dramaturgia excepcionalmente nacional, brasileira no sentido antropológico do termo. Com seus Ws e Ks e Ys e Zs inseridos nas palavras quais redesenha em som e forma, Zé Celso vai além de ter o texto como um papel escrito em computador com Times New Roman. Interessa a palavra por ser palavra, sua forma sígnica redesenhada sob aspectos de uma cultura colonizada e descaracterizada. Interessa a palavra sobre o papel enquanto imagem articulada, sem linhas precisas por tabulações literárias, onde cabe a importância do espaço ocupado para descrever sentido tanto quanto cabe ao clássico as rubricas. Zé Celso trata a palavra associando ao seu sentido literário a transformação sócio-cultural e o subtexto de uma visualidade concretista. Subvertendo o signo, descaracterizando a palavra de sua obviedade, a dramaturgia de Zé Celso é escrita para ser cantada. Portanto, letra, imagem, som. Na construção da narrativa mítica de seus textos, no épico de suas tragédias, Zé Celso continua a busca dos modernistas em construir uma palavra capaz de refletir o todo. Sem se fazer modernista porém, indo além, conduzindo a dramaturgia no que há de mais contemporâneo: a complexidade pela multiplicidade de sentidos, e determinando ainda mais o valor popular de Oswald e de um Brasil específico e único.

Gerald Thomas e Zé Celso são de fato os dois mais interessantes dramaturgos brasileiros quando se trata de uma dramaturgia que vai além de contar histórias. Infelizmente a resistência ainda se manterá, preconceituosa, cínica e desprovida de crítica e reflexão sobre a linguagem. Mas aos que tiverem coragem de se aproximar de fato, perceberão que por traz das suas estéticas, de suas características específicas, encontram-se muitos dos poucos textos interessantes na produção recente. A nova dramaturgia corre para se fazer respeitável, mas sobre qual fundamento que não idéias para estórias? O tempo passa, as leituras continuarão acontecendo, as salas invariavelmente vazias e freqüentadas por amigos e raros interessados. Textos tecnicamente bem realizados, histórias de solidão, amores rompidos, etc etc etc. E mesmo que isso traga com o tempo um público maior, o que será da arte dramatúrgica daqui há poucas décadas?
* fotomontagem a partir de imagem retirada do site www.uol.com.br/geraldthomas

08 dezembro 2005

POWER 100 vs ARTFACTS: a arte contemporânea e as entranhas de um mercado milionário

Conforme artigo publicado pela revista ArtReview, Damien Hirst é a personalidade das artes contemporâneas mais influente no ano de 2005. No site da Artfacts, entretanto, Picasso continua como o número um, e Hirst cai 8 pontos se comparado a 2004, ocupando o longínquo 70º posto na lista. Inglês, revelado entre as estrelas da geração Sensation, Hirst, hoje distante de Saatchi, mecenas de sua geração, é figura conheci das mostras e bienais. Polêmico, megalomaníaco, faz de sua figura arrogante o valor máximo de sua estratégia de divulgação. Cavalos, tubarões, ovelhas envidraçadas sobre receptáculos com formol são claros exemplos de sua ousadia criativa capaz de suscitar admiradores e inimigos ambientalistas, e conduzir o público desavisado pelas exposições a graus de perplexidades que ultrapassam a questão estética das obras. Hirst é acima de tudo fruto de uma Londres cuja geração artística nascida nos finais dos anos 1990, trilhava o desespero da falta de originalidade e desapego mercadológico. Logo se formaram grandes, investidos em um projeto maior de empreendimento imobiliário misturado ao inconstante mercado das artes plásticas, publicidade e influência política pela sustentabilidade de uma outra cultura representativa e forte o suficiente para impor ao sistema sua existência.

Não é a toa que o segundo artista da lista da ArtReview, Bruce Nauman, aparece apenas na nona colocação. Entre as honrosas segunda e oitava fila, diretores de museus e galerias. O que a revista apresenta então é a condição determinante das instituições para o reconhecimento de um processo artístico. O poder de conduzir ao Olimpo talentos ou desterrá-los da glória imortal.

No ranking da Artfacts, Bruce Nauman sobe uma posição e se instala na terceira fila, ficando atrás apenas de Picasso e Andy Warhol. Texano, o artista que se apropriou entre outras coisas dos conceito de Wittgenstein na elaboração de seus trabalhos, é hoje um dos artistas plásticos pertencentes também ao grupo dos possuidores de obras compráveis apenas em valores de milhões. De qualquer maneira, a permanência de Nauman em terceiro lugar (para se ter uma idéia, o quarto é Paul Klee, depois Gerhard Richter, Joseph Beuys, Miró. Mas é preciso dizer que não cabe no ranking colecionadores, diretores de museus, historiadores. Apenas artistas plásticos), ainda que exagerado, caracteriza ao ranking melhor percepção da importância estética do pensamento artístico apresentado dentro de um panorama histórico se confrontada a Power 100.

Mercado, estratégia publicitária, marketing de colecionadores e museus, disputa entre críticos e historiadores de arte. Seja qual for o estratagema para a criação de listas ou ranking, o fato é que os artistas contemporâneos continuam desconhecidos do público não-especializado, aprisionados em porões de coleções, paredes particulares como troféus ostentados por seus altos custos financeiros, salas de museus e galerias inabitadas ou freqüentadas por crianças escolares trazidas como meio de elevar os números nas catracas justificando os patrocínios gigantescos. Ou deteriorados em lixos abandonados após as exposições nas calçadas públicas. A
s listas servem ao menos para manipular e conduzir o mercado a uma posição instantânea quanto a um artista.

Continuam os artistas contemporâneos, porém, ao anonimato público.

Abaixo à lista da Power 100, da revista ArtReview. Quanto ao ranking da Artfacts, o link onde se pode encontrar a lista completa, gráficos comparativo desde 98 e até a possibilidade de comparar graficamente o histórico de vários artistas.

Faça você também a lista de seus artistas e eleja assim os novos ídolos a serem seguidos, ou então peça pelo número!


Power 100
O ranking de 2004 está indicado entre parênteses; sem parênteses são novos na lista.


1 (78) Damien Hirst – Artista britânico
2 (1) Larry Gagosian – Galerista de Nova York
3 (13) Francois Pinault – Dono da casa de leilão Christie’s/Colecionador
4 (3) Nicholas Serota – Diretor de museu
5 (2) Glenn D. Lowry – Diretor de museu
6 (22) Eli Broad - Colecionador
7 (5) Sam Keller - Diretor das feiras de Basel e de Miami
8 (11) Iwan Wirth - Galerista
9 Bruce Nauman - Artista
10 (34) David Zwirner – Galerista
11 Herzog e de Meuron - Arquitetos
12 (8) Ronald Lauder - Colecionador
13 (23) Richard Serra - Artista
14 (15) Marian Goodman - Galerista
15 (6) Dakis Joannou - Colecionador
16 Brett Gorvy e Amy Cappellazzo – Profissionais da Christie’s
17 Thomas Krens e Lisa Dennison – Diretores de museu
18 (21) Marc Glimcher - Galerista
19 (17) Charles Saatchi - Colecionador
20 (41) Neo Rauch - Artista
21 Bernard Arnault – Colecionador e dono do conglomerado de luxo LVMH
22 Richard Prince - Artista
23 (19) Leonard Lauder - Colecionador
24 Steve Cohen - Colecionador
25 (12) Gerhard Richter - Artista
26 Tobias Meyer – Especialista em arte contemporânea da casa de leilão Sotheby’s
27 (27) Família Konig – Família alemã que dirige livrarias de arte e museus
28 (10) Takashi Murakami - Artista
29 (31) Maja Oeri - Colecionador
30 (26) Nicholas Logsdail - Galerista
31 (49) Jay Jopling - Galerista
32 (36) Barbara Gladstone - Galerista
33 (32) Amanda Sharp e Matthew Slotover, diretores da feira Art Frieze
34 Jeff Wall - Artista
35 Renzo Piano - Arquiteto
36 (77) Simon de Pury e Michael McGinnis -Leiloeiros
37 Paul McCarthy - Artista
38 (41) Gerd Lybke - Galerista
39 (45) Ed Ruscha - Artista
40 (25) Peter Brant - Colecionador
41 (40) Don e Mera Rubell - Colecionadores
42 (94) John Baldessari - Artista
43 (44) Paul Schimmel – Curador do Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles
44 Robert Mnuchin e Dominique Levy - Galeristas
45 Marlene Dumas - Artista
46 (46) Matthew Marks – Galerista e diretor do Armory Show (NY)
47 (24) Adam Weinberg – Diretor do Whitney Museum (NY)
48 (38) Sadie Coles - Galerista
49 (14) Rem Koolhaas - Arquiteto
50 (57) Victoria Miro - Galerista
51 (88) Alfred Pacquement – Diretor do Centro Georges Pompidou, em Paris
52 Peter Doig - Artista
53 Família Mugrabis - Colecionadores
54 Anselm Kiefer - Artista
55 (55) Lurhing and Augustine - Galeristas
56 (42) Max Hollein – Diretor de museu
57 (47) Ingvild Goetz – Colecionador
58 Chris Ofili - Artista
59 (68) Thelma Golden – Diretora de museu e curadora
60 Philippe Vergne – Curador do Walker Center (EUA)
61 (59) William Acquavella - Galerista
62 (18) Jeff Koons - Artista
63 Allan Schwartzmann – Consultor de arte
64 Harald Falckenberg - Colecionador
65 Phillipe Segalot – Consultor de arte
66 (93) Gerhard Steidl – Editor de livros
67 Iwona Blazwick – Diretora da Whitechapel, em Londres
68 (75) Harry Blain e Graham Southern - Galerista
69 Howard Greenberg - Galerista
70 (61) Max Hetzler - Galerista
71 (72) Francesca von Hapsburg – Colecionadora e dona de museu
72 (56) William Eggleston - Artista
73 (9) Robert Storr - Curador
74 Perry Rubinstein - Galerista
75 (20) Zaha Hadid - Arquiteta
76 Stefan Edlis - Colecionador
77 Alanna Heiss – Diretor de museu e curador do PS1 (NY)
78 Thaddeus Ropac - Galerista
79 Ann Philbin – Diretor de museu
80 (30) Daniel Buchholz - Galerista
81 (81) Maureen Paley - Galerista
82 Shaun Caley Regen - Galerista
83 (50) De la Cruzes - Colecionadores
84 (85) Charles Esche e Vasif Kortun - Curadores
85 Christo - Artista
86 (86) Hans Ulrich Obrist - Curador
87 (84) Spruth Magers - Galerista
88 Richard Schlagman – Editor de livros (Phaidon)
89 (82) Miuccia Prada – Colecionadora e dona da marca Prada
90 Christopher van de Weghe – Consultor de arte
91 Frank Dunphy – Empresário de artistas londrinos
92 (90) Família Cisneros - Colecionadores
93 James Lingwood e Michael Morris – Curadores
94 Yvonne Force – Consultor de arte
95 Christian Boros - Colecionador
96 (98) Harvey Shipley Miller e Andre Schlectreim - Curadores
97 Rachel Whiteread - Artista
98 Família Essel - Colecionadores
99 Tadashi Kawamata - Curador
100 Sebastian Lopez – Curador

07 dezembro 2005

VANDALISMO NO AEROPORTO DE BUENOS AIRES

Postado na hospedagem anterior do blog na quinta-feira, 1 de dezembro de 2005
22:48:04


ENTRE OS DIAS 25 E 28 DE NOVEMBRO, ESTIVE COM MINHA ESPOSA EM BUENOS AIRES PARA DESCANSAR E ASSISTIR ALGUMAS PEÇAS DE TEATRO, QUAIS AINDA COMENTAREI NO BLOG, AO MENOS DUAS DELAS. O QUE ACONTECEU DURANTE O RETORNO ESTÁ DESCRITO NA CARTA QUAL DISPONIBILIZO ABAIXO, ASSIM COMO A IMPRESSIONANTE RESPOSTA DO NOSSO MINISTÉRIO DO TURISMO! NÃO HÁ MUITO A ACRESCENTAR. FICAM A CARTA, A RESPOSTA OFICIAL E O SILÊNCIO ACOSTUMADO POR UMA CIDADANIA ESQUECIDA OU INEXISTENTE. ALÉM, AS CONCLUSÕES DE CADA UM.

BEIJOS

RUY FILHO



A CARTA

Caros Srs.

Estou escrevendo para relatar um desagradável fato ocorrido ontem em meu retorno de Buenos Aires. A mala despachada no aeroporto argentino teve seu lacre arrombado e diversos itens foram furtados de seu interior, como assessórios eletrônicos (baterias de câmera fotográfica e de vídeo) e roupas diversas minhas e de minha esposa, além de outros itens pessoais. Pertences de outras bagagens também estavam em nossa mala, demonstrando claramente o grau de vandalismo qual os passageiros do vôo 7453, pela Gol Linhas Aéreas, sofreram. A abrangência de passageiros atingidos pode ser verificada nos boletins de reclamação da companhia aérea, uma vez que metade dos brasileiros desembarcados em Congonhas notou suas malas destruídas e pertences roubados. Um exemplo claro é o caso de uma senhora que encontrara no interior de sua bagagem duas garrafas de pinga quebradas, as quais não eram de sua propriedade.

Segundo a Gol e também funcionários de outras companhias presentes quando constatei o roubo, isso é um acontecimento NORMAL no aeroporto de Buenos Aires. Conforme a legislação brasileira, cabe a companhia aérea responsável o ressarcimento da perda através do pagamento de U$ 20,00 / kg faltante na bagagem. No meu caso, três quilos, portanto U$ 60,00. Quantia na verdade absolutamente irrelevante para os bens roubados.

Sem falar no desgaste emocional em se descobrir roubado; na humilhação em abrir as malas em meio ao desembarque e verificar os pertences espalhando-os no chão do aeroporto publicamente; o tempo perdido de três horas para chegar à solução de preenchimento de um formulário de reclamação sem garantia alguma de ressarcimento, como se a responsabilidade das bagagens não fosse da companhia aérea. A Gol declarou existir um funcionário de sua confiança no aeroporto de Buenos Aires para o acompanhamento das bagagens, e que portanto só podem ter sido funcionários argentinos. A questão é que se há esse funcionário da empresa, então como os funcionários argentinos conseguiram mexer em tantas malas sem serem vistos?

Infelizmente não resta outra atitude a fazer a não ser criar uma campanha pública para que não se viaje até Buenos Aires enquanto não forem tomadas medidas para que o vandalismo não seja descrito como prática comum. Muitos são os que viajam para a cidade como turistas, e muitos como empresários. Não é possível que ambos os governos, brasileiro e argentino, ignorem a prática, já que os funcionários afirmam que a mesma existe há muito tempo. Um funcionário presente afirmou ainda que quando sua companhia tentara refutar a prática, houvera ameaças contra a empresa de a retirem do aeroporto argentino. Enfim, se as companhias não possuem como lutarem contra, que ao menos forneçam aos seus consumidores formas de ressarcimentos e proteções.

Este comunicado está sendo encaminhado para a imprensa, Governo Federal, Itamaraty, Embraer, Governo da Argentina, Consulados Brasil-Argentina, Argentina-Brasil, Embaixadas, além de sindicatos de turismo de todo o país, associações de intercâmbio entre Brasil-Argentina, órgãos de integração do Mercosul, OAB...

Não é possível que mais uma vez nós tenhamos que conviver com os problemas sozinhos.

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A RESPOSTA

Prezado Sr. Ruy Filho,

Com muito constrangimento lemos o seu desagradável relato de violação de bagagem em vôo proveniente de Buenos Aires. Realmente é incompreensível e inaceitável atitudes desse tipo por parte de funcionários argentinos no aeroporto daquele país demonstrando assim o que sempre sentiram em relação aos brasileiros: verdadeira dor de cotovelos. É ressentimento centenário de alguns argentinos em relação aos brasileiros. Mas é preciso que haja fiscalização e cumprimento da lei. Não se podem permitir tamanhos desmandos.

Achamos que V.Sa. agiu corretamente enviando essa denúncia a vários órgãos do governo brasileiro e argentino. O caminha é mesmo reclamar junto ao Procon de São Paulo e exigir a indenização justa pelos danos sofridos.

Cordiais Saudações
Ouvidoria do Ministério do Turismo

RELATÓRIO DA ONU: desenvolvimento social

Postado na hospedagem anterior do blog na quarta-feira, 23 de novembro de 2005
02:04:57


CÉSAR CAVALCANTI ME SUGERIU A LEITURA DO ARTIGO ABAIXO. A TRISTE CONSTATAÇÃO TRADUZIDA EM ESTATÍSTICA SERVE AO DESESPERO DE UM FUTURO INEXISTENTE. SEM CONDIÇÕES DE CRESCIMENTO HUMANO NÃO HÁ COMO SURGIR UMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA. E AINDA PESSOAS ACHAM ISSO APENAS MAIS UMA IDIOTICE. O BRASIL PRECISA VERDADEIRAMENTE CONHECER SEUS BRASILEIROS.

ABRAÇOS

RUY FILHO


ONU ATACA 'MITO' DA DEMOCRACIA RACIAL NO BRASIL
Um relatório sobre o desenvolvimento humano no Brasil que a ONU divulga nesta sexta-feira reunindo uma série de indicadores sociais e econômicos do país concluiu que, em todos eles, os negros brasileiros estão em situação desfavorável.
por DIEGO TOLEDO


O relatório mostra que a desigualdade se dá em áreas como renda, saúde e educação. Além disso, o estudo faz comparações para mostrar que a situação não tem se alterado nas últimas décadas.

"Os dados apenas corroboram o que está à vista de qualquer observador: quanto mais se avança rumo ao topo das hierarquias de poder, mais a sociedade brasileira se torna branca", diz o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), órgão da ONU que produziu o levantamento.

O levantamento mostra, por exemplo, que a renda média dos brasileiros negros em 2000 foi de R$ 162,75, menos de metade dos R$ 341,71 (em valores corrigidos) que os brancos ganhavam em 1980, de acordo com relatório.
Desde então, a diferença entre brancos e negros praticamente não se alterou.

O estudo afirma ainda que 64,1% dos pobres brasileiros são negros e que a taxa de desemprego da população negra foi, na média, 23% maior do que o índice de brancos sem emprego entre 1992 e 2003.

O relatório da entidade diz que a democracia racial brasileira é um "mito" e defende uma ação conjunta do governo e da sociedade para combater o racismo no país.

O estudo acrescenta ainda que as ações afirmativas, incluindo as políticas de cotas, são necessárias no Brasil porque mulheres, negros e povos indígenas foram deixados "em secular desvantagem na sociedade brasileira".

"Políticas universais são e serão sempre indispensáveis. Tratar igualmente desiguais pode, no entanto, agravar a desigualdade, em vez de reduzi-la", afirma o relatório.

O levantamento do Pnud utiliza os indicadores pesquisados para revelar outro aspecto da desigualdade entre brancos e negros no Brasil.

Em 2002, o Brasil ficou em 73° lugar no ranking do IDH (índice de desenvolvimento humano, elaborado pela ONU). Mas o estudo indica que, se as populações brancas e negras representassem países diferentes, a distância entre os dois grupos seria de 61 posições.

O relatório diz que o 'Brasil branco' ficaria em 44° lugar no ranking, junto a países como a Costa Rica e à frente da Croácia, por exemplo. Já o 'Brasil negro' seria o 105° colocado, com o mesmo índice de El Salvador e atrás de países como o Paraguai.
O estudo também afirma que as desigualdades raciais se combinam às desigualdades regionais.

Um grupo formado apenas pelos brancos do Sudeste ficaria na 37ª posição, com índice semelhante ao da Polônia. Já os negros do Nordeste teriam condições de vida semelhantes às da Bolívia e ocupariam o 115° lugar.

O Pnud também aponta o perfil das principais vítimas da violência no Brasil: negro, jovem, de sexo masculino e solteiro.

De acordo com o relatório, a taxa de homicídios para a população negra é de 46,3 para cada 100 mil. O índice é quase o dobro do registrado para brancos.

O estudo afirma ainda que os negros são também as maiores vítimas da violência policial no Brasil.

Além disso, acrescenta a ONU, os réus negros tendem a ser mais perseguidos pela polícia, enfrentam maiores obstáculos no acesso à Justiça comum e têm mais dificuldade para exercer o direito de ampla defesa.

"Revelar a relação existente entre racismo, pobreza e violência é um passo fundamental para compreender a forma singular que a manifestação do racismo adquire na sociedade brasileira", diz Carlos Lopes, editor-chefe do relatório.

Na área de educação, o Pnud afirma que o percentual de brasileiros negros com diploma universitário em 2000 (2,7%) era menor do que o de brancos com nível universitário em 1960 (3%).

Outro indicador revela que a taxa de analfabetismo dos negros em 2000 era maior que a dos brancos de 1980.

O relatório aponta ainda que a expectativa de vida da população branca do Brasil é de 71,5 anos. Entre os negros, no entanto, esse número cai para 66,2.

"O racismo brasileiro há muitos séculos coloca a população brasileira em situação de flagrante desigualdade em todas as dimensões pesquisadas", afirma Lopes, que foi representante do Pnud e da ONU no Brasil até outubro deste ano.

"Isso exige um esforço conjunto de Estado e sociedade, e não será superado sem a implementação de ações afirmativas e políticas que contemplem a diversidade cultural", acrescenta o editor-chefe do relatório.

MUSEU AFRO BRASIL: conseqüências de uma política imprudente

Postado na hospedagem anterior do blog na segunda-feira, 21 de novembro de 2005
13:43:59

No Dia da Consciência Negra nada mais importante do que festejarmos juntos, brancos e negros, nos jardins de um espaço único cuja criação deveria carregar o sabor de desculpas e honra: o Museu Afro Brasil.

Contudo, por ordem de seu curador, Emanoel Araújo, a programação fora cancelada e as portas fechadas em sinal de greve pelo baixo orçamento destinado ao museu e os constantes atrasos no pagamento dos salários. Há uma discussão mais complicada nisso tudo, do que simplesmente o protesto supostamente administrativo. Desde o início, ainda na gestão Marta Suplicy, o sonho de construir na cidade dois museus históricos se manteve como carro chefe da Secretaria Municipal de Cultura. E junto à Galeria Olido - em funcionamento aos trancos e barrancos -, e o Museu da Cidade - hoje, sendo instalado não mais no Palácio das Indústrias, mas no centro histórico, especificamente no Solar da Marquesa e na Casa nº1 -, o Museu Afro sofre as conseqüências de uma gestação improvisada e irresponsável.

Foram décadas de luta pelas gerações novas de influentes personalidades negras dos mais diversos âmbitos, para que o museu fosse enfim aceito pelos nossos políticos, que até então não o viam como algo de importância histórica e social, apenas como uma espécie de cobrança de classe. A ex-prefeita não entendera assim, e partira para a elaboração de um espaço museográfico audacioso, capaz de registrar e oferecer ao visitante a história dos nossos negros desde de sua escravidão até os dias atuais, complementando com um grande acervo de arte nos mais diversos suportes e estilos. A proposta é grandiosa, generosa. E cabia encontrar um mecenas intelectual para o seu desenvolvimento. Emanoel Araújo, ao não aceitar o posto de Secretário de Cultura, na gestão Marta, abre caminho para ser o homem necessário à efetivação do Museu Afro Brasil. Ninguém mais especializado sobre o assunto, ao qual se dedica a muitos anos e é reconhecidamente uma das cabeças mais privilegiadas sobre o assunto.

Um museu, entretanto, não se consolida somente com conceitos e sim com estrutura administrativa bem desenhada sobre a realidade na qual estará exposta. A inauguração do espaço sobre patrocínio temporário, sem que o futuro financeiro da instituição fosse desde então determinado em ações concretas, mostrava claramente o precipício criado para sua continuidade. Era óbvio que o patrocínio não seria vitalício e portanto o museu estaria fadado ao esmagamento de sua importância pela própria desorganização administrativa e financeira. É o que acontece, então. Dívidas, cancelamento de exposições, funcionários sem salários... O Museu Afro Brasil deveria representar o enaltecimento da raça mais importante na formação de nossa sociedade, mas se faz metáfora do mesmo abandono quais os negros são sofredores.

A questão não pode ser resolvida politicamente, simplesmente, como insiste em entrevistas o curador. Há a necessidade de reestruturação, de reorganização, planejamento para o continuísmo. Qualquer microempresário, por mais iniciante que o seja, sabe que sem isso não há como sustentar um negócio. E queira ou não Emanoel, o Museu Afro, na maneira como foi pensado, é acima de tudo um negócio, barganha política cuja moeda de troca é o reconhecimento cultural da raça negra em troca dos votos nas urnas.

Optar, portanto, pela pressão política como estratégia de impor o museu ao Município é desvalorizar sua real importância fragilizando-o e o destinando a ser mantido e compreendido apenas como instrumento político, que por hora pode ser interessante, mas que amanhã talvez não o seja mais. Desta maneira, Emanoel grita um futuro sombrio ao Museu Afro Brasil, e com a mesma impaciência e imprudência com que o ergueu de maneira tão improvisada, planta um futuro onde a argumentação para sua existência se firma aos valores de quem governa.

Fechar as portas no dia mais importante para os negros, em um momento em que todo o país festeja e se redime, é consolidar ao museu uma desimportância. As manifestações de rua deveriam ser em seus jardins, os discursos em suas esplanadas. O Museu Afro Brasil deveria agir em nome de todos os negros e não se afastar no momento mais precioso e oportuno. Emanoel o retirou de cena porque quer se mostrar politicamente forte, como fizera na inauguração ao impedir a presença e rituais das mães-de-santo. Ainda que o acervo seja propriedade de Emanoel, é preciso que este perceba que a instituição não é um prolongamento de sua sala decorada. E que cabe a um museu mais do que a exposição de artefatos, objetos antropológicos e artísticos, mas a integração entre educação e cultura, história e valores sociais, tendo como foco a discussão e a percepção de fatos.

Quem perdeu foram os negros e a sociedade brasileira. Sem espaço que conduza a reflexão, a questão do negro continua diluída pelas ruas em protestos isolados e não reconhecidos pela classe média preconceituosa. Ontem fora o museu quem não esteve presente no dia de conscientização, amanhã, talvez outras organizações, e o dia limite-se a uma mera passeata antes que os manifestantes retornem para casa sem muito mais conquistado. O que poderia ser um marco na igualdade racial do Brasil moderno, não passa de outro estímulo de poder da mesma base intelectual que se perpetua na cultura brasileira desde os anos 50.

Órfãos de ideologias. Tenho pena de todos nós.

REFERENDO DE COMERCIALIZAÇÃO DE ARMAR DE FOGO: o problema é seu

Postado na hospedagem anterior do blog no sábado, 8 de outubro de 2005
16:25:41

Tenho pensado muito sobre o desarmamento. Até mesmo para entender a lógica aplicada pelo Governo nas opções de votação. Se for contra a compra de armas e, portanto, a favor do desarmamento, voto Sim. Se a favor, portanto contra, voto Não! Um assunto dessa dimensão não tem mesmo a menor necessidade de ser claro. Por vezes acredito que os nossos governantes se divertem com o povo. E já não são poucos os entrevistados que na televisão se atrapalham quando indagadas suas posições. "Eu voto Sim, porque sou a favor de ser contra". "Voto Não porque acho certo".Ah, essa maravilhosa língua portuguesa...

O debate iniciou com defesas argumentativas com bases em estatísticas. O Brasil tem o maior número de mortes por arma de fogo em brigas e confrontos rotineiros e absolutamente desnecessários entre pessoas comuns, sem antecedentes criminais e portadores de armas registradas. Então, é Sim. Quero a proibição. Mas o Brasil possui uma das seguranças mais ausentes, com policiais corruptos (nem todos, mas muito mais do que gostaríamos de supor), uma violência crescente, cabendo ao próprio indivíduo zelar por sua segurança, ainda que isso não seja o mais adequado. Então, é Não. E vou comprar a minha arma após o referendo.

Aos poucos a discussão sai das pesquisas e comparações, algumas vezes sem o menor cabimento, e avança sobre um dilema ainda maior, mas que parece não estar sendo enxergado com devida importância: o Direito. "Eu tenho o direito de escolher comprar ou não. Não cabe ao Governo decidir o que posso comprar". Então, voto Não. "Eu tenho o direito de me proteger, e acredito que a retirada das armas das mãos civis pode melhorar minha segurança cotidiana". Então, voto Sim.

Bom, aos que se justificam pelo Direito do Sim, deixo as questões: e se estivermos errados? Cabe qualquer tipo de censura na expectativa de soluções milagrosas? Não corremos o risco de abrir precedente e dar espaço para que novas censuras surjam em nome desta mesma argumentação? Hoje às armas, amanhã os livros, as músicas, os jornais, as escolas... Já vimos isso, e sabemos que as coisas são assim.

Aos que optam pelo Direito do Não: e o meu direito de escolher abortar? Meu direito de consumir minha droga, na minha casa, com meus amigos? Meu direito de transar com minha namorada de dezessete, dezesseis anos? Meu direito de gritar e vaiar no Congresso Nacional os políticos, sem ser retirado à força, aos empurrões, humilhado? Meu direito à greve? Meu direito ao acesso à Cultura? Meu direito de casar com uma pessoa do mesmo sexo?

No ar, o vento disfarçado de hipocrisia. Enquanto convivo com a defesa de Jô Soares ao Não, quando diz: "Voto pelo Não, pois sou um anarquista, e isso é um recado contra a censura".

Não sei como responder a tudo isso. Outro dia, decidido pelo Sim, discuti com amigos, tentei mudar pessoa. Em outro, pelo Não, um certo ar de vergonha de ir contra, mas com a certeza de estar defendendo meus direitos. Nem um nem outro. Não sei muito bem em que votar.

Só me resta a certeza que não tenho o direito de não votar! E que, qual seja o resultado do referendo, estamos condenados a sermos culpados, desvencilhando o Governo de sua responsabilidade. Se o Sim ganhar e o comércio ficar proibido e a violência aumentar contra nós mesmos, teremos que conviver com a resposta de que fomos nós que escolhemos proibir as armas e nos colocamos indefesos frente aos bandidos. Se o Não, e a violência aumentar, a resposta será que a culpa é por termos escolhido liberar o acesso às armas, dando mais oportunidade para os marginais. Pois que irá aumentar, isto não tenho dúvida, já que nossa violência tem raízes mais profundas do que a arma em punho.

E o Governo consegue assim se ausentar deste que é um dos problemas crônicos no nosso país. Muito mais fácil é determinar uma votação que sirva de redenção ao que vier, do que combater o tráfico, a bandidagem, a criminalidade com melhorias na educação e na distribuição da cultura. Afinal, custa muito investir em cidadãos mais esclarecidos e intelectualmente capacitados para enfrentar a vida; e se ganha muito com a manutenção do crime organizado, o terror, a miséria e a indústria bélica. Entre gastar e ganhar, consertar e manter, investir e arrecadar, o Governo já escolheu sua posição ao nos dar o direito de decidir nosso problema. Cabe, agora, determinarmos qual entre as duas opções será a menos pior.

E me desculpe, Jô Soares, mas a verdadeira anarquia está, neste momento, em não votar, em mostrar ao Governo que cabe a ele resolver a violência com os investimentos certos, utilizando nossos gigantescos impostos, agindo de maneira responsável sobre a construção de um futuro comum a todos. Isto, sim, seria verdadeiramente maturidade de sabermos dar-lhe um recado. Ou vai ver, nossos anarquistas estão é ficando velhos...

EM DÚVIDA ENTRE O SIM E O NÃO? : texto de Denis Mizne

Postado na hospedagem anterior do blog no sábado, 8 de outubro de 2005
02:51:38


ESTE TEXTO ME FOI ENVIADO POR UMA AMIGA. POR TRATAR A QUESTÃO DO DESARMAMENTO A PARTIR DE ESTATÍSTICAS E PESQUISAS, E SER O AUTOR DIRETOR DO INSTITUTO SOU DA PAZ, CUJA SERIEDADE E IMPORTÂNCIA SÃO INDISCUTÍVEIS, TRATO DE INCLUÍ-LO AQUI.

ABRAÇOS

RUY FILHO


EM DÚVIDA ENTRE O SIM E O NÃO?

Prezados,

Me chamo Denis Mizne, sou Diretor Executivo do Instituto Sou da Paz e trabalho e estudo na área de segurança pública há 8 anos. Nestes oito anos, em decorrência de meu trabalho não só no Sou da Paz, mas como pesquisador no Instituto de Combate ao Crime das Nações Unidas para América Latina, Chefe de Gabinete do Ministério da Justiça do Governo anterior (para deixar claro) e como membro de uma série de Conselhos na área de segurança pública, incluindo o Conselho Nacional Anti Drogas, o Conselho Interdisciplinar de Segurança Pública do Estado de São Paulo e o Conselho de Acompanhamento das Estatísticas Criminais da Polícia Paulista, tive a oportunidade de conviver de perto com os maiores especialistas no assunto e ter contato com diversas pesquisas e experiências concretas, bem sucedidas, de combate à violência.

Não coloco estes "títulos" acima para usar de argumento de autoridade, mas para que vocês, que não me conhecem, possam saber de onde vem as informações que passo abaixo:

Em 2003 quase 40 mil brasileiros foram assassinados com armas de fogo. Isto significa 108 mortes por dia. Coloca o nosso país como o país que mais mata com armas de fogo no mundo, inclusive comparando com países que estão em guerra. Isto pode não significar nada, mas chama a atenção de que algo precisa ser feito para conter esta verdadeira epidemia que atinge, primordialmente, os jovens, homens, pobres, moradores de periferias e favelas das grandes cidades brasileiras.

Com este contexto em mente, coloco alguns pontos para reflexão abaixo, tentando ser bastante objetivo:

1. Quem mata no Brasil?

Quando imaginamos um homicídio, sempre pensamos em um ladrão invadindo a nossa casa e tirando a nossa vida quando ia roubar algo, ou disparando um revolver contra nosso carro ao tentar nos assaltar no trânsito. Este tipo de crime se chama latrocínio - matar para roubar. Por mais absurdo que pareça, este tipo de crime corresponde à apenas 5% do total de vítimas de assassinatos no Estado de São Paulo. Basta olhar a página de estatísticas da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo www.seguranca.gov.br e checar.

Da onde vem os outros 95%? Obviamente que nos outros 95% não há apenas mocinhos matando mocinhos. Temos cerca de mais 5% oriundos de mortes cometidas pela policia e mais uma porcentagem significativa de mortes cometidas entre quadrilhas de traficantes em sua disputa por pontos. Mas, de acordo com o DHPP - Divisão de Homicídios da Polícia - a causa número 1 de morte em nosso Estado é exatamente o conflito entre cidadãos sem histórico criminal, que morrem no final de semana, à noite, perto de bares, há menos de 1 km de suas casas. 60% morrem ha menos de 500 metros de onde moram. Um estudo do Núcleo de Estudos da Violência da USP aponta que neste tipo de crime, em 46% das vezes, autor e vítima se conhecem e se matam por motivos absolutamente fúteis. Veja que o DHPP separa este tipo de crime de TODO E QUALQUER CRIME QUE ENVOLVA A QUESTÃO DA DROGA.

Temos, portanto, uma sociedade onde, pela ausência do Estado, pelos inúmeros conflitos que imperam em nossas periferias, pela prevalência da cultura da violência e da disponibilidade de armas de fogo, se mata e se mata muito. Por causa de brigas de bar, brigas de trânsito, discussão porque um mexeu com a mulher do outro etc... Fatos que, se não houvesse uma arma presente, não gerariam morte. Poderia haver uma briga, uma discussão, mas não uma tragédia.

2. Mas há muitos bandidos que matam, estupram, seqüestram... Com que armas eles cometem estes crimes?

A Secretaria de Segurança de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas, analisaram as armas apreendidas com criminosos. Veja, não armas entreguem voluntariamente, mas armas que estavam nas mãos de pessoas que estavam cometendo os crimes graves a que me refiro acima!

Destas armas, em SP, mais de 90% eram revolveres ou pistolas de calibre permitido e 78% eram produzidas no Brasil. Em Minas, o número passa de 99% de armas curtas e no Rio, estado onde o crime é o mais organizado do país, chega a 80% de armas curtas e 76% brasileiras. O que isto significa?

Que as armas usadas pelos bandidos não são os fuzis, metralhadoras, etc... Que são contrabandeadas! Este tipo de arma é usado pelas grandes quadrilhas do crime organizado, para brigas entre si ou contra a polícia, mas raramente são usadas em assaltos ou crimes contra cidadãos comuns. Muitos dos senhores, assim como eu, já foram assaltados ou conhecem quem já foi. Pergunto: alguém conhece alguém que foi assaltado no farol com uma AR15 ou uma AK47? A arma que nos assusta e mata é, primordialmente o 38 da Taurus, produzido e vendido legalmente em nosso país.

Mas bandidos não compram armas em loja, não é mesmo? Claro que não. Então de onde vem estas armas?
Segundo pesquisa divulgada esta semana pela secretaria de segurança do Rio de Janeiro, publicada no jornal o Globo de terça feira www.oglobo.com.br , 61% DAS ARMAS USADAS POR CRIMINOSOS NO RIO DE JANEIRO FORAM COMPRADAS EM LOJAS POR ALGUÉM SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS. Ou seja, as armas usadas por criminosos são brasileiras, fabricadas legalmente, entram no mercado legalmente, especialmente pelas mãos de cidadãos de bem e vão parar nas mãos de nossos inimigos. Para que vocês tenham uma idéia, aqui em SP, mais uma vez de acordo com a Secretaria de Segurança, entre 93 e 2000 mais de 100 mil armas foram roubadas. Armas legais, compradas em lojas para nos defender e que foram exatamente abastecer o inimigo... Isto significa 40 armas por dia, todos os dias!

3. Arma e segurança do lar

O FBI fez uma pesquisa dentro do Uniformed Crime Report de 2001 que mostra que para cada vez que uma arma foi usada com sucesso em legítima defesa, 185 vezes uma arma foi usada para matar alguém comum, não criminoso, em um homicídio, suicídio ou acidente. Isto num país que ama armas, onde as pessoas podem ser treinadas desde pequenas, etc... Imagina no Brasil. Poderia citar mais 20 pesquisas nacionais e internacionais mas sei que vocês têm pouco tempo e já escrevi demais. Peço, contudo, que pensem no momento em que um bandido invade uma casa. Ele não avisa que está chegando, não liga para marcar hora... O elemento surpresa é seu maior aliado e ele já chega armado, preparado, acostumado com estas situações e com sangue frio para matar se for preciso. A menos que você durma ou fique em casa com a arma carregada e sempre a postos (o que nem o pessoal do NÃO recomenda, dado o risco absurdo de acidentes fatais), a vantagem vai ser sempre dele. Se você ameaçar pegar a arma isto só aumentará a violência do bandido. Ou seja, uma arma em casa é só risco.

Aliás a maioria das pessoas que tem arma em casa nunca chega a usar. Quando é surpreendida, perde a arma para o bandido, que entra com uma e sai com duas, aumentando, como vimos acima, o seu arsenal às nossas custas. Não é que seja impossível alguém se dar bem, é que as chances são tão, tão pequenas e aumentam tanto a possibilidade de armar o bandido ou aumentar o poder de fogo dele ou colocar em riscos filhos ou netos, que ter uma arma em casa é sinônimo de medo e risco e não de tranqüilidade e segurança.

4. O que de fato vai acontecer se o SIM for aprovado?

Em primeiro lugar teremos uma redução do número de homicídios fúteis e acidentes com armas de fogo. Lembrando que os homicídios fúteis constituem uma enorme parcela do total de homicídios, já significa salvar alguns milhares de vidas. Aliás, em 2004, ano em que entrou em vigor o Estatuto do Desarmamento, foi o primeiro ano em treze anos consecutivos, em que as mortes por arma de fogo caíram em nosso país. 3.234 pessoas morreram a menos que em 2003, revertendo uma tendência histórica no país. O que mais, além do Estatuto poderia ser responsável por esta queda em todo o território nacional? Com certeza, como atestam estudos da Unesco www.unesco.org.br, Ministério da Saúde e do Centro de Estudos Brasileiros de Oxford, o Estatuto do Desarmamento teve grande participação neste fato. Aliás, hoje mesmo, dia 6 de outubro, o Estadão publica na capa do caderno Metrópole uma outra pesquisa do Ministério da Saúde, apontando a queda do número de internações nos hospitais por armas de fogo após a promulgação do Estatuto e da Campanha de Recolhimento de Armas.
Além de continuar e intensificar a redução dos homicídios fúteis e acidentes, a proibição fará com que se feche a principal porta de entrada de armas para criminosos, que como vimos extensivamente acima, se abastecem das armas dos cidadãos comuns. Isto quer dizer que eles não terão armas? Não, quer dizer que pelo menos ficará mais difícil e mais caro, aumentando o risco a que o bandido está submetido. Lembre-se que se o Não ganhar, não muda nada. Tudo fica como está e o bandido continuará tão armado quanto está hoje...

Último ponto: há uma desinformação sendo divulgada em relação a pseudocerteza que o bandido teria, se o SIM, for vitorioso, de que ninguém terá arma e ele assaltará com mais facilidade. ISTO É MENTIRA!

Quem tem arma em casa hoje, continuará tendo mesmo se o SIM ganhar! Não há confisco, há proibição do Comércio! De fato a pessoa não poderá comprar munição, mas pode comprar hoje até 50 por ano. Se comprar 50 balas - que de acordo com a CBC duram de 15 a 20 anos se bem guardadas - poderá defender sua casa de 50 invasões de criminosos pelos próximos 15 a 20 anos. Se ele quiser treinar, basta ir a um clube de tiro que venderá munição (todos continuam funcionando após o SIM) e poderá treinar lá que é o local adequado, guardando sua munição para as 50 vezes em que sua casa for invadida. Ou seja: se hoje o bandido tem medo de armas para entrar numa casa, continuará tendo após a vitória do SIM. (eu pessoalmente acho que se 40 armas são roubadas por dia, que arma atrai bandido e não o afasta, mas este argumento é para quem acredita que o bandido precisa ter algum grau de incerteza) Isto vale para os ambientes rurais, onde o estatuto aliás, permite a compra de uma arma longa e munição, caso a propriedade esteja em local afastado de um grande centro urbano. Ou seja, os proprietários rurais também não ficarão abandonados como faz crer o programa do não.

Um abraço,
Denis Mizne
Diretor Executivo
Instituto Sou da Paz

REFERENDO PELO DESARMAMENTO: legislação

Postado na hospedagem anterior do blog no sábado, 8 de outubro de 2005
02:41:40


A todos os que não se decidiram sobre o Referendo do desarmamento, estou incluindo aqui o link para a Lei 10.826, cuja lesgislação "dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - Sinarm, define crimes e dá outras providências", no site do Tribunal Superior Eleitoral - TSE.

Abraços,

RUY FILHO

http://www.tse.gov.br/downloads/referendo2005/referendo.html

FAMA E FESTIVAL CULTURA NOVA MÚSICA BRASILEIRA: a industrialização do efêmero

Postado na hospedagem anterior do blog na segunda-feira, 3 de outubro de 2005
03:04:06

Que o Brasil é um país musical, isto todos sabemos. Ritmos, estilos, instrumentistas, compositores, intérpretes. Seria infinita uma lista comportando os nomes reconhecidos, pois, a todo instante, talentos surgem das mais diversas maneiras, e a história da musica brasileira se expande a todo vapor. Ou ao vapor?

Cresce também o interesse pela industrialização dessa história. Uma corrida pelo novo, pela descoberta. Ou pela construção instantânea?

Nem sempre preparados ou com tanta capacidade quais são vendidos, nomes desaparecem das prateleiras com a mesma velocidade com que surgem. É necessário dedicar a própria vida ao acompanhamento da industria fonográfica se quisermos estar bem informados. Não é o meu caso, e me parece que tampouco o de alguns críticos por aí. Enfim, permito-me ao descobrimento pela mídia. Sei ser pouco, mas o que fazer?

E mesmo assim, essa indústria efêmera bate à minha porta e me atenta para este momento, quando nunca tão presente esteve a música na cena cultural. Após movimentos surgidos pela necessidade de produzir discursos estéticos que enfrentassem uma tradição que se perpetuava e a repressão cultural conduzida pela ditadura, nossa música circulou em altos e baixos, pelo surgimento de uma cena rock popularizada nos anos 80, a germinação de um pop limitado mas igualmente popular. Com o esgotamento desses valores, artistas, agora com seus vinte e tantos anos de carreira, e que não souberam se reciclar, abrem espaço para o popularesco saltar entre estilos conduzidos pela indústria. Lambada, axé, sertanejo, brega romântico, funk, rap, eletrônico, forró... Ufa! Fica a sensação de que outros estilos virão e irão... Aos jovens de quinze anos não sobram ídolos para uma vida inteira, apenas nomes quinzenais. E para ajudar, tome ainda a importação de besteiróis pop-rock internacionais, com direito a entrevistas em horário nobre e capas de cadernos culturais.

Na corrida pela criação ou descoberta de novos ídolos, a televisão correu com duas propostas diferentes: pela Rede Globo, o Fama; pela Tv Cultura, o Festival Cultura: A Nova Música do Brasil. Diferentes? Bom, já pelo nome dos programas percebemos suas intenções. Enquanto a Globo produz ao público mais um artista relâmpago, a Cultura se autoriza a determinar a nova música. Para o espectador "popular" e o "esclarecido", dois vitoriosos e nenhuma novidade.

De Ilhéus, Bahia, aos 26 anos, Fábio Souza é o eleito pelo público no Fama. Afinado, técnico, o baiano convence o público com a proposta de ser mais um cantor romântico. Luta por isso durante todo o reality show, chegando por vezes a ouvir dos jurados-professores-preparadores que deveria buscar abranger mais seu repertório estético. Mas o público o quer assim, feito Fábio Jr. e tantos outros. E a possibilidade da novidade é esquecida e aceita pela indústria pela promessa de milhares de fãs e vendas de CDs. Afinal, é o que importa, não é? Para que artistas que não são vendáveis? Ou para que artistas?

Pela Tv Cultura: Danilo Moraes, cuja carreira inclui atuações junto a Chico César, Ceumar, Wandi - apresentador do Festival, e seu pai -, e a produção de trilhas para o seriado Ilha Rá-Tim-Bum - produção da Tv Cultura. Que leva os prêmios 1ª Colocado e Melhor Arranjo (Swami Jr.) com a música Contabilidade. O arranjo sofisticado dá sustentação à letra composta por trocadilhos com as mazelas modernas produzidas pelo neoliberalismo. Mas não passa muito disso, e a poesia óbvia, então, elege-se para a história da música brasileira, sem muito que acrescentar. Seria assim, não fosse a impressionante vaia ao ser anunciada vencedora. Bom, riscos de quem optou por trabalhar para um público mais informado. A Globo não correu esse risco...

CONTABILIDADE

Felicidade se conta com conta-gotas / Razão inversa das lágrimas que revertemos / Parco retorno de um investimento tão incerto / Que é de se pensar se vale a pena / Igualdade se conta no contracheque / Acionistas espocando a silibina / Especulando tanto que arde / A alta do preço do preservativo de baixa qualidade / Fraternidade se conta em genocídios / Homens fardados em missões saneadoras / E as estatísticas em frenética hemorragia / Manchando os aventais dos eleitores / Na nossa era / Na nossa era / Os varões exibem vis calculadoras / Na nossa era / Na nossa era / Carros, cartões de crédito, metralhadoras / Um milhão a mais um milhão a menos / Um milhão a mais um milhão a menos / Dez milhões a mais dez milhões a menos / Cem milhões a mais cem milhões a menos

A indústria avança sobre a cultura. E nos cinemas a vida de Zezé de Camargo e Luciano, passa em longa-metragem em Dois Filhos de Francisco. Salas lotadas por um público variado em busca de assistir e se aproximar de um dos maiores ídolos da música atual. Zezé é sem dúvida o que podemos chamar por artista. Se por um lado não inova, por outro tem a paixão e a necessidade compulsiva de criar, presentes apenas nos verdadeiros artistas. Não é possível imaginá-lo de outra maneira, que não com seu violão e uma caneta. Se o tal sertanejo qual diz representar passa longe do que serve a este estilo, é outro caso. E o filme ganha de todos a crítica de ser o "mais lindo, emocionante...". E a música brasileira volta ao Oscar depois de Caetano Veloso ter se apresentado no palco mais industrializado do mundo. Caetano que vem se especializando em trilhas cinematográficas, sem muita expressão, é verdade, ainda preso pelos moldes da industria e de filmes comerciais cuja finalidade é expandir a atuação dos canais televisivos. Já faz tempo que Caetano aprendeu a vender em milhão, basta convivermos com isso.

O curioso é que não se critica o filme, determinando sua importância ao fato de tratar-se de Zezé. O estratagema das industrias cinematográfica e musical, funciona. E o que pode ser de fato uma ótima história e um bom filme, pouco importa. Vale por ser sobre quem é.

Pena, ainda falando de Caetano, que a mesma crítica cinematográfica tenha passado em branco sobre o documentário de Jom Tob Azulay, que registra a turnê original dos Doces Bárbaros, em 1976. Nas telas, o documento emociona e esclarece aos amantes da música brasileira revelando em fatos uma história que vem sendo abandonada. Seria preciso que jurados e públicos assistissem ao filme para compreender nossa história musical e, então, refletir sobre o que ouvimos hoje para se esperar, de fato, um aprimoramento da nossa percepção. Mas quem tem tempo, não é mesmo? Mais fácil chorar com as letras de Zezé, ou, quando muito, falar exibido que gostou da trilha de Caetano, ou que foi ao festival. E assim caminha nossa música, entre vazios e quaisquer coisas.

Notícias antigas, na verdade. Afinal falo de uma indústria... E duas são as promessas para embalar nosso reveillon: o novo trabalho de Maria Rita, agora assumindo a influência de Elis Regina, sua mãe, menos voltado ao marketing gigantesco de novo gênio, de revelação, em busca de uma identidade artística (e o que pode haver de mais interessante do que acompanhar a busca por uma trajetória de um novo artista?); e o CD com músicas italianas de ninguém menos que Roberto Jefferson. Vale tudo dentro de uma gravadora, há espaço para todos. Tudo bem. Mas depois dos resultados que produziram mais um "Famoso" e que decidiram qual é nossa nova música, infelizmente prevejo um futuro triste aos nossos ouvidos. Alguém tem dúvida de qual disco será o mais comentado e escutado neste final de ano?

CARTA DA AMB / CONAMP

Postado na hospedagem anterior do blog na quarta-feira, 17 de agosto de 2005
18:50:00


Agradeço a Sra. Raquel Raw, gerente de Comunicação da AMB, por ter gentilmente enviado a carta da AMB / CONAMP, para a publicação no blog e conhecimento de todos. A democracia se consolida pela informação irrestrita de todas as partes e visões. Façamos a nossa, informamo-nos.
Abraços,

RUY FILHO


AMB - Associação dos Magistrados Públicos
CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público

Carta Aberta à Nação

A República brasileira enfrenta uma de suas piores crises. As sérias denúncias de corrupção e emprego irregular de dinheiro afetam alguns partidos políticos e parcela do Congresso Nacional e do Executivo de uma forma nunca antes imaginada pela população.

Diante deste grave quadro, a Magistratura e o Ministério Público, na condição de agentes públicos conscientes de suas responsabilidades constitucionais e preocupados com os prejuízos à cidadania e à democracia, vêm a público manifestar suas posições:

1. Os fatos sob investigação jamais serão tratados pela Magistratura e pelos membros do Ministério Público sob o prisma ideológico, devendo preponderar o interesse público e a defesa do Estado Democrático de Direito.

2. Todas as situações existentes, baseadas em fundados indícios, exigem uma investigação isenta e criteriosa, por mais graves que sejam as irregularidades e mesmo que venham a atingir altas esferas do Poder Executivo e Legislativo. Uma vez comprovadas as práticas ilícitas, a punição deve obedecer à legislação e à Constituição da República. Não existe ninguém acima da lei, que foi feita para todos os cidadãos brasileiros, sem exceção.

3. A existência de previsão legal e constitucional para solução da crise, independentemente dos agentes atingidos, afasta qualquer possibilidade de ruptura institucional. A punição dos culpados deverá se dar com os meios proporcionados pelo Estado Democrático de Direito, que à custa de grandes sacrifícios foi edificado entre nós.

4. Tanto os agentes do Ministério Público quanto a Magistratura se empenharão na identificação e punição dos culpados, abrindo espaço, assim, para o resgate dos valores imprescindíveis ao desenvolvimento democrático do Brasil, tais como: a ética na política, o respeito à lei e ao patrimônio público.

5. Dentre os vários atos ilícitos noticiados, causam especial inquietação os indícios de ações fraudulentas no processo legislativo, que, se restarem provadas, representam gravíssima traição ao princípio da representação popular.

6. A alegação de fraude generalizada à prestação de contas eleitoral, ainda que punida de forma insuficiente pela lei, constitui-se em afronta ao sistema de votação do país, na medida em que desequilibra a disputa e confere hegemonia ao poder econômico em detrimento da vontade livre do eleitor.

7. A AMB, entidade que reúne 15 mil juízes, e a CONAMP, entidade que expressa o sentimento de 13 mil promotores e procuradores, assumem, perante a nação, o compromisso de apresentar propostas objetivas em 30 dias, na esfera eleitoral, para permitir maior efetividade da atuação da Justiça Eleitoral brasileira no próximo pleito. E, em 60 dias, outras propostas no âmbito cível e criminal direcionadas ao aprimoramento de mecanismos que permitam o fortalecimento de técnicas investigativas e de combate à corrupção e à improbidade.

Conclamamos a todos os brasileiros a manterem sua confiança nas instituições democráticas e na sua capacidade de solucionar a crise brasileira.

Brasília, 17 de agosto de 2005.

PARTIDO DOS TRABALHADORES: Resolução da Comissão Executiva Nacional

Postado na hospedagem anterior do blog na quarta-feira, 17 de agosto de 2005
17:42:46


A Executiva Nacional do PT aprovou ontem a resolução onde pede desculpas à Nação. Segue, então, o texto da resolução.
Abraços,

RUY FILHO

PARTIDO DOS TRABALHADORES
Resolução da Comissão Executiva Nacional


Brasília - 16 de agosto de 2005

As novas denúncias relacionadas com financiamento paralelo de campanhas eleitorais, que envolvem diretamente o Partido dos Trabalhadores e sem o conhecimento de suas instâncias formais, demonstram, mais uma vez, a necessidade de que o PT continue reunindo informações para a apuração de responsabilidades e de aplicação de punições exemplares. A Executiva Nacional do PT, na sua composição atual, afirma que desconhece tais operações e ainda mais, que desconhece se mais fatos dessa natureza virão à tona.

O Partido, com esta resolução, faz o seu primeiro pedido de desculpas à Nação, pois os atos que nos comprometem, moral e politicamente perante os brasileiros, foram cometidos por dirigentes do PT, sem o conhecimento de suas instâncias. Quando tivermos um quadro completo das responsabilidades, como as já assumidas pelo nosso ex tesoureiro, elas serão amplamente divulgadas à sociedade brasileira.

Tais atos criaram uma situação de constrangimento para o PT e para o nosso governo. É impossível avaliar, neste momento, a profundidade e a gravidade de tais danos. Estamos recompondo nossa vida interna, reorganizando as nossas estruturas administrativas e procurando responder à crise política para defender a continuidade com normalidade do governo Lula. Ao Presidente, o PT manifesta a sua confiança e a disposição de defender o seu mandato, que já consolidou importantes conquistas para o povo brasileiro, recuperando a economia e a geração de empregos num país que estava à beira do desastre.

A continuidade do projeto do PT, fundado na ética, na democracia, na busca de emancipação e justiça, na construção de uma sociedade sem miséria e sem opressões, é o ponto de partida de todas as ações da atual Executiva Nacional. Reconhecemos a necessidade de construir métodos mais democráticos de direção, maior respeito à pluralidade interna e também reconhecemos a exigência de promover o fim dos relacionamentos informais - por isso não transparentes - entre governo e partido, que só favorecem a manipulação das instâncias partidárias por dirigentes com mais acesso ao poder.

O discurso do Presidente à Nação deve ser entendido como o início de um novo diálogo entre o governo e a sociedade civil. A ele devem se seguir propostas concretas de combate à crise, quer em relação à reforma política, ao aprofundamento do combate aos crimes de natureza financeira, bem como ao preparo de um orçamento nacional, para o próximo ano, capaz de alavancar grandes investimentos públicos em infraestrutura e habitação popular, prosseguir a recuperação do poder de compra do salário mínimo, implementação da reforma agrária, bem como investimentos ainda maiores em educação, saúde e combate à pobreza.

São necessárias medidas imediatas que promovam altas taxas de crescimento e juros compatíveis com o alavancamento da produção e do consumo das classes trabalhadoras de baixa e média renda, sem comprometer a estabilidade macro econômica.

É hora de combinar estabilidade com crescimento e distribuição de renda. Neste sentido, a saída política para a crise deve contemplar, sem demagogia, medidas de profundidade para estimular o setor produtivo e a melhoria dos padrões de consumo das classes assalariadas. Não se trata de uma polêmica entre direita e esquerda, mas de um cumprimento efetivo, ou não, das funções públicas do Estado.

O PT defende uma ampla reforma política, com fidelidade partidária rigorosa e financiamento público e redução dos custos de campanhas, com vigência ainda para as eleições de 2006. Por isso, apóia emenda constitucional que amplie, até o final deste ano, o prazo para votação de mudanças na lei eleitoral, para aplicação nas eleições de 2006.

A Executiva Nacional orienta todos os seus Diretórios Municipais para que promovam debates e manifestações em defesa do PT, contra a corrupção e a impunidade, e em defesa do governo Lula no dia 27 de agosto.

A Executiva Nacional aprovou também a constituição de uma comissão de sindicância, com a finalidade de consolidar as informações a respeito dos filiados citados nas denúncias, a partir dos relatórios apresentados por esses filiados e de oitivas dos mesmos, sem prejuízo do trabalho da comissão de ética, e levar à próximo reunião do DN suas conclusões e pareceres, para deliberação.

Deverá ainda diagnosticar os problemas de financiamento de campanha desde a eleição de 1998, com o objetivo de municiar a direção partidária de informações e propostas que permitam prevenir futuros desvios de conduta nas relações financeiras do Partido.

A Executiva Nacional convoca reunião extraordinária do Diretório Nacional para o dia 3 de setembro, em São Paulo, com a seguinte pauta:


1, Encaminhamento de decisões punitivas a membros do partido, a partir dos pareceres da Comissão de Sindicância e/ou da Comissão de Ética.

2. Conjuntura Nacional: crise política, situação do governo Lula, propostas ao governo e ação partidária no Legislativo e na Sociedade Civil.
Brasília, 16 de agosto de 2005.

2006: A NOVELA ESCRITA PARA UM POVO DESILUDIDO

Postado na hospedagem anterior do blog na segunda-feira, 15 de agosto de 2005
23:55:51


No domingo passado, o Fantástico, programa da Rede Globo, ao entrevistar o ex-presidente Fernando Collor, trouxe a revelação deste ter pensado em suicídio ao ter seu impeachment confirmado. Todos os meios de comunicação comentam o assunto. Parece, entretanto, ter passado desapercebido outro comentário, quando afirmou categoricamente que seu único arrependimento fora não ter bajulado os deputados e o congresso com aparições em "churrascos e festas", pois, isolando-se, determinou a votação que o retirou da presidência. Antipatia! Resumiu-se a isso a cassação de Collor? Bastava, então, brindar com uísques caros nas recepções dos deputados para que permanecesse no poder? A questão que fica no ar é: o que brindariam?

Se o ex-presidente Collor não deu as respostas sobre as motivações das comemorações, a gestão Lula nos dá uma pista. Um cardápio recheado de corrupções sem precedentes, que certamente não se iniciara com o governo petista. Já se descobrem tentáculos nos governos FHC, e por todos os partidos as contradições revelam envolvimentos no sistema de financiamento das campanhas eleitorais além das contrapartidas partidárias. De mensalões a trocas de partidos, vale qualquer coisa para se continuar no jogo.

O governo Lula chegara à representação máxima do Executivo, após mais de vinte anos de oposição, com a promessa de mudanças políticas e econômicas. E que não ocorreram. As lágrimas na face de um país em esperança, quando a vitória de Lula enfim ocorrera, agora se encontram nos olhos dos próprios fundadores e representantes do partido dos trabalhadores ao se darem conta que o envolvimento do presidente se consolida a cada novo depoimento realizado nas CPIs.

O Brasil não perde apenas a referência revolucionária de uma esquerda que teria como finalidade a realização do sonho de milhares de brasileiros à espera de uma revolução social pacífica. Perde a possibilidade de transformações ideológicas na construção de uma identidade nacional. Não é a toa que as pesquisas eleitorais mostram pela primeira vez Lula perdendo a reeleição. A esquerda qual entendíamos não existe mais e abre caminho para duas possibilidades ainda mais preocupantes.

No início da crise comandada por Roberto Jefferson, frases do tipo "isso é bom, aprendemos que não temos que acredita em um salvador" estamparam quantidades incontáveis de depoimentos nos meios de comunicação, do povo a lideranças políticas, de artistas a anônimos. Não é o que se vê. Em silêncio, uma boa camada da população desiludida segue o lema do governo: "sou brasileiro e não desisto nunca". Surge aos passos cautelosos nas mesas de bares, balcões de botequins, aos sussurros tímidos o nome de um substituto. Heloísa Helena cresce em aprovação e se estabelece como liderança política.

Há, no entanto, a ironia de Heloísa, a quem se deve respeitar, ser produto do mesmo partido qual nos afastamos. De uma esquerda mais socialista, ou pura, como queira, a ideologia defendida em suas opiniões lembra de fato o operário sindicalista Luís Inácio da Silva. Um novo Lula talvez? E será que queremos outro Lula? Ou como este, a deputada fundadora do PSOL, no cargo máximo terminará igualmente rendida aos velhos sistemas de corrupção, como única maneira de governabilidade, já que seu partido certamente não obterá maioria no congresso? A aproximação da imagem de Heloísa com o Lula ainda jovem pode resultar em uma comparação infeliz para sua trajetória política. Mudar sua forma de ser, no entanto, trará descredibilidade. Heloísa enfrenta um dilema que vai além do seu discurso. Traz nas costas o peso de manter vivo os ideais da esquerda brasileira, o que, aliás, o faz bem. Mas quem hoje vai quere correr o risco de pagar pra ver?

Outra possibilidade, e mais imediata, é o ressurgimento público da direita. Público, pois do poder nunca se ausentara desde a ditadura militar. Ora como vices, ora comandando o congresso e o senado, a direita mantém o controle político no Brasil ainda que indiretamente. Presente, sim, mas disfarçada em arranjos e conchavos. A direita de Antônio Carlos Magalhães e tantos outros, dos militares aposentados de olho no Planalto. Esta, ainda lá está. E certamente tem muito a ver com tudo o que está acontecendo, pois fora a base de todo e qualquer organização corrupta que possamos vir a descobrir. A direita que retorna pouco a pouco nas pequenas censuras do governo, na posição conservadora do CNBB, da política externa, de alguns intelectuais influentes. E que se apodera da decepção para fortalecer suas entradas na estrutura democrática sem ser percebida.

É o que as eleições de 2006 irão, enfim, determinar para o nosso futuro. Acreditar na recuperação da esquerda - pela reeleição de Lula, manutenção do PT no poder ou o fortalecimento da nova esquerda para outras eleições - ou o retorno majestoso e vitorioso da direita com seus sorrisos descansados e prontos para impor suas condições.

O triste é perceber que em ambos os casos a solução não virá e que continuaremos a depender da sorte em sobreviver ao samba neste país viciado pela corrupção. Nestas eleições qualquer especulação sobre os resultados independe do que vai acontecer. Nossas modernas urnas eletrônicas mais se parecem roletas controladas em cassinos de subúrbios. Escolham seus números e apostem suas fichas. Mas como está o país já determinou o seu futuro corrompido.

Ainda ontem, Aluísio Mercadante insistia, em entrevista para a Bandeirantes, sobre a importância de modificarmos a legislação do financiamento das campanhas. Para o senador, os milhões utilizados nas campanhas são necessários para manter o padrão de qualidade dos programas televisivos. E radicaliza propondo programas menores, sem tomadas externas e efeitos encarecedores, acreditando que o melhor debate para com a população seja via candidato e plano de governo gravado em câmara olho-no-olho.

10 milhões. 15 milhões. 25 milhões... A contabilidade é alta e a mídia agradece e muito. Enquanto os canais de televisão arrecadam fortunas com as propagandas eleitorais, publicitários cobram salários irreais para a elaboração das campanhas. Vivemos uma total inversão de valores. A mesma mídia, agora, faz dos escândalos em Brasília seu talk show em busca de espectadores. Ganha mais quem tiver o melhor escândalo do dia! E pouco, de fato, traduz-se ao povo, que assiste aterrorizado as notícias, sem uma reflexão mais profunda e consistente dos acontecimentos.

Ora, o apoio popular está claramente sendo forjado em fogo brando pelos jornais e noticiários que apostam em escândalos novos e maiores todos os dias. Só se discute o culpado. E não se ouve nenhum âncora tratar sobre as conseqüências do que está ocorrendo.

A lavagem de dinheiro se tornou uma profissão paralela dos publicitários e da mídia. Todos participam fingindo ignorar as origens das quantias quais cobram por seus serviços e espaços. Mas são igualmente cúmplices. Fazendo-se de espantados, de ingênuos, a mídia, através das empresas publicitárias, estabelece uma influência paralela às eleições e, a exemplo do que se tem percebido, nenhum paralelismo está desconectado de troca de facilidades. As emissoras possuem dívidas gigantescas com a união, os jornais idem, com raríssimas exceções. Sem falar nas parcerias entre mídias e bancos, seja como investidores, seja como anunciantes gigantes. A imprensa que se mostra tão surpreendida pode sim ser pega de calças-curtas. Basta saber quem estará disposto a dar o primeiro grito!

De qualquer maneira, a população está pela primeira vez acompanhando a política nacional. Ouve-se nas ruas, nos pontos de ônibus, nos táxis. Isso é avanço... Ouçamos a todos, leiamos a tudo, então. A informação se contradiz de veículo para veículo e nesses intervalos de desencontros existe a possibilidade de conhecermos a realidade. Apenas desta forma saberemos o que pensar. E nada se muda sem muita e cautelosa reflexão. Não há de ser no Brasil que vai acontecer de outra maneira. Sem as desculpas políticas, sem os discursos oportunistas, sem as matérias vazias... Seja qual for sua posição, que seja sua. O resto é mera conseqüência de nós mesmos.

CONSEQÜÊNCIA DE UM DOMINGO COMUM...

Postado na hospedagem anterior do blog na segunda-feira, 8 de agosto de 2005
07:04:23


Nada mais chato que o domingo. Invariavelmente. As melhores sessões de cinema se tornam tardes demais, as de teatro, cedo demais. E a programação na televisão é inexistente.

Contudo, única saída para quem não quer reabrir algum livro, lá estou, frente aos programas de auditório me odiando por estar assim. Zappiando eternamente. Hipnotizado. De repente, algo me estimula, conduz a um mínimo fio de pensamento. A mesmice dos programas gera na atenção um código comum. No Gugu, supostos trabalhadores falam de supostos abusos e humilhações sofridos nos trabalhos. No Pânico, um discurso simulando indignação pela proibição em transmitir o quadro Sandálias da Humildade.

A memória traz de volta uma expressão de alguém já esquecido. "Vícios da democracia". E alterno entre os programas tentando entender o que em mim se constrói. Mas não é possível manter qualquer reflexão, pois mesmo com as janelas do apartamento fechadas, uma turma realiza um churrasco urbano na calçada. Poucos metros nos separam. Insuficientes para afastar também o som que chega em minha sala em uma altura inacreditável. Pagodes da pior espécie e axé pra acompanhar a gordura pingando sobre o carvão. Vícios da democracia. Novamente a frase martelando...

O que faz com que os chefes humilhem seus funcionários, que supostos humilhados se defendam em rede nacional sem provas e testemunhas das humilhações sofridas, que personagens televisivos ataquem gratuitamente personalidades de forma ostensiva e ridicularizante apenas com o intuito de gerar polêmica e audiência, que os carros sejam equipados com potências sonoras capazes de obrigar toda uma rua a ouvir as músicas escolhidas por alguns durante um dia inteiro, é o sentido errôneo difundido após a ditadura militar que democracia e liberdade significam termos o direito de fazer o que quisermos, quando quisermos.

Compreendo a liberdade como um direito pleno de existência. Com idiossincrasias, defeitos, vontades opostas, incoerências e individualidade para ser e se expressar.

Entretanto é um erro acreditar que a democracia se consolida no momento em que essa liberdade é usufruída de maneira a estabelecer incômodos e imposições de vontades. Mesmo o contrário tem direito a existir. E se a liberdade, em seu primeiro instante, instaura-se na capacidade em gerar o reconhecimento aos direitos do indivíduo, a democracia, por sua vez, surge como a organização destes direitos. Leis, códigos éticos. A democracia rege a organização das liberdades para que o coletivo consiga sobreviver ao indivíduo.

Infelizmente não vivenciamos a isso. As pessoas agem cada vez mais de acordo com seus desejos desprovidos de reflexões sobre as conseqüências das ações tomadas. Incredulidade no comando político do país, descrença numa ética de convivência, infelicidade latente desesperançada de um futuro. De alguma forma, o brasileiro perdeu o sentimento pelo próximo. Caindo na armadilha do "não estar nem aí", "eu quero, eu faço", "o problema é dos outros", "os incomodados que se mudem". Da lei de Gerson! No trânsito, na fila do banco, no caixa de supermercado, na conta do restaurante, nos cds piratas, nas barracas de camelôs, nos flanelinhas. Nas mais pequeninas coisas.

O brasileiro se perde de si mesmo. De uma noção de conjunto, de sociedade, de povo, de nação. Perde o sentido da verdadeira democracia. E sem ela, despede-se de sua liberdade que se restringe aos mínimos gestos para satisfação de desejos momentâneos.

Mala com dinheiro, cueca com dólar, depoimentos mentirosos, documentos rasgados, roubados, corrupções. E como se fosse uma brincadeira profética cruel, a história recente do Brasil é descoberta, aos poucos, conduzida, corrompida e dirigida por uma empresa cujo nome é nada menos do que DNA.

Não há como exigir um futuro outro que não igual ao presente que vivemos enquanto não soubermos administrar nossas liberdades de maneira a estabelecer uma democracia sólida e eficiente. Indiferentes a isso, continuaremos a assistir políticos que acham aceitável a corrupção como sistematização da máquina pública e partidária. E pessoas que não vêem nada de mais ligar o mais alto possível o som de seus rádios. Vícios da democracia...

Que as liberdades existam sim. Não em nome de leis jurídicas, pois estas são mutáveis, condicionadas ao tempo. Por uma ética ao próximo, sem moral, sem parâmetros religiosos. Apenas pela capacidade em admitir o outro como indivíduo. Nem mais, nem menos. E então sim desenharemos nossa verdadeira democracia. Do contrário, estamos fadados aos domingos com programas televisivos idiotas, às brigas entre vizinhos, aos políticos de sempre.

Compreender a democracia não como um direito oferecido, mas uma conquista política sempre em processo de lapidação. E política se faz nos pequenos gestos, na rotina do dia-a-dia. Negamos o futuro a nós mesmo. E, hoje, somos todos culpados por Brasília, sem perspectiva de irmos além do que lá está.

Talvez esteja exagerando. Talvez esteja apenas precisando de um pouco de silêncio.

KAZAHANA: a dança aprisionada pela estética

Postado na hospedagem anteior do blog na quinta-feira, 4 de agosto de 2005
04:47:22

O espetáculo de dança Kazahana, apresentado no último final-de-semana no Teatro Alfa, pela Cia. Karas, concentra-se nas duas linguagens presentes na formação do coreógrafo e artista plástico Saburo Teshigawara e se perde na intersecção do possível. Plasticamente bem resolvida, a espacialidade do cubo feito em elásticos, em linhas paralelas verticais, adquire movimento quanto interagido e cores próprias (branco, azul, vermelho) compondo uma cenografia agradável à composição coreográfica criada.

Contudo, a exploração espacial se esgota rapidamente, mesmo com as intervenções de uma iluminação precisa e criativa. Aos que assistem ao espetáculo, a plasticidade inicial perde interesse, restando apenas a sonorização criada por ruídos, músicas desconstruídas e um específico momento de música eletroacústica, quando os dançarinos, estáticos, sentados no palco, dão continuidade à perspectiva do teatro, oferecendo-nos o som circulante e variável como atributo de suas subjetividades. Talvez o momento mais acertado do espetáculo.

Já a coreografia tem explicitamente a intenção de construir uma narrativa de movimentos. Não a narração de um fato ou pensamento, apenas a continuidade do gesto entre diversos dançarinos, ainda que não de forma linear. Trabalhando os corpos ora como campos amplos ora mínimos, suaves e ágeis ou restritos e duros, Saburo propõe a compreensão do gesto-fala por sua repetição. E o espetáculo, já sem a grandiosidade do primeiro impacto visual, torna-se cansativo e longo.

O que fica claro na montagem da Cia. Karas é a busca em associar potencialmente a dança e a estética. Mas pelas mãos de Saburo, a estética evidencia a criação tornando os dançarinos meros coadjuvantes de um espetáculo que se propõe visual.

Essa discussão não é nova, nem única. Este ano ainda assistimos em São Paulo o Momix, com a mesma pesquisa. O que faltou a Saburo foi compreender que a estética pode ser sim a sustentabilidade de uma criação, desde que os outros componentes estejam presentes na base conceitual. É o que funciona nos espetáculos do Momix, coreografias, por vezes nem tão originais, condicionadas a uma estética precisa dentro de um conceito prévio capaz de reger todos os fundamentos dos espetáculos e, assim, nos conduzir pela estética a um momento único.

Saburo é mais interessante que o Momix. Mais ousado, criativo. Plasticamente mais refinado. Basta agora converter sua capacidade estética em percepção coreográfica. Por enquanto, o que se vê, é um excelente ambiente para se escutar interessantes criações sonoras contemporâneas.

JEAN CHARLES DE MENEZES: carta a uma nação

Postado na hospedagem anterior do blog na terça-feira, 26 de julho de 2005
05:22:25


Eram muitos homens. Muitos pra quem está com medo. Armados. Não pareciam policiais. Os gritos, a correria, o metrô tão próximo. Não pensei muito, apenas corri em direção aos vagões na esperança de sumir, de não ser descoberta minha ilegalidade. O medo de perder tudo veste o corpo todo, e qualquer outra língua que não a sua torna-se ameaçadora.

Braços fortes amassando meu corpo junto ao chão. De perto, em segundos, muitos pés e pernas, tantos que não fui capaz de contar. Eu, um só!

Meu universo se resumiu ao vazio silencioso daqueles milésimos de segundos. Até que aconteceu. O cheiro de pólvora próxima. Muito próxima. Seca. Forte. Nada é tão assustador quanto perceber que sua sentença fora decretada sem possibilidades de explicações: execução! A saliva estalada pela língua pressionada ao céu da boca salgada. Narinas abertas no impulso de sugar o máximo de ar o mais rapidamente possível, como se fosse capaz de congelar o tempo. Um coração pulsante correndo em lágrimas. Não percebi o que veio primeiro. Talvez o som. Talvez os olhos se fecharem.

Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito.

Como um tiroteio na Rocinha. Uma rebelião no Carandiru. Os filmes americanos. Bons e maus policiais, bandidos, mocinhos. Heróis... Como as bombinhas juninas em Ribeirão do Jorge dos Necas. De uma infância que me retorna aos pulos em flashes como o único lugar seguro. O lugar onde eu gostaria mais do que nunca estar, então. Mas não estamos mais junho...

Enquanto a lembrança tenta guardar o último fragmento do passado, o sangue se esvai junto ao futuro do dia seguinte, da satisfação digna do trabalho conquistado, do reconhecimento humano pelo direito à sobrevivência. Não há dor, somente incompreensão.

Pelas escadas de acesso da Stockwell Station, sobe o eco seco da vida terminada ao massacre de um anônimo. De mais de uma vida, na verdade. Como ficarão meus pais? Meu irmão?

O medo passa. Os músculos relaxam ao piso por inteiro. A consciência simplesmente desaparece. Nem importa mais se um dia me chamei Jean Charles. Que irônico. Justamente quando o Charles mais importante daqui prepara-se para assumir o trono mais antigo do mundo... Não há majestade em ser latino, brasileiro.

Não fosse um país tão injusto ao seu povo; não fossem os políticos inescrupulosos pela ânsia do poder; não fosse uma cadeia de absurdas contradições sociais, eu não estaria aqui em Londres. Não assistiria o terror dos mortos pelos terroristas. Ou veria de perto a transformação do mundo qual tanto sonhei em um lugar inabitável. Aqui não se vive mais. E mortos são todos. Os assassinados pelos homens-bombas, os assassinados pela memória do terror constante, eu, assassinado pelo simples fato de ser ninguém.

E lá estão eles novamente. Saboreando aos microfones, em cadeia mundial, os pêsames pela minha morte. O Brasil me representa em discurso preparado, numa sala pomposa, para poucos.

Não se lembraram de mim quando terminei meus estudos, quando perdi meus empregos. Minhas fomes, minhas frustrações juvenis. A casa antiga, a deseperança de uma família como tantas e tantas. E as mesmas gravatas que agora falam em meu nome, enquanto os nós apertam o mal-estar do fato de obrigá-los a falarem sobre mim, amanhã me esquecerão certamente. Se nunca existi ao meu país vivo, não há de ser morto...

Ah, Brasil! Que saudade das ruas sujas dos carnavais que não dançarei mais, das rodas de samba com amigos de infância que não encontrarei, dos beijos quentes que só existem nos trópicos e que nunca mais vou sentir. Do colo da mãe, das mãos tristes do pai velho e igualmente abandonado.

Vim a Londres esquecer tudo isso, fugir de uma infelicidade crônica sem futuro, e descobrir na frieza de um império de promessas as oportunidades que em minha terra a chuva não foi capaz de regar.

Nunca o esqueci, Brasil. Mas as malas prontas pra minha volta nunca chegarão. Não pertenço mais a ti. Aqui me fiz outro, tornaram-me outro. E hoje me eternizo em máquinas, em rodas, trilhos. Parte de uma história horrível que atinge a qualquer um sem piedade.

Deixo em meu testamento a existência desse brasileiro a tantos outros que por esta estação passarão pisoteando meu espírito abandonado aos tiros por quem o deveria proteger, para lembrá-los que nada adianta estarem aqui sem que ao sairmos de casa não a façamos um lugar melhor para quando voltarmos.

E um desejo, apenas: que o nosso Brasil se encontre e reconheça seus filhos, pois sem isso, talvez o melhor seja mesmo...

Não!

Mesmo daqui ainda consigo ouvir gritar a bateria da Mangueira. E a isso, por si só, já vale lutar e viver.

Beijo, minha mãe... Benção, pai... Fiquem em paz, pois estou bem...

ENTRE O PT E A DASLU: o rascunho de um país sem dono

Postado na hospedagem anterior do blog na terça-feira, 19 de julho de 2005
16:05:13


No começo do ano, sentado em uma mesa de bar, em São Paulo, dizia a François Tanguy, diretor de teatro francês, enquanto brindávamos nossas caipirinhas, crescer minha sensação, cada dia mais, de que falta ao brasileiro a noção de propriedade do Brasil, de se ver dono das terras, praias, paisagens. Mas também de sua história, seus problemas, suas decisões, seu futuro. Conversávamos sobre minha teoria de uma independência conquistada não pelo povo mas ganha, e a implantação na genética de nossa cultura de que tudo aqui, portanto, não é dele propriamente, livrando-o de responsabilidades, acertos e erros.

O caso Daslu reflete a hipocrisia dominante no país e desenha o quão podre é nossa elite. Defensores calorosos, Fiesp, OAB, argumentam suas solidariedades como diretrizes humanitárias iguais para todos. Os ridículos novos-ricos em seus carros importados à frente da loja-palaciana riem aos repórteres, atribuindo as fraudes a pequenos deslizes, prontos a colaborarem adicionando aos seus vastos guarda-roupas mais alguns milhares de reais em tecido contrabandeado.

A Daslu ri de qualquer tentativa de moralizar este país. Caçoa de nossas leis e se impõe aos meandros jurídicos pela sua força em... vender roupas? Que nação pode ser duradoura quando uma loja de socialite tem mais poder que o legislativo?

A Daslu ignora tudo e qualquer um. Deixa explícito pelo tratamento a seus próprios funcionários sua opinião pelos não-elitizados escolhidos pelas revistas de fofocas. E as organizações defensoras determinam publicamente que ao povo só cabe o silêncio e a distância do palácio de cetim.

Que a Fiesp tem como única preocupação o fortalecimento e enriquecimento da classe empresarial, isso é obvio, mesmo quando defende os trabalhadores, esta é sua origem. E até aí, cada setor que lute por si. A OAB? Onde está quando a população é lesada pelos corruptos? Ou quando a Daslu não paga seus funcionários?

O direito a defesa é uma conquista democrática, mas as subversões e crimes não podem ter pesos diferentes balanceados pela condição social do criminoso. A Daslu não vai além disso: uma rede criminosa, quadrilha! E, desde a descoberta de suas ações, qualquer mero comprador de gravata ou meia-calça, o seu cúmplice. Eliana deve cumprir na cadeia como tantos ladrões de galinha lá estão. Mas também os clientes que, cientes das fraudes, corroboram as atitudes da empresária, incentivando outras existentes por aí. Acho quase impossível acreditar que os clientes risonhos igualmente não sejam sonegadores ou empresários corruptos que se divertem com as capacidades quais possuem em burlar as leis pelo mero prazer em "ser melhor".

Está na hora do brasileiro olhar o seu país, ser dono do seu país... Ir às ruas novamente - e sem o apelo manipulador da Rede Globo - e exigir atitudes, respostas, soluções. Deixar a empresária assistindo novela em televisão de plasma, servida à champagne por incontáveis empregados a seus amigos, é abandonar a construção de uma política igualitária.

Se não somos capazes ou corajosos de gritarmos contra uma dona de boutique, o que faremos quanto ao caixa dois assumido pelo PT? Assistir que a mesma elite que defende a empresária determine uma punição ao partido? Por que não se aplica a lei que determina a cassação? Por ser o partido do presidente? Ou por frases como a de José Dirceu ao se imaginar no banco dos réus das CPIs: "arrasto o Brasil junto!".

Que Brasil? O deles? O nosso, certamente.

Nosso silêncio nos conduz a um futuro óbvio: escravizados por políticos e empresários sem caráter, abandonados à sorte de um capitalismo corrupto, vestidos em flanelas velhas corroídas pela vergonha de sermos parte de um país sem respeito, cuja responsabilidade é de qualquer um, menos nossa.

O Brasil está um passo, não de iniciar, mas de descobrir sua falência moral. E parece que poucos se preocupam de fato com isso.

OS SATYROS: o teatro embriagado pela vontade de existir

Postado na hospedagem anterior do blog no sábado, 16 de julho de 2005
17:28:41


A notícia de que Os Satyros foram novamente contemplados pela Lei de Fomento chega em boa hora proporcionando dois bons motivos para o festejo. O primeiro, o reconhecimento deste que é um dos principais grupos de pesquisa cênica e que vem se revelando audacioso e criativo desde de sua formação em 1989. O segundo, pois a lei, após diversas polêmicas que conduziram o ex-Secretário Municipal de Cultura, Emanoel Araújo, a decidir inicialmente por sua extinção, manteve-se de fato, representando a única possibilidade de sustentabilidade de pesquisa no teatro em São Paulo.

A lei ainda precisa ser revista, reescrita, lapidada em suas falhas e características capazes de gerar fraudes e inconseqüências administrativas. Mas ainda assim, ver a cultura ser subsidiada pelo poder público é um respiro em uma época em que as salas de teatro são ocupadas por merchandising e diretores de marketing estúpidos ao invés de artistas e pesquisadores. O teatro se torna cada dia mais um espaço aburguesado e medíocre destinado à falta de reflexão estética e cultural; freqüentado ao cálice de vinho branco gelado, desfazendo-se da uva calorosa distribuída por Baco.

Os Satyros ocupam um espaço próprio na impensável Praça Roosevelt, antro de prostituição, marginalia de todos os tipos, tráfico. Talvez por isso dê certo. Os palcos reconhecem o sagrado dionisíaco junto à orgia libertária do indivíduo irresponsável e universal. Nada mais próximo que os ditirambos bêbados e alucinados das ruas sujas, das mulheres e homens valorizados pelas vendas de suas carnes. O grupo traz ao seu espaço o sabor que o circunda, a realidade da cidade. E, junto, um público amplo, variável, constituído por artistas, putas, intelectuais, estudantes, casais, desavisados em geral.

O teatro reconhece seu espaço transformador. Vai às ruas, às praças, às casas... Hoje Os Satyros conquistam o direito de continuar. Portas abertas. Festas. Encontros. Discussões. Destinado ao desequilíbrio do comércio correto das salas acarpetadas, dos patrocínios educados com pré-estréias previsíveis. Em cartaz, A Filosofia na Alcova, Cosmogonia - Experimento nº1, O Céu é Cheio de Uivos, Latidos e Fúria da Praça Roosevelt, Rua Taylor, nº214 - Um Outro Olhar sobre Nelson, Transex. Enfim, Os Satyros caminham para se tornar cada dia mais a casa da mãe-joana e deliciosamente a de todos nós. Merda...